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Paulo Roberto Melo

DE QUE SÃO FEITOS OS ÍDOLOS?

por Paulo Roberto Melo


Créditos: Ronaldo Theobald

Segundo o Houaiss, ídolo é pessoa ou coisa intensamente admirada, que é objeto de veneração. O mesmo autor, em seu dicionário, diz ainda que, na tradição judaico-cristã, ídolo é um indivíduo real, uma imagem representativa de uma entidade fantástica, ou a própria entidade, considerados, de maneira equivocada e herética, portadores de atributos divinos – a quem, Dona Cotinha ensinava no catecismo da Paróquia Santo Afonso, na Tijuca, não se deve cultuar, pois divino e perfeito só Deus. Sendo assim, eu, pecador, me confesso: sim, em garoto, eu clamava pelo socorro do meu ídolo, Roberto Dinamite, nas terríveis batalhas travadas na grande área, pela sua bomba milagrosa e indefensável que, a qualquer instante, viria nos redimir.

Bem, é isso. Como acredito que ficou bem claro, no futebol, o meu ídolo sempre foi o Roberto Dinamite. Admirava nele a enorme capacidade que tinha para fazer gols de todas as formas: de cabeça, com ambos os pés, de falta, de pênalti. Seus mais de setecentos gols na carreira falam mais do que minhas pobres palavras.

Considerava admirável nele o fato de muitas vezes fazer, dois, três gols em uma partida. Quando fez cinco gols no Corínthians de Sócrates, Caçapava, Jairo e outros, foi memorável! Mesmo quando o time do Vasco não era bom, era só lançar ou cruzar uma bola para o Roberto, que nascia uma real chance de gol. Em uma época, suas cobranças de faltas eram tão mortais, que me lembro de estar na geral do Maracanã e correr para trás do gol, como nos pênaltis, tal era a certeza de que a bola iria na rede.

Além de tudo isso, admirava no Roberto a sua humildade. Seu constrangimento diante de um microfone ou de uma câmera, dava uma sensação de estar vendo uma boa pessoa, de origem humilde, que havia lutado para estar naquela condição em que se encontrava. Enfim, tudo isso fazia parte da minha admiração.

No dia 8 de maio de 1983, um domingo, eu e a nossa imensa torcida bem feliz, precisávamos mais do que nunca do nosso ídolo. Pelas quartas de final do campeonato brasileiro daquele ano, Vasco e Flamengo disputavam a passagem para a semifinal em dois jogos. O Fla havia vencido o primeiro jogo por 2×1 e naquele dia, jogava o segundo jogo, por um empate ou uma derrota por um gol para se classificar, graças a melhor campanha que possuía. O Vasco para se classificar, precisava ganhar por uma diferença de dois gols.

Meu pai e eu estávamos no Maracanã. O Flamengo ainda contava com a geração mais vencedora de sua história, que, em três anos conquistou três campeonatos brasileiros, uma Taça Libertadores da América e um Mundial de clubes, além de um punhado de estaduais. O Vasco havia se reforçado para esse campeonato. Trouxera Edevaldo (cria do Fluminense, que estava no Internacional), Daniel Gonzalez (do Corínthians), Elói (do América) e contava, claro, com ele, Roberto Dinamite, a explosão do gol.

Jogo disputado, 121 mil pagantes no estádio, um clima de tensão percorria todo o anel da arquibancada, avançava pelas cadeiras azuis e transbordava da geral. No final do primeiro tempo, o Vasco fez 1×0, com Elói. O segundo tempo foi terrível! O Vasco precisava se lançar ao ataque, para fazer o segundo gol, que nos daria a classificação, mas não podia se descuidar. Afinal, era necessária atenção redobrada com Zico, Adílio, Júnior e Baltazar.


Quando tudo parecia se encaminhar para a magra e insuficiente vitória do Vasco, Adílio escapou pela direita e cruzou para Zico tocar para o gol vazio, aos 44 minutos e 40 segundos. Festa na arquibancada do lado do Flamengo e tristeza do lado do Vasco. Enquanto alguns jogadores do Flamengo festejavam o gol do Zico, Andrade prendeu a bola entre os pés, no intuito de retardar o reinício do jogo. Roberto Dinamite, nervoso e esgotado por causa da difícil partida, chutou a bola e os pés do craque rubro negro, sendo imediatamente expulso pelo árbitro Valquir Pimentel.

Foi difícil tirar o Dinamite de campo. Repórteres, policiais, jogadores reservas, comissões técnicas e os intrometidos de plantão invadiram o campo, e a confusão foi geral. Quando enfim retiraram a multidão e o prórpio Roberto saiu de campo, o jogo foi reiniciado. Muitos torcedores do Vasco já haviam deixado o estádio após o gol do Flamengo, mas meu pai e eu havíamos permanecido. Um dos ensinamentos que aprendi com ele foi o de não sair de um estádio antes do apito final de um jogo. Esse ensinamento me proporcionou ver empates e vitórias que pareciam impossíveis.

Naquele dia, não sair antes do apito final, me proporcionou outro ensinamento. Nos acréscimos do jogo, sai do túnel do Vasco um Roberto Dinamite diferente: furioso, sem camisa e sem as chuteiras, só de calção e meiões, invadindo o gramado para agredir o árbitro. Meu pai, eu e a torcida que estava no Maracanã, ficamos de pé, atônitos com aquela cena.

Alguns jogadores do Vasco tentaram segurar o Roberto, sem sucesso. Foi então que, como se estivéssemos num imenso teatro, outra cena aconteceu diante dos nossos olhos: Zico agarrado na cintura e Júnior nas pernas do Dinamite impedindo-o de uma agressão que prejudicaria sua carreira. Não era mais Vasco x Flamengo. Eram companheiros de profissão, eram amigos que a rivalidade não separou.

Enfim conseguiram levar o Roberto de volta para o vestiário, e a partida chegou ao fim. Meu pai e eu voltamos para casa, e a vida seguiu. O Flamengo conquistou seu terceiro título brasileiro, batendo o Santos por 3×0 em um Maracanã abarrotado. Mais tarde, li na revista Placar que, na semana do jogo decisivo contra o Flamengo, Roberto Dinamite tinha recebido o diagnóstico da doença que, um ano depois mataria sua então esposa, Jurema.

Meu ídolo no futebol foi e ainda é o Roberto Dinamite. Um versículo da Bíblia diz que “os ídolos são feitos de ouro, prata, bronze, pedra e madeira.” (Ap 9,20) Naquele domingo de maio de 1983, em um Vasco x Flamengo, com o Maracanã cheio, meu ídolo era de carne, osso, sentimentos e emoções, assim como eu.

E SE…

por Paulo Roberto Melo


Por esses dias, ao ver as novidades em uma rede social, apareceu uma página vascaína com a foto do jogador Diego Souza. A legenda da foto era curiosa: “Este cara nos deve uma Libertadores!” Claro, de imediato entendi que a cobrança se devia ao gol que o Diego deixou de fazer no Corínthians, em 2012, no Pacaembu, no jogo que definiria qual time brasileiro seguiria na competição. Apesar do capricho de Diego Souza em deslocar o Cássio, quando estavam frente a frente, o goleiro se esticou todo e conseguiu com as pontas dos dedos desviar a bola para escanteio.

Quando vi essa postagem, pensei: “E se o Diego Souza tivesse tocado por cima do Cássio, à la Romário e feito o gol? O Vasco teria vencido e se classificado? Ganharia a Libertadores daquele ano?”. Esses pensamentos só são possíveis porque o futebol, assim como a vida, convive com o imprevisível. Convive com o “E se…”

Lembro de escutar o meu pai falar que em 1950 o capitão da seleção uruguaia, Obdulio Varela, em um lance da terrível final no Maracanã, cuspiu na cara do lateral esquerdo brasileiro Bigode (fato que mais tarde o próprio Bigode desmentiu em uma entrevista, embora muitos digam que realmente aconteceu.). Pois bem, meu pai dizia que se o Bigode, depois da cusparada, tivesse metido a mão na cara do Obdulio, os dois seriam expulsos e o capitão uruguaio não teria sido tão determinante para a virada do Uruguai.

Vamos aventar que esse fato tenha sido verdadeiro. E se o Bigode tivesse dado uma bolacha no Obdulio Varela? Os dois seriam expulsos? O Brasil teria sido campeão do mundo? Hoje seríamos hexa e não penta?


Brasil e França, quartas de final da Copa de 1986, no México. Segundo tempo, jogo duro, empatado em 1×1. Telê Santana coloca o Zico em campo. O craque rubro negro, depois de uma cirurgia delicada no joelho direito, por conta de uma entrada criminosa em um Flamengo e Bangu, no ano anterior, não tinha condicões de jogar um jogo inteiro. Mesmo lesionado, foi levado para a Copa e entrava no segundo tempo.

Assim que entrou contra a França, a primeira bola que o Zico pegou, deu um passe magistral para o lateral Branco, que na cara do gol foi derrubado pelo goleiro francês. Pênalti! O Sócrates poderia ter batido, afinal já havia marcado um gol de pênalti naquela Copa. O Careca poderia ter batido. O artilheiro vinha fazendo uma Copa sensacional até aquele momento e havia feito o primeiro gol do Brasil. Muitos poderiam ter batido, mas coube ao Zico, frio ainda e lesionado, a responsabilidade. Como sabemos, o Galinho bateu, o goleiro francês defendeu, o jogo foi para a disputa de pênaltis e o Brasil foi eliminado.

E se outro jogador tivesse batido o pênalti? Teria convertido? E se tivesse convertido, o Brasil teria vencido o jogo? Teria sido campeão? Hoje seríamos hepta e não penta?


Em 1977, o Corínthians amargava um jejum de 23 anos sem títulos de campeão paulista. Disputando a final com a Ponte Preta, o Timão não teve vida fácil. Ganhou o primeiro jogo por 1×0, mas perdeu o segundo por 2×1, forçando a realização de um terceiro jogo. A Macaca tinha um timaço naquele ano! Carlos, Oscar, Polozzi, Dicá e Rui Rei. Logo no começo do terceiro jogo, aos 16 minutos, o Rui Rei discute com o árbitro Dulcídio Wanderley Boschilia e acaba expulso. Ficou difícil para o time de Campinas segurar o Corínthians, que também tinha um bom time, com Ruço, Palhinha, Vaguinho e Basílio. No segundo tempo, coube a Basílio dar a vitória ao time do Parque São Jorge e por fim ao longo jejum.

E se Rui Rei não tivesse sido expulso? O jogo terminaria empatado sem gols, forçando uma prorrogação? Ao fim dessa prorrogação, o Corínthians seria, afinal, campeão? Ou a Ponte Preta enfim conquistaria seu primeiro título?

Creio que o jogo Brasil e Itália na Copa da Espanha, em 1982, tenha sido o campeão do “E se…”. E se o Batista não tivesse sido machucado pelo Maradona, no jogo anterior contra a Argentina, o Telê o teria colocado em campo para segurar o empate? E se o Cerezo não tivesse dado a bola nos pés do Paolo Rossi no segundo gol da Itália? E se o Júnior não estivesse parado junto à trave no lance do terceiro gol italiano, dando condições ao terrível Paolo Rossi? E se o Serginho não tivesse atrapalhado o Zico em uma jogada em que o Galo estava na cara do gol?

Como conviver com o “E se…”? Como debater sobre coisas que, por um motivo ou por outro, não aconteceram? Igual a todo mundo, eu tenho os meus “E se…” –  como torcedor ( E se o Felipe tivesse chutado um pouquinho mais pra esquerda aquela bola que passou rente a trave, na final do Mundial de 98, contra o Real Madrid?) e também como pessoa. Você certamente tem os seus.

Não nos foi dado o poder de voltar no tempo. Temos sim o poder de aproveitar o momento e fazer da nossa vida o melhor que pudermos. E valer-se dos não acontecimentos do futebol, para que as resenhas sejam sempre animadas. Afinal, pense bem: e se… não houvesse futebol?

A PAIXÃO PELO FUTEBOL E SUAS INFIDELIDADES

por Paulo Roberto Melo


Mês de junho. Mês dos namorados. Li por esses dias que com a quarentena, havia caído o número de casos extraconjugais, afinal, a obrigação do isolamento forçou as pessoas a ficarem em casa e consequentemente (ao menos fisicamente) serem mais fiéis. Portanto, esta é a ocasião perfeita, para ser posta à prova a paixão dos casais.

Paixão, amor, fidelidade e… futebol! Lembrei de imediato do meu pai, vascaíno ferrenho, que só tinha olhos para os jogadores do Vasco. Todos os outros jogadores de todos os outros times eram no máximo suportados, tolerados. Alguns, mediante qualquer estrago feito ao Vasco, em forma de gol ou declaração diminuindo o clube de São Januário, eram colocados em uma lista negra de ódio e dos piores desejos que um torcedor pode ter.

Ao longo de quarenta anos acompanhando futebol junto com meu pai, houve dois casos em que ele teve que mudar de opinião.

O primeiro aconteceu com o Tita. Jogador da base do Flamengo, o craque, junto com o Esquadrão do final dos anos 70 e início dos 80, maltratou o Vasco. Tita fez o gol de cabeça dando o tricampeonato carioca ao Flamengo em 79, contra o Vasco. Além disso, mostrava em campo uma técnica e uma superioridade que para o meu pai eram imperdoáveis. Algumas vezes o ouvi dizer: “Queria ser jogador de futebol por um dia! O Tita ia ver!”

Pois bem, o Tita saiu do Flamengo. De 1983 até 1986 jogou em Porto Alegre defendendo Grêmio e Internacional. Em 1987 chegou ao Vasco e coube a ele o golaço que deu o título carioca daquele ano, sobre o Flamengo. Meu pai?! Ai de quem abrisse a boca para falar mal do Tita! “Cracaço!” “Eu tenho a certeza de que ele está mais feliz agora no Vasco!”

O segundo caso foi com o Romário. Cria do Vasco, artilheiro implacável e debochado com os outros times, o Baixinho desfilava, pra deleite do meu pai, sua irreverência e seu futebol. Fez dois gols na final da Taça Guanabara de 1986 contra o Flamengo e foi colocado no altar destinado aos ídolos.

Em 1988, depois das Olimpíadas de Seul, Romário deixou o Vasco. Menos mal, que foi jogar na Holanda e depois na Espanha. Mas, em 1995, tendo ganhado a Copa de 94 e sido eleito o melhor jogador do mundo, veio para o… Flamengo. Pronto! Perdeu o lugar no altar e até o seu sorriso foi motivo de ódio para o meu pai.

Mas, como cantou Renato Russo: “Quem um dia irá dizer que existe razão nas coisas feitas pelo coração?”

Quis o destino, os deuses do futebol ou uma escapada da concentração, que Romário saísse do Flamengo e fosse acolhido pelo seu clube de origem, o Vasco! Confesso que cheguei a pensar que dessa vez meu pai se manteria irredutível e não perdoaria aquela vil traição. Mas, logo pela manhã, depois da concretização da volta do Baixinho, meu pai me mostrou um jornal com uma foto enorme do Romário. “Olha o sorrisinho maroto dele!” E lá foi o Gênio da Grande Área ser entronizado de novo…

Esses dois casos ilustram de forma categórica o que um dia meu pai me disse: “Os jogadores terminam a carreira. O clube continua!” Pura e simples verdade. Neste momento, parece que escuto sua voz falando isso.

Ao escrever este texto, lembrei-me de outras “infidelidades futebolísticas”. No próprio Vasco, com Edmundo que jogou no Fla e no Flu. Edilson, do Palmeiras ao Corínthians. O corintiano Neto, jogando por São Paulo e Palmeiras, além do próprio Corínthians. Geraldão, que defendeu a dupla Grenal, além do já citado Tita. Reinaldo, ídolo do Galo, que chegou a jogar no Cruzeiro. E tantos outros, que partiram nossos corações apaixonados pelo futebol.

Na verdade, tanto para o amor quanto para o futebol, continua valendo o verso de Vinicius de Moraes no Soneto da Fidelidade: “Eu possa me dizer do amor (que tive): Que não seja imortal, posto que é chama. Mas que seja infinito enquanto dure.”

SELEÇÃO BRASILEIRA 6 X 1 COMBINADO VASCO E BOTAFOGO

por Paulo Roberto Melo

 

– 03/03/1977 – 

– AMISTOSO DE PREPARAÇÃO PARA A COPA DE 1978 –

– MARACANÃ –

  


O ANÚNCIO

 

 Domingo, nós vamos ao Maracanã!

A voz forte do meu pai era dirigida a mim e o anúncio carregava toda a alegria que ele sentia. Afinal, ele iria me levar pela primeira vez ao maior estádio de futebol do mundo! 

O ano era 1977 e eu tinha 10 anos. Pode parecer estranho, mas aos 10 anos, eu nunca havia visto um jogo no Maracanã. Até mesmo a chegada de Papai Noel, programa quase que obrigatório em dezembro, numa época em que as crianças realmente acreditavam nele e que lotava o Maracanã, só pude ir depois. 

Até hoje, fico pensando por que demorei tanto para ir ao Maracanã! Quando vejo pela TV, crianças com muito menos de 10 anos indo aos jogos, tenho a certeza de que de fato, os tempos são outros. 

Quando eu tinha 10 anos, o futebol era um entretenimento de adultos. Jovens eram permitidos, desde que estivessem acompanhados de adultos ou em grupo. 

E é bom frisar, que era um entretenimento para homens! As mulheres quando surgiam nas arquibancadas, eram saudadas com um singelo coro de “Piranha! Piranha!”. Cruel machismo dos estádios de futebol, vencido hoje em dia pela democratização e globalização do esporte bretão.

Voltando ao anúncio da minha ida ao Maracanã, não posso afirmar se houve alguma negociação entre meus pais, no sentido de me iniciar nos estádios de futebol. E explico a necessidade de uma negociação. 

Meus dois irmãos mais velhos, com 16 e 17 anos, já iam ao Maracanã com meu pai ou com amigos. Eu demoraria em alcançar tal liberdade.

A verdade é que minha mãe morria de medo de jogos no Maracanã. Havia escutado pelo rádio, ainda jovem, a derrota do Brasil na final da Copa de 1950 para o Uruguai em pleno Maracanã e, como todo brasileiro, chorado um choro sofrido pela perda de um título tão ganho.Talvez aquele choro tenha marcado minha mãe de uma forma que nem mesmo ela tinha consciência. Muitas vezes, os medos têm origem no imaginário, naquilo que nós mesmos criamos e não sabemos como lidar. 

E talvez, por isso, minha mãe tinha medo de tudo: Da sujeira do estádio, do tamanho dele, das possíveis brigas entre torcidas, enfim, tinha medo. Creio que tinha medo de me perder, como o Brasil havia perdido aquela Copa de forma tão inexplicável.

 

MEUS PAIS

 

É importante que eu explique o contexto futebolístico em que nasci. 

Meu pai, José Ferreira, português dos Açores, chegou ao Brasil em 1953, depois de longos três meses em um navio. Antes da chegada definitiva no Rio de Janeiro, aportou em São Paulo por três dias. Tempo suficiente para ir ao Pacaembu, ver o Palmeiras jogar. Daí, o carinho que nutria pelo alviverde do Parque Antártica. 

Mas quando chegou ao Rio de Janeiro, o sangue português gritou em suas veias e a paixão pelo Vasco tomou sua vida. Afinal, ainda era a época do Expresso da Vitória!

Quando eu era bem pequeno, ouvia algumas vezes os gritos de felicidade por cada gol do Vasco que meu pai escutava em seu rádio de pilha Spica. Meu pai faleceu em 2006, aos 79 anos, sem nunca ter voltado a sua terra. 

Hoje entendo a alegria de vê-lo cantar o trecho do hino do Vasco, que expressava que esse clube era bem mais do que uma agremiação de futebol e regatas. Para meu pai, o Vasco era a “união de Brasil/Portugal”.

Assim, meus irmãos e eu nascemos e crescemos em um lar vascaíno. Minha mãe, Maria da Glória, como filha de pais portugueses e casada com um português, navegou ao longo de sua vida pelos mares do clube do navegante português.

 

 

PREOCUPAÇÕES

 

O anúncio da minha ida ao Maracanã foi feito em uma quarta-feira. Desde então, ocupei minha mente com algumas preocupações que se transformaram em dúvidas: 

Qual seria o jogo? Meu pai me respondeu que seria a Seleção Brasileira contra um Combinado Vasco e Botafogo.


Juro que não entendi. Brasil contra Brasil?! Meu pai então me explicou que o jogo fazia parte da preparação da Seleção para a Copa do Mundo de 1978, que seria realizada na Argentina. E que a CBD (Confederação Brasileira de Desportos) havia decidido que a preparação seria contra Combinados de times brasileiros e seleções de estados.

A outra preocupação, era se conseguiria enxergar o campo. Essa preocupação tinha um motivo: Eu sou míope desde que me entendo por gente. Apesar de ter colocado pela primeira vez um óculos aos nove anos, portanto, um ano antes de ir ao Maracanã, a sensação que tenho é que sempre precisei deles para enxergar. E naquela época, mesmo usando óculos, parecia que continuava a não enxergar bem.

Assim, perguntei diversas vezes aos meus irmãos se da arquibancada enxergaria bem os jogadores no campo. Como morava no oitavo andar, queria saber se a distância da arquibancada para o campo era a mesma do prédio para a rua. Afinal, nessa distância eu conseguia ver as pessoas e distingui-las. Lembro-me com carinho do cuidado dos meus irmãos em tranquilizar-me, afirmando que a distância era menor e que eu veria os jogadores tranquilamente.

Creio que nos dias que antecederam o jogo, meu pai deve ter escutado umas quinhentas e dezenove recomendações da minha mãe no cuidado em relação a mim. Mas eu me sentia seguro. Ansioso, mas seguro. 

Essa, aliás, era uma particularidade no que diz respeito ao meu pai: Ele sempre me passou muita segurança! Dessa forma, era controlar a ansiedade e esperar o Domingo.

 

 

O MARACANÃ

 

Também preciso explicar a relação que a minha família tinha com o Maracanã. Já disse aqui sobre a minha mãe escutando pelo rádio a derrota do Brasil na Copa de 50 e chorando com a narração de Luiz Mendes. 

Ela dizia que o silêncio das arquibancadas era algo assustador e que o padrinho dela a consolava dizendo: “Minha filha, não chora! É só futebol!” Pois é, quando se tem um pouco de sensibilidade, entende-se que o futebol nunca é só futebol.

Em relação a mim, meus irmãos e meu pai, o Maracanã era um dos locais do nosso lazer. A distância do estádio para a nossa casa era de uns vinte minutos a pé e tanto a ida quanto a volta eram recheadas de resenhas pré e pós-jogo. 

Por conta disso, a relação afetiva que tínhamos com ele era muito forte. Determinadas lembranças, desses momentos em que íamos aos jogos, ficarão para sempre dentro de mim. 

Entrar pelo túnel que dava acesso às arquibancadas, vendo o campo surgir diante dos olhos era algo indescritível! O cheiro do gramado quando estávamos na Geral, dava uma sensação de proximidade incrível! Enfim, essas e outras lembranças ficaram definitivamente marcadas em mim.

Mas, vocês devem ter reparado que falo do Maracanã no passado, como se o estádio não existisse mais. Pois é, ele não existe mesmo! O estádio que está lá e que tem o mesmo nome, não é o local de lazer e emoções que aprendi a amar ao longo de 40 anos de futebol.

As últimas reformas que fizeram no estádio, seguindo as normas da FIFA, para a Copa do Mundo de 2014, descaracterizaram-no de vez. Praticamente colocaram abaixo o velho estádio e construíram um novo.

Essa construção, ainda se tornou um símbolo de um governo estadual corrupto, mergulhado em diversos escândalos financeiros. O orçamento estourou e o custo de milhões, transformou-se em bilhões.

É importante dizer que o Maracanã, antes de 2014, nunca teve uma grande reforma, mas sim, pequenas reformas, muitas delas maquiando o estádio.  


A sensação que eu tinha quando ia ver os jogos, era de que o Maracanã nunca havia ficado pronto desde 1950! Era comum, especialmente no túnel que dava acesso à Geral, ver entulhos de obras espalhados, dando a impressão de uma obra inacabada. 

Como escrevi acima, ao longo de todos esses anos, o Maracanã passou por diversas pequenas reformas. Elas tiveram como objetivo dar mais conforto e segurança a todos que iam ao estádio. E a cada pequena reforma, o estádio diminuía. 

Depois da última e definitiva reforma para a Copa de 2014, o estádio construído em 1950 para abrigar 200 mil pessoas, abriga agora cerca de 80 mil. Assim, o maior do mundo deixou de ser o maior do mundo…

Deixou de ser também um estádio para o povo. Os preços dos ingressos estão longe de serem acessíveis a uma camada da população. E creio que o fator determinante para isso, foi terem acabado com a Geral. O ingresso barato da Geral facilitava a ida ao Maracanã. Mas isso, eu falo mais pra frente.

Eu já fui ao estádio depois da reforma de 2014. Inegavelmente é um estádio mais limpo, mais seguro e mais bonito. Mas não consigo vê-lo como o Maracanã. É um estádio padrão FIFA, parecido ou igual a muitos estádios espalhados pelo mundo.

Na verdade, padronizar é uma tendência que atinge praticamente tudo relacionado ao futebol atualmente. Os estádios são padrão FIFA. O futebol é padrão europeu, com esquemas táticos cada vez mais mirabolantes e o torcedor, é padrão inglês. Bem vestidos e com dinheiro para aproveitar os shoppings e as praças de alimentação dentro de cada estádi

 

O JOGO

 

Confesso que foi um jogo meio estranho. Afinal, eu não sabia muito bem pra quem torcer! Se torcesse pela Seleção Brasileira, estaria torcendo contra o Vasco. Torcendo pelo Vasco, estaria contra a Seleção.

Quando perguntei para o meu pai qual seria a atitude certa em relação a minha torcida, ele me respondeu com a sabedoria e a simplicidade de sempre: “Hoje, tanto faz! O importante é vermos o jogo!”

Aprendi naquele dia, que no futebol, apesar de sermos levados sempre a torcer por algum time, determinados jogos são para apenas se ver! E foi isso o que fiz!

Vi uma Seleção Brasileira repleta de jogadores de times cariocas: Marco Antônio e Roberto Dinamite (Vasco), Carlos Alberto Torres e Zico (Flamengo), Edinho, Marinho Chagas, Rivelino e Pintinho (Fluminense), Gil, Nílson Dias e Paulo Cezar Caju (Botafogo).

E um Combinado Vasco e Botafogo, com alguns jogadores que tranquilamente poderiam estar na Seleção. Tais como Wendell, Zanatta, Dirceu e Manfrini. Nessa época, o futebol brasileiro ainda podia se dar ao luxo de ter pelo menos três seleções com jogadores de muita categoria.

Vi e vibrei com o primeiro gol do jogo, marcado por Roberto Dinamite pela Seleção Brasileira. Roberto Dinamite era meu ídolo vascaíno! E vi como o zagueiro vascaíno Geraldo, jogando pelo Combinado e famoso pelas violentas “botinadas” em diversos atacantes, poupava o Dinamite.

Tive o prazer de ver jogar pelo Combinado, um dos atacantes mais perigosos do futebol brasileiro: o Dé! Nesse momento da sua carreira, ele defendia o Botafogo, mas quando despertei para o futebol, um ano antes, ele era do Vasco.

E como jogava o Dé! Rápido, driblador e inteligente, Dé é uma figura antológica do futebol, especialmente o carioca. Suas passagens por Bangu, Vasco e Botafogo são recheadas de histórias deliciosas, construídas dentro e fora dos gramados.

Bem, o resultado final do jogo foi 6×1 para a Seleção Brasileira. E como meu pai havia me ensinado, o resultado era o menos importante.

Importante foi ter visto um monte de craques em campo. Na década de 70, montar uma Seleção Brasileira era realmente escolher os melhores jogadores do país. E com uma particularidade: Todos jogavam no país! Torcer para aqueles jogadores era o mesmo que torcer pelo seu clube, afinal, eles representavam o clube na Seleção! 

Importante foi ter iniciado, em um amor à primeira vista, uma relação com o futebol e com o maior Estádio do Mundo, o Maracanã!

SÓ AS MÃES DOS ÁRBITROS SÃO FELIZES

por Paulo Roberto Melo


Eu devia ter uns dez anos, mas lembro como se fosse hoje. Cheguei em casa do colégio e não conseguia disfarçar a tristeza. Minha mãe, sempre atenta, quis saber o motivo e eu despejei em cima dela a causa do meu sofrimento:

– Hoje, o Ricardo me chamou de FDP! E eu sei que esse xingamento não é só pra mim… (Pausa dramática para as lágrimas) Ele na verdade xingou você!

Minha mãe sorriu aliviada, pois talvez esperasse algo pior e me consolou:

– Meu filho, não tem problema! Vamos combinar assim: Você tem duas mães. Uma que sou eu e outra para esses meninos sem educação xingarem, está certo?

Concordei, embora confesse que sempre tive uma enorme dificuldade de separar as mães. Afinal, como saber se estavam xingando a que era para ser xingada ou a que era para ficar guardada?

Cresci e hoje, começando o mês de maio, dedicado às mães, penso que sem futebol, causado pela pandemia, só as mães dos árbitros são felizes! Penso que elas devem estar acompanhando as notícias sobre a possível volta do futebol, de uma forma diferente de todos nós que não carregamos este terrível fardo.

Afinal, imagine como elas devem se sentir, escutando aquele coro vindo das arquibancadas, captado pelos potentes microfones das transmissões? Será que algum deles telefona para a mãe, manifestando a mesma tristeza daquele garoto de dez anos?

Realmente não sei… O que sei é que essa ausência do futebol, combinada com uma quarentena cruel, está me fazendo ter saudade até dos árbitros!


Como não se lembrar do Daronco, que parece que a qualquer momento vai ensopapar quem discordar dealguma marcação? E o Ricardo Marques Ribeiro, que faz resenha com a própria sombra? Quem se esquece do Clauss e sua pose de galã de novela mexicana? E claro, lembramos todos do Heber Roberto Lopes, que parece ser um vilão saído de histórias em quadrinhos.

Quem foi um garoto de dez anos já há algum tempo como eu, há de se recordar de Armando Marques e sua elegância; do baixinho Agomar Martins, considerado o Rei dos Gre-Nais; de Sidrack Marinho e suas corridas para trás; de Arnaldo Cezar Coelho, tranquilo como comentarista e tranquilo com a bola nas mãos encerrando a Copa do Mundo de 1982; e Margarida, Luiz Carlos Félix, Cabelada, Wright, Romualdo e tantos outros.

Não há como negar, o nosso futebol é marcado pelos incontáveis craques e os times maravilhosos que desfilaram e desfilam pelos gramados deste país. Mas também é marcado pelos árbitros e suas folclóricas e polêmicas arbitragens. 

Neste mês de maio, sinto saudade da minha mãe que já partiu e abraço todas as mães que um dia consolaram seus filhos, sejam eles árbitros ou não