XÔ, BAIXO ASTRAL
entrevista: Sergio Pugliese | texto: André Mendonça | foto: Marcelo Tabach | vídeo: Simone Marinho | edição: Daniel Planel
De acordo com o dicionário, gênio é um espírito inspirador de uma arte, virtude ou vício; uma pessoa com um talento criativo fora do comum e uma grande capacidade mental. Para a torcida do Fluminense, no entanto, genialidade se resume a Gilson Wilson Francisco, o grande Gilson Gênio. O craque precisou de poucos jogos para infernizar os marcadores com sua velocidade e habilidade, cair nas graças da torcida tricolor e ganhar o apelido que virou quase sobrenome em sua carreira.
Após a indicação do parceiro Zé Roberto Padilha, ponta da Máquina Tricolor, a equipe do Museu da Pelada pegou a estrada e partiu para Itaguaí, município da Região Metropolitana do Rio de Janeiro, onde mora o Gênio das Laranjeiras. Além do capitão Sergio Pugliese, Simone Marinho, Marcelo Tabach e André Mendonça, levamos, de surpresa, nosso padrinho PC Caju, que viveu grandes momentos com o Gênio e foi essencial na sua adaptação na equipe profissional.
Ponta veloz, habilidoso e inteligente, Gilson é uma espécie de dinossauro do futebol. Exerceu com maestria a função em uma posição que está praticamente extinta nos dias atuais. Com um largo sorriso no rosto e uma bela camisa laranja do Fluminense, nos recebeu e ficou surpreso com a presença de PC Caju, seu grande ídolo e parceiro na Máquina Tricolor. Se não fosse o bastante, PC ainda levou uma carta escrita por Afonsinho para o Gênio das Laranjeiras.
– Que felicidade! PC é meu ídolo! Saía de Itaguaí para o Maracanã só pra o ver jogando no Maracanã pelo Botafogo! – confessor o tricolor.
Naquela época de torcedor, mal sabia Gilson que, alguns anos depois, seu ídolo se tornaria companheiro de equipe no Fluminense e seria peça fundamental na adaptação dos mais jovens na equipe profissional. Após conquistar a Copa de 70, no México, e atuar pelo Olympique de Marseille, na França, PC Caju chegou às Laranjeiras em 75 com status de ídolo, roupas estilosas e carro da última geração, o que despertava ainda mais a idolatria do Gênio e dos demais garotos.
– Eu era um cara muito brincalhão, fazia a maior festa no meu quarto nas concentrações e a garotada ficava sempre junto comigo! A geração que subiu junto com o Gilson era muito talentosa! – lembrou Caju.
Depois de confirmar a humildade de PC mesmo após ter sido campeão do mundo e ter atuado na Europa, Gilson revelou qual era o sentimento de atuar na mesma equipe que o craque:
– Ele jogava e a gente vibrava. Era um cara muito autêntico e a gente admirava isso. A reportagem da Europa vinha entrevistá-lo no clube e aquilo chamava a nossa atenção. – disse Gilson, enquanto a equipe do Museu assistia, praticamente sem piscar os olhos, àquela resenha histórica.
Na época que ainda não era conhecido como gênio, Gilson saía de Itaguaí, ao lado do irmão e também grande jogador Gilcimar, de fusquinha, para treinar nas Laranjeiras. Com vergonha dos carrões dos jogadores profissionais e já consolidados, o craque revelou que costumava parar fora do clube e ia andando até as Laranjeiras para não ser motivo de chacota na resenha.
O mesmo aconteceu quando foi receber a Bola de Ouro, prêmio concedido ao melhor jogador da categoria júnior do Brasil. Para ir até a sofisticada cerimônia, no Hotel Intercontinental, o jovem recorreu novamente ao fusquinha.
– Fui junto com um amigo e paramos muito longe! Imagina só, eu todo arrumado, de smoking, para uma cerimônia daquela, chegando de fusquinha! Tá doido? – contou para a gargalhada de todos.
Com a ajuda de PC Caju, Gilson Gênio logo se adaptou àquele elenco repleto de estrelas, que mais tarde seria chamado de “Máquina Tricolor”. Com tantos craques juntos, o garoto, na época, admirava do banco cada movimento de Rivellino, PC Caju, Carlos Alberto Torres, Pintinho e até mesmo de Dirceu, de quem era reserva imediato.
Em uma das primeiras oportunidades como titular, no duelo contra o Vasco, o baixinho Gilson Gênio deitou e rolou em cima da zaga liderada pelo xerife Abel Braga e a garotada tricolor aplicou uma sonora goleada no Maracanã. Um lance, no entanto, ficaria marcado pra sempre.
– Recebi um lançamento muito longo e deixei o Abelão chegar antes na bola, porque ele era muito mais forte e não tinha como eu disputar no corpo com ele. Ele estava protegendo a bola na linha de fundo e eu, baixinho, passei por baixo das pernas dele, e roubei a bola!
A atuação de gala e, especificamente o lance em cima de Abel, resultaram em uma grande faixa, com letras garrafais, esticada pela torcida tricolor na partida seguinte: GILSON GÊNIO. O apelido pegou e o craque até hoje é reconhecido dessa forma. A exibição contra o Vasco fez também Gilson virar a sombra de Dirceu, um ponta que não ia muito à linha de fundo e, por vezes, despertava a ira da torcida.
– Quando a galera começava a pedir para o técnico me colocar eu ficava com vergonha! – revelou.
Em 1979, após quatro anos disputando a titularidade com grandes craques na Máquina Tricolor e dois campeonatos estaduais conquistados, o Gênio decidiu que era a hora de buscar novos ares para se firmar de vez no cenário nacional e se transferiu para o Bahia. Logo assim que chegou, foi protagonista da conquista do Campeonato Baiano de 79, se tornando a estrela do time. Uma entrada criminosa, no entanto, arrebentou todos os seus ligamentos e o afastou dos gramados por um longo período.
Depois do Bahia, foi aplicar seus dribles no América-RJ, comandado pela fera Eduzinho Coimbra, onde também soltou o grito de campeão. Mas foi pela Inter de Limeira, em 1986, que o Gênio fez história e entrou de vez para o cenário nacional. Com grandes exibições, a Inter surpreendeu no torneio, bateu o Palmeiras na final e se tornou a primeira equipe do interior a conquistar o Campeonato Paulista.
Antes de se aposentar e virar treinador, jogou ainda no Santa Cruz e no Cerro Porteño, onde, segundo ele, foi o time em que mais apanhou durante toda a carreira.
Quando a resenha chegava ao fim, Pedro, o filho mais novo de Gilson, apareceu na sala e fez questão de demonstrar sua paixão por dinossauros. Além de mostrar toda a sua coleção dos répteis e dar uma verdadeira aula sobre os animais, o garoto de cinco anos cantarolou com uma talentosa voz a música que tinha acabado de escutar num filme:
– Faz muito tempo que os dinossauros não vivem mais (…) Os dinossauros não voltam mais… – cantava, sem parar, o garoto.
Tem coisas que só acontecem com o Museu da Pelada… Seguimos em busca da poesia perdida e dos “dinossauros” do futebol, na eterna esperança de que a espécie evolua!