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SILVA, O BATUTA

entrevista: Raísa Simplício | texto: André Mendonça | vídeo e edição: Daniel Planel | fotos: Marcelo Tabach

“Me sinto completamente à vontade aqui”. A frase é de Walter Machado da Silva, mais conhecido como Silva Batuta, um dos grandes jogadores brasileiros que brilharam na década de 60, e que trabalha há mais de 10 anos no departamento social do Flamengo. Junto com o parceiro Reyes de Sá Viana do Castelo e Raisa Simplício, nossa repórter por um dia, a equipe do Museu da Pelada passeou na sede do clube, conheceu seu local de trabalho e bateu um papo sensacional com o camisa 10 no gramado da Gávea.

Dessa vez, a arquibancada estava vazia e Silva Batuta não ouviu os gritos da torcida após a entrada do Flamengo em campo, em compensação foi poupado das vaias que o atormentaram quando o goleiro do Campo Grande defendeu o seu pênalti. Aquele golzinho seria importante para o Mengão continuar a caminhada rumo ao título do estadual de 1968. Em silêncio, sorriu. Claro, o final da história foi feliz: pouco tempo depois o lateral Paulo Henrique cruzou e, de cabeça, ele, sempre ele, marcou o gol da vitória. Que impulsão!!!! Após despertar do mergulho nas profundezas do túnel do tempo, encarou a equipe do Museu da Pelada e resumiu o turbilhão de amor que habita seu peito.

– Sou Flamengo até morrer.

Se antes coordenava os ataques de grandes times como São Paulo, Corinthians, Flamengo, Santos, Vasco, Racing-ARG e até Barcelona, com matadas no peito inconfundíveis, que levantavam as torcidas e seu inseparável cordão, Silva cuida hoje de todos os eventos no salão de festas da Gávea. Além do craque, outros familiares dele trabalham no clube, mas nenhum deles se aventurou no esporte que consagrou Batuta, talvez por medo das inevitáveis comparações e da pressão por manter o nome da família no alto escalão do futebol.

Embora a função dentro do clube seja diferente do passado, a eficiência e o comprometimento permanecem iguais, é o que garante Sandro Rilho, coordenador de eventos do Fla Gávea e quem divide a mesa com o ídolo rubro-negro. De acordo com ele, Batuta é sempre o primeiro a chegar.

– É uma honra muito grande trabalhar com ele. Aproveito cada segundo aqui, é um funcionário nota dez! – disse Rilhó, que costuma pagar o café e o pão de queijo de Batuta toda manhã, uma forma de agradecer por todas as alegrias proporcionadas pelo camisa 10.

Antes de brilhar com a camisa rubro-negra, no entanto, Silva surgiu como grande promessa do São Paulo, passou por Batatais e Botafogo-SP, até chegar ao Corinthians em 61. Apesar de não ter sido campeão pelo alvinegro, marcou quase cem gols e ajudou o Timão a chegar à final do Paulista de 62, quando foi derrotado pelo poderoso Santos.

Só depois de três anos de bom desempenho com a camisa do Corinthians, em 1965, o craque desembarcou no Rio de Janeiro e teve sua primeira passagem pelo Flamengo. Correspondendo às expectativas, foi campeão carioca no primeiro ano pelo clube e encerrou o jejum de títulos que havia acumulado em São Paulo.

Durante o papo pela sede do Fla, principalmente no gramado onde Silva atormentava os zagueiros, o camisa 10 não escondeu sua admiração pelo rubro-negro.

– O sonho de todo mundo é jogar no Flamengo. Foi uma passagem muito rica e fui muito feliz aqui!

Foi tão feliz e o desempenho foi tão acima da média que, além de ter se tornado o ídolo de Zico, recebeu uma oferta irrecusável do Barcelona, que tentava desesperadamente suprir a ausência de um brasileiro que havia feito história por lá: Evaristo de Macedo. A passagem pela Espanha talvez tenha sido o pior momento da carreira e Silva justificou:

– O Evaristo deixou um legado muito grande e a expectativa era enorme. Não consegui dar continuidade porque a Europa só permitia três estrangeiros por equipe e eu acabei sobrando.

Mesmo sem estar em grande fase, Batuta foi lembrado na desastrosa convocação para a Copa de 1966. A convocação para uma Copa do Mundo, sem dúvida, é um dos momentos mais marcantes na carreira de qualquer jogador, mas Batuta vê o episódio de uma forma diferente.

– Foi um momento conturbado por causa da ditadura. Não levou quem tinha que levar. Foi um desgosto na minha carreira porque sei que a gente podia ir muito longe – lamentou, revelando ainda que o grupo não tinha conhecimento do regulamento da competição, o que também prejudicou a seleção.

Depois do Barcelona, teve uma rápida passagem pelo Santos, mas só foi reencontrar a felicidade no Flamengo, onde foi recebido com muita festa pela torcida rubro-negra, em um dos momentos mais marcantes de sua carreira. No jogo de reestréia, em um Maracanã completamente lotado, com direito à bateria da Mangueira, os torcedores fizeram uma linda homenagem cantando uma música de Roberto Carlos que Batuta fez questão de relembrar:

– Eu voltei, agora pra ficar! Porque aqui, aqui é meu lugar! – cantou o craque no gramado da Gávea, arrepiando até o fotógrafo Marcelo Tabach, tricolor de carteirinha.

O Fluminense, aliás, é o maior carrasco de Silva, que garantiu nunca ter perdido para a equipe. Deve ter sido por isso, então, que Tabach “obrigou” o craque de 77 anos a subir os penosos degraus da arquibancada da Gávea para fazer uma sessão de fotos de tirar o chapéu.

– Vou ter que subir isso tudo? A idade é uma merda! Quando era jogador subia e descia essa arquibancada toda hora. Era o nosso treino físico! – reclamou Silva, que apesar da artrose no joelho mantém a forma com musculações diárias na academia.

Depois de dois anos honrando o “manto sagrado”, foi se aventurar no futebol argentino, no Racing, mas deixara seu nome eternizado na Gávea. Na Argentina, se tornou o primeiro brasileiro a ser artilheiro do campeonato nacional, façanha que ainda não foi repetida por nenhum dos nossos.

– Até hoje recebo o carinho e homenagem dos argentinos. Fiquei marcado na história do clube.

Quando retornou ao Brasil, para a surpresa de todos, vestiu a camisa do Vasco da Gama, o maior rival do clube em que se tornara ídolo. Sem deixar as provocações influenciarem dentro de campo, foi campeão carioca pelo cruzmaltino em 70, encerrando um jejum da equipe, de 12 anos sem título.

– Alguns falaram que eu ia manchar minha história no Flamengo. Jogar contra meu clube de coração foi complicado, mas o Vasco é um time grande, pagava meu salário em dia.

Mais de 20 anos depois, o Flamengo abriu as portas para Silva voltar a vestir a camisa rubro-negra, como coordenador de eventos, mostrando que sua história no clube estava longe de ter sido manchada.

Reyes, André, Sandro, Raísa, Silva, Sergio, Marcelo e Daniel