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O GIGANTE DOS DEDOS TORTOS

texto: Sergio Pugliese | fotos e vídeo: Daniel Planel

Escuto falar em Manga desde que sou criança, mas não as mangas que derrubei do pé com estilingadas certeiras, em Santa Teresa. Comia dezenas por dia, com bicho e tudo. “Aí está a vitamina”, afirmava Maria, saudosa Maria, que nos enchia de carinho, a mim e meu irmão, Bruno, quando minha mãe estava no trabalho. Goiaba com bicho, então, foram incontáveis. Mas esse outro Manga era algo inatingível e nem a potência de um estilingue moleque o alcançaria.

Sempre que escutava falar em Manga era como se tratasse de algo mítico, um chefe de estado, um rei, um personagem, um extraterrestre. Uma vez, cheguei ao Capri, campinho de futebol onde passei as horas mais fascinantes de minha vida, e me deparei com um goleiro gigante, de camisa cinza, com Manga escrito no peito. Havia matado aula e o Capri ficava nos fundos do Colégio Machado de Assis. Era um molequinho, escola primária, e perguntei a um amigo de turma se aquele era o Manga. Ele não soube responder, mas para mim era.

Naquele dia, Manga estava inspiradíssimo, defendeu bolas impossíveis, voou magistralmente, mas alguém gritou: “Boa, Romeu!”. Tudo bem, Romeu passou a ser meu ídolo e Manga continuou guardado no baú dos sonhos. Manga campeão no Botafogo, Manga campeão no Nacional, de Uruguai, Manga campeão no Inter, Coritiba, Grêmio, ídolo incontestável no Operário, de Mato Grosso. Cresci ouvindo esse nome, cria do Sport, de Recife, sendo idolatrado, suas histórias sendo lustradas e conquistas, reverenciadas.

Sem luvas, pegava com apenas uma das mãos as bombas disparadas pelo lateral Nelinho, João Saldanha tentou contê-lo a tiros, mas super-heróis são blindados. Manga jogou com dedos quebrados, cabeça rachada, recém-operado, Manga era indestrutível! O tempo não seria capaz de freá-lo.

Até que veio convite de PC Caju, outro monstro sagrado, para visitarmos Manga, no Retiro dos Artistas. Engoli seco, lembrei do Capri, de Santa Teresa e de Romeu com sua camisa cinza. Topei, claro, afinal não é todo dia que uma lenda, um ser imaginário, aceita recebê-lo. Esticou a mão para mim, “Prazer, Manga”. Mirei em seus dedos totalmente retorcidos, tomados por artroses e pelo devastador efeito do tempo. Olhei profundamente em seus olhos, Manga existia e estava ali, intacto, devastador, sublime.