quando o craque driblou o ditador
entrevista e texto: Paulo Escobar
Carlos Caszely foi, sem dúvidas, o jogador mais popular da história do futebol chileno. Quantas crianças nas décadas de 70 e 80 do século passado não sonharam em ser Caszely ou comemoraram os gols como ele?
Um dos aprendizados que levou desde muito cedo é que um atleta antes de ser jogador é uma pessoa. Sendo assim, conciliar o lado humano e jogar bem dentro de campo era algo habitual na vida dele. Caszely teve que sustentar suas posições e isso lhe custou muita coisa, mas nunca se arrependeu de estar ao lado dos oprimidos.
Carlos Caszely foi um dos maiores artilheiros do futebol latino, com 805 gols anotados, e seu começo foi no Colo-Colo do Chile, clube no qual foi apelidado de “Rei do metro quadrado”. Foram inúmeros gols deixando goleiros no chão e entrando com bola e tudo.
Geralmente, os jogadores com posições fora de campo que zelam por aqueles que mais sofrem, ou que com suas vozes geram polêmicas, não são bem vistos, pois as entidades do futebol prezam pelo silêncio e bons costumes. Para estes, suas ações fora de campo sempre se amplificam e ficam mais visíveis.
Caszely declarou sua posição politica de esquerda desde muito cedo e isto se deu por ver a situação das pessoas pobres de seu país e por acreditar que Allende poderia levar esperança às classes mais baixas. Por conta disso, Carlos não foi contratado pelo Real Madrid na década de 70 e acabou indo jogar no Levante. Depois de duas belas temporadas, foi comprado pelo Espanyol, chegando a jogar na seleção Catalã.
Uma das jogadas mais difíceis e mais arriscadas não foi feita dentro de um campo de futebol, mas sim do lado de fora, numa época de torturas e desaparecimentos de pessoas no Chile. Em 1973, o ditador Pinochet toma o poder e leva a cabo operações de tortura e massacres. Caszely não fica indiferente e foi justamente neste período que ele faz uma das jogadas mais difíceis.
Após a classificação da seleção chilena para a Copa de 1974, os jogadores que iriam disputar a competição na Alemanha deveriam ir saudar o ditador e foi nesta hora que Caszely deixa Pinochet de mão esticada, se negando a saudar o tirano. Era um gesto necessário para Carlos, pois ao caminhar nas ruas, reparava e sentia o que rolava do lado de fora dos estádios.
Esta jogada fora de campo atinge seu coração, pois quem sofreu a consequência deste ato foi sua mãe, Olga Garrido, que foi torturada e violentada. A pedido de sua mãe, Carlos somente trouxe à luz este fato em 1988, numa propaganda do “Não” que visava o voto contra Pinochet no plebiscito realizado a mando do mesmo para ver se continuava no poder até 1997.
Caszely fazia gols e alegrava o público, mas dentro de si trazia a dor de ter tido uma das pessoas mais amadas ser mutilada em seu íntimo. Não guardou rancor, pois a pedido de sua mãe lhe disse para não guardar mágoas.
As pessoas o saudavam nas ruas e agradeciam sua coragem, baixinho aos ouvidos sussurravam a felicidade, os mineiros lhe diziam que ele era a voz daqueles que sofriam. Caszely sofreu não convocações à seleção chilena. Ter levado o primeiro cartão vermelho da história do futebol lhe custou uma série de críticas, teve que jogar e driblar a vida dentro e fora dos gramados.
Sempre é mais cobrado aquele que se posiciona, aquele que não aceita as palavras de suas assessorias ou que sente a mesma realidade que a maioria dos seus torcedores mais desfavorecidos vivem. Um homem com tantos gols e de uma habilidade incrível, frio dentro da área e de um talento diferenciado fez o que poucos jogadores fazem, uma vida próximo à realidade e não foi indiferente ao sofrimento alheio.