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SELEÇÃO BRASILEIRA 6 X 1 COMBINADO VASCO E BOTAFOGO

18 / maio / 2020

por Paulo Roberto Melo

 

– 03/03/1977 – 

– AMISTOSO DE PREPARAÇÃO PARA A COPA DE 1978 –

– MARACANÃ –

  


O ANÚNCIO

 

 Domingo, nós vamos ao Maracanã!

A voz forte do meu pai era dirigida a mim e o anúncio carregava toda a alegria que ele sentia. Afinal, ele iria me levar pela primeira vez ao maior estádio de futebol do mundo! 

O ano era 1977 e eu tinha 10 anos. Pode parecer estranho, mas aos 10 anos, eu nunca havia visto um jogo no Maracanã. Até mesmo a chegada de Papai Noel, programa quase que obrigatório em dezembro, numa época em que as crianças realmente acreditavam nele e que lotava o Maracanã, só pude ir depois. 

Até hoje, fico pensando por que demorei tanto para ir ao Maracanã! Quando vejo pela TV, crianças com muito menos de 10 anos indo aos jogos, tenho a certeza de que de fato, os tempos são outros. 

Quando eu tinha 10 anos, o futebol era um entretenimento de adultos. Jovens eram permitidos, desde que estivessem acompanhados de adultos ou em grupo. 

E é bom frisar, que era um entretenimento para homens! As mulheres quando surgiam nas arquibancadas, eram saudadas com um singelo coro de “Piranha! Piranha!”. Cruel machismo dos estádios de futebol, vencido hoje em dia pela democratização e globalização do esporte bretão.

Voltando ao anúncio da minha ida ao Maracanã, não posso afirmar se houve alguma negociação entre meus pais, no sentido de me iniciar nos estádios de futebol. E explico a necessidade de uma negociação. 

Meus dois irmãos mais velhos, com 16 e 17 anos, já iam ao Maracanã com meu pai ou com amigos. Eu demoraria em alcançar tal liberdade.

A verdade é que minha mãe morria de medo de jogos no Maracanã. Havia escutado pelo rádio, ainda jovem, a derrota do Brasil na final da Copa de 1950 para o Uruguai em pleno Maracanã e, como todo brasileiro, chorado um choro sofrido pela perda de um título tão ganho.Talvez aquele choro tenha marcado minha mãe de uma forma que nem mesmo ela tinha consciência. Muitas vezes, os medos têm origem no imaginário, naquilo que nós mesmos criamos e não sabemos como lidar. 

E talvez, por isso, minha mãe tinha medo de tudo: Da sujeira do estádio, do tamanho dele, das possíveis brigas entre torcidas, enfim, tinha medo. Creio que tinha medo de me perder, como o Brasil havia perdido aquela Copa de forma tão inexplicável.

 

MEUS PAIS

 

É importante que eu explique o contexto futebolístico em que nasci. 

Meu pai, José Ferreira, português dos Açores, chegou ao Brasil em 1953, depois de longos três meses em um navio. Antes da chegada definitiva no Rio de Janeiro, aportou em São Paulo por três dias. Tempo suficiente para ir ao Pacaembu, ver o Palmeiras jogar. Daí, o carinho que nutria pelo alviverde do Parque Antártica. 

Mas quando chegou ao Rio de Janeiro, o sangue português gritou em suas veias e a paixão pelo Vasco tomou sua vida. Afinal, ainda era a época do Expresso da Vitória!

Quando eu era bem pequeno, ouvia algumas vezes os gritos de felicidade por cada gol do Vasco que meu pai escutava em seu rádio de pilha Spica. Meu pai faleceu em 2006, aos 79 anos, sem nunca ter voltado a sua terra. 

Hoje entendo a alegria de vê-lo cantar o trecho do hino do Vasco, que expressava que esse clube era bem mais do que uma agremiação de futebol e regatas. Para meu pai, o Vasco era a “união de Brasil/Portugal”.

Assim, meus irmãos e eu nascemos e crescemos em um lar vascaíno. Minha mãe, Maria da Glória, como filha de pais portugueses e casada com um português, navegou ao longo de sua vida pelos mares do clube do navegante português.

 

 

PREOCUPAÇÕES

 

O anúncio da minha ida ao Maracanã foi feito em uma quarta-feira. Desde então, ocupei minha mente com algumas preocupações que se transformaram em dúvidas: 

Qual seria o jogo? Meu pai me respondeu que seria a Seleção Brasileira contra um Combinado Vasco e Botafogo.


Juro que não entendi. Brasil contra Brasil?! Meu pai então me explicou que o jogo fazia parte da preparação da Seleção para a Copa do Mundo de 1978, que seria realizada na Argentina. E que a CBD (Confederação Brasileira de Desportos) havia decidido que a preparação seria contra Combinados de times brasileiros e seleções de estados.

A outra preocupação, era se conseguiria enxergar o campo. Essa preocupação tinha um motivo: Eu sou míope desde que me entendo por gente. Apesar de ter colocado pela primeira vez um óculos aos nove anos, portanto, um ano antes de ir ao Maracanã, a sensação que tenho é que sempre precisei deles para enxergar. E naquela época, mesmo usando óculos, parecia que continuava a não enxergar bem.

Assim, perguntei diversas vezes aos meus irmãos se da arquibancada enxergaria bem os jogadores no campo. Como morava no oitavo andar, queria saber se a distância da arquibancada para o campo era a mesma do prédio para a rua. Afinal, nessa distância eu conseguia ver as pessoas e distingui-las. Lembro-me com carinho do cuidado dos meus irmãos em tranquilizar-me, afirmando que a distância era menor e que eu veria os jogadores tranquilamente.

Creio que nos dias que antecederam o jogo, meu pai deve ter escutado umas quinhentas e dezenove recomendações da minha mãe no cuidado em relação a mim. Mas eu me sentia seguro. Ansioso, mas seguro. 

Essa, aliás, era uma particularidade no que diz respeito ao meu pai: Ele sempre me passou muita segurança! Dessa forma, era controlar a ansiedade e esperar o Domingo.

 

 

O MARACANÃ

 

Também preciso explicar a relação que a minha família tinha com o Maracanã. Já disse aqui sobre a minha mãe escutando pelo rádio a derrota do Brasil na Copa de 50 e chorando com a narração de Luiz Mendes. 

Ela dizia que o silêncio das arquibancadas era algo assustador e que o padrinho dela a consolava dizendo: “Minha filha, não chora! É só futebol!” Pois é, quando se tem um pouco de sensibilidade, entende-se que o futebol nunca é só futebol.

Em relação a mim, meus irmãos e meu pai, o Maracanã era um dos locais do nosso lazer. A distância do estádio para a nossa casa era de uns vinte minutos a pé e tanto a ida quanto a volta eram recheadas de resenhas pré e pós-jogo. 

Por conta disso, a relação afetiva que tínhamos com ele era muito forte. Determinadas lembranças, desses momentos em que íamos aos jogos, ficarão para sempre dentro de mim. 

Entrar pelo túnel que dava acesso às arquibancadas, vendo o campo surgir diante dos olhos era algo indescritível! O cheiro do gramado quando estávamos na Geral, dava uma sensação de proximidade incrível! Enfim, essas e outras lembranças ficaram definitivamente marcadas em mim.

Mas, vocês devem ter reparado que falo do Maracanã no passado, como se o estádio não existisse mais. Pois é, ele não existe mesmo! O estádio que está lá e que tem o mesmo nome, não é o local de lazer e emoções que aprendi a amar ao longo de 40 anos de futebol.

As últimas reformas que fizeram no estádio, seguindo as normas da FIFA, para a Copa do Mundo de 2014, descaracterizaram-no de vez. Praticamente colocaram abaixo o velho estádio e construíram um novo.

Essa construção, ainda se tornou um símbolo de um governo estadual corrupto, mergulhado em diversos escândalos financeiros. O orçamento estourou e o custo de milhões, transformou-se em bilhões.

É importante dizer que o Maracanã, antes de 2014, nunca teve uma grande reforma, mas sim, pequenas reformas, muitas delas maquiando o estádio.  


A sensação que eu tinha quando ia ver os jogos, era de que o Maracanã nunca havia ficado pronto desde 1950! Era comum, especialmente no túnel que dava acesso à Geral, ver entulhos de obras espalhados, dando a impressão de uma obra inacabada. 

Como escrevi acima, ao longo de todos esses anos, o Maracanã passou por diversas pequenas reformas. Elas tiveram como objetivo dar mais conforto e segurança a todos que iam ao estádio. E a cada pequena reforma, o estádio diminuía. 

Depois da última e definitiva reforma para a Copa de 2014, o estádio construído em 1950 para abrigar 200 mil pessoas, abriga agora cerca de 80 mil. Assim, o maior do mundo deixou de ser o maior do mundo…

Deixou de ser também um estádio para o povo. Os preços dos ingressos estão longe de serem acessíveis a uma camada da população. E creio que o fator determinante para isso, foi terem acabado com a Geral. O ingresso barato da Geral facilitava a ida ao Maracanã. Mas isso, eu falo mais pra frente.

Eu já fui ao estádio depois da reforma de 2014. Inegavelmente é um estádio mais limpo, mais seguro e mais bonito. Mas não consigo vê-lo como o Maracanã. É um estádio padrão FIFA, parecido ou igual a muitos estádios espalhados pelo mundo.

Na verdade, padronizar é uma tendência que atinge praticamente tudo relacionado ao futebol atualmente. Os estádios são padrão FIFA. O futebol é padrão europeu, com esquemas táticos cada vez mais mirabolantes e o torcedor, é padrão inglês. Bem vestidos e com dinheiro para aproveitar os shoppings e as praças de alimentação dentro de cada estádi

 

O JOGO

 

Confesso que foi um jogo meio estranho. Afinal, eu não sabia muito bem pra quem torcer! Se torcesse pela Seleção Brasileira, estaria torcendo contra o Vasco. Torcendo pelo Vasco, estaria contra a Seleção.

Quando perguntei para o meu pai qual seria a atitude certa em relação a minha torcida, ele me respondeu com a sabedoria e a simplicidade de sempre: “Hoje, tanto faz! O importante é vermos o jogo!”

Aprendi naquele dia, que no futebol, apesar de sermos levados sempre a torcer por algum time, determinados jogos são para apenas se ver! E foi isso o que fiz!

Vi uma Seleção Brasileira repleta de jogadores de times cariocas: Marco Antônio e Roberto Dinamite (Vasco), Carlos Alberto Torres e Zico (Flamengo), Edinho, Marinho Chagas, Rivelino e Pintinho (Fluminense), Gil, Nílson Dias e Paulo Cezar Caju (Botafogo).

E um Combinado Vasco e Botafogo, com alguns jogadores que tranquilamente poderiam estar na Seleção. Tais como Wendell, Zanatta, Dirceu e Manfrini. Nessa época, o futebol brasileiro ainda podia se dar ao luxo de ter pelo menos três seleções com jogadores de muita categoria.

Vi e vibrei com o primeiro gol do jogo, marcado por Roberto Dinamite pela Seleção Brasileira. Roberto Dinamite era meu ídolo vascaíno! E vi como o zagueiro vascaíno Geraldo, jogando pelo Combinado e famoso pelas violentas “botinadas” em diversos atacantes, poupava o Dinamite.

Tive o prazer de ver jogar pelo Combinado, um dos atacantes mais perigosos do futebol brasileiro: o Dé! Nesse momento da sua carreira, ele defendia o Botafogo, mas quando despertei para o futebol, um ano antes, ele era do Vasco.

E como jogava o Dé! Rápido, driblador e inteligente, Dé é uma figura antológica do futebol, especialmente o carioca. Suas passagens por Bangu, Vasco e Botafogo são recheadas de histórias deliciosas, construídas dentro e fora dos gramados.

Bem, o resultado final do jogo foi 6×1 para a Seleção Brasileira. E como meu pai havia me ensinado, o resultado era o menos importante.

Importante foi ter visto um monte de craques em campo. Na década de 70, montar uma Seleção Brasileira era realmente escolher os melhores jogadores do país. E com uma particularidade: Todos jogavam no país! Torcer para aqueles jogadores era o mesmo que torcer pelo seu clube, afinal, eles representavam o clube na Seleção! 

Importante foi ter iniciado, em um amor à primeira vista, uma relação com o futebol e com o maior Estádio do Mundo, o Maracanã!

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