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CONFISSÕES DE UM ROSEMIRO

por Zé Roberto Padilha

Era uma vez um lateral-direito que corria mais que o vento. E mais que o Apodi. Pernas finas, nariz grande e um caminho cheio de dificuldades certamente percorreu até alcançar o Palmeiras. Mais ainda, até chegar à seleção brasileira.

Naquela ocasião, o Santa Cruz, treinado por Evaristo de Macedo, tinha Nunes começando e Luiz Fumanchú fechando o ataque ao lado de uma lenda chamada Betinho. Fomos ao Pacaembu disputar uma vaga nas semifinais do Campeonato Brasileiro de 1978.

Recordista no teste de Cooper, coube a mim a dura missão de anular Rosemiro. Evaristo, implacável e irônico, não me poupou na preleção:

– Vamos ganhar se vocês dois não jogarem. Você não joga nada mesmo, e ele joga muito!

Colei no Rosemiro. Até para beber água fui atrás dele. Nunes abriu o placar, e o lateral começou a se irritar comigo.

– Vai se fu…!”, esbravejou.

Apertei ainda mais a marcação. Toninho ficou sem assistências, e Fumanchú ampliou.

Foi então que a Mancha Verde, inconformada, passou a me ajudar na provocação:

– Rosemiro, Rosemiro, vai tomar no…!

No segundo tempo, ele perdeu a paciência e entrou duro em mim. A frustração tomava conta de todos que acreditavam na classificação do Palmeiras. E, num contra-ataque, Luiz Fumanchú decretou nossa vitória.

Os olhos de Rosemiro irradiavam raiva, ira, desejo de vingança — não necessariamente nessa ordem. Quando o jogo acabou, fui até ele:

– Desculpe, mas o Evaristo sempre pede para eu colar no melhor do time!

Seu ego, então, foi massageado, e o ódio deu lugar à vaidade. Ele devolveu, ou pensou — já faz tanto tempo:

– Ele, Evaristo de Macedo, a lenda, disse mesmo que eu sou o melhor do time?

Derrotei sua tarde em campo, mas amenizei suas dores nos recuerdos da noite, que, na derrota, varam a madrugada. Às vezes, uma massagem na autoestima supera a frustração de perder, ainda mais em casa, a chance de ficar entre os quatro semifinalistas.

E quase todo o Mundão do Arruda foi ao aeroporto dos Guararapes nos esperar. Que festa! Até Jarbas Vasconcelos, do MDB, e Cid Sampaio, da Arena, foram buscar votos para governador. Afinal, vivíamos o bipartidarismo.

Naquele ano, se houvesse urnas no Pacaembu, Rosemiro não ganharia nem mesmo para vereador.

CADÊ OS ‘ZICOS’?

por Marcos Vinicius Cabral

Busquei um motivo para escrever sobre o Zico. Não encontrei. Me senti como os marcadores implacáveis que davam bote no camisa 10 rubro-negro e não encontravam nada. Mas me fiz uma pergunta que está vagando por resposta em meu inconsciente: cadê os ‘Zicos’ do futebol brasileiro?

Zico reunia magistralidade, magnificência e pluralidade. Era o jogador que todo menino na infância queria ser. Inclusive eu, em parte da vida!

Singular, Zico quis ser apenas mais um. Acabou sendo muitos em um. Arco e flecha, razão e emoção. Nos gramados da vida, principalmente no baldio Maracanã, o camisa 10 era diferentes tipos de combustão: a completa, a incompleta, a espontânea e a explosão. Explosão esta perdida em 1985, naquele taciturno 29 de agosto, no Estádio Mário Filho.

“Eu sofri muito”, defendeu-se Márcio Nunes, o culpado por ‘assassinar’ o joelho de Zico. Conversa. Zico sofreu no corpo. Nós, torcedores, na alma!

Não há como questionar o profissionalismo com que Zico tratou o assunto e conduziu a carreira até sair de cena. O pecado adâmico do senhor Arthur Antunes Coimbra foi exatamente esse: deixar 40 milhões de rubro-negros órfãos e em um pesar profundo.

Falo de um enlutamento que vai atravessar séculos e atingir gerações que não tiveram a oportunidade de vê-lo em campo.

Que os digam Vítor e Arthur – este último batizado por causa do ídolo do Flamengo -, dois dos meus sobrinhos que não tiveram o privilégio de assistir um jogador de verdade praticando futebol.

E decidindo partidas. E batendo faltas, lançando, cabeceando e dominando uma bola de futebol com a maestria que apenas os gênios têm.

Em campo, Zico era simples e objetivo. Mas ter simplicidade e objetividade no esporte em que poucos conseguem ser facho de luz no meio de uma escuridão de cabeças de bagre, Zico permanece no inconsciente dos que se aproximam dos 50 anos de idade. Faço 51 daqui a 21 dias.

Todavia, escrever sobre Zico, maior jogador do Clube de Regatas do Flamengo, autor de 334 gols no Maracanã, campeão do mundo, da Libertadores e tetracampeão brasileiro, arrepia.

Arrepia para quem era um menino pobre, que viveu uma infância muito difícil na Região Serrana de Nova Friburgo e se transformou com muito esforço em um esforçado jornalista.

Jornalista que sempre a trabalho volta a ser criança quando está na presença dele, do Zico, do Galo, do Galinho, do maior camisa 10 rubro-negro da história.

Ah, Zico, tem coisas que só você e mais ninguém consegue fazer.

Obrigado, por você existir.

O MONGE ALVINEGRO

por Renato Girão

Ele sempre achou muita coincidência se chamar Manoel Francisco dos Santos. Mas sabia que, diante da simplicidade dos nomes e da sua vida, tudo lhe era possível.

Além do sacerdócio de ser monge, que para ele era natural, também tinha predileções pelos cantos dos pássaros, principalmente o do rouxinol, que, no seu eterno amor, também era o canto do Troglodytes musculus, a cambaxirra, também conhecido como Garrincha.

Assim, com pernas tortas e vida regrada ao extremo, mas sempre transbordando amor no coração, Manoel despertou naquele 30/11/24. Fez sua meditação matinal, cuidou da orgânica horta que também era de todos os seus companheiros monges, mas deixou para cantar os seus cantos gregorianos após a decisiva partida do seu amado time, que lhe botava fogo no coração a ponto de ferver.

Assim que se postou em frente à TV, viu uma cena para lá de dantesca. “Logo com ele?”, pensou aflito. “Justo o Gregore?” Olhou para os céus e clamou: “Será o Benedito?”

Será que deveria ter cantado antes os inebriantes cantos gregorianos? Mas pensou: enquanto o adversário tem um herói verde forjado de nome Hulk, temos um Jesus lá na frente para, de costas ou de frente, segurar o ímpeto dos galos que, sozinhos, não tecem uma manhã, como bem disse o saudoso poeta.

Pensou também que há, coincidentemente, uma muralha financeira e uma muralha entre as traves, ambos de nome John. Então, vamos adiante! Será um ferimento leve, até pelo fato de eles serem os favoritos. E isto não se muda da água para o vinho.

Mas eis que, diante daquele verdadeiro sacro ofício, surge um gol de uma bola ricocheteada, que sobra magistralmente para um negro que traz o sete nas costas: LH7. Olhou para si e se lembrou de sua história de vida, do nome que carrega. Respirou fundo e pensou: “É hoje!”

Mais tarde, novamente o tal LH7 perseverou e achou um pênalti. Foi para a cobrança Alex Telles, com o número 13 às costas, fazendo a sua partida de número 13 e convertendo o seu primeiro gol com esta gloriosa camisa. Era o arco dos Telles, o arco da promessa.

Terminado o primeiro tempo, pôde tentar se recuperar daquele turbilhão de sentimentos. No início da segunda via-sacra, tomaram um gol de um chileno chamado Vargas. Mas esta era uma era há muito que se dissipara. Houve muita pressão e abnegação dos solitários estrelados e, no fim, puseram o dínamo de um número incerto de cavalos: o artilheiro que só lhe faltava o décimo mandamento, Júnior de todos os Santos.

Como o seu sobrenome também era Santos, estava coroado o ciclo. Extravasou-se o quanto pôde, mas logo veio-lhe a paz, aquela celestial. Ainda deve para si e para o mundo, principalmente ao alvinegro, aquele auspicioso canto gregoriano. Um canto de glória.

A Canção do Coração Alvinegro

por Alexandre Sá

Carlito Rocha, Biriba, Carvalho Leite, Heleno de Freitas, Geninho, Tio Gaspar, Major, Garrincha, Didi, Nílton Santos, Zagallo, Quarentinha, Valtencir, Vinícius de Moraes, Beth Carvalho e tantos outros alvinegros ilustres que estão lá em cima!

Pelos que já se foram, pelos que estão aqui, pelos que virão.

Só a torcida alvinegra sabe o que é torcer, sofrer, resistir e seguir em frente. Resistir e morder!

Não é o quanto se bate, mas o quanto se apanha e ainda assim se vai em frente. E ninguém bate mais duro que a vida.

O botafoguense é, acima de tudo, um forte. Um obstinado. Quando é escolhido, ele é forjado no fogo. Ele ouve o chamado e não hesita — segue em frente.

Ele torce, sofre, rasga o coração e transborda a alma de paixão. Na hora da felicidade, ele se lembra de onde veio e explode em alegria, cantando uma canção que o mundo inteiro escuta: a Canção do Coração Alvinegro.

Que se calem os críticos mal-intencionados. O Botafogo NUNCA se renderá!

Parabéns, Campeões da América!

HOMENAGEM AOS BOTAFOGUENSES E AO MEU PAI

por Bismarck Faria

“Sou Bismarck Barreto Faria, tenho 55 anos, um ex-jogador profissional do Clube de Regatas Vasco da Gama. Apaixonado pelo meu Vasco e filho de seu Faria de São Gonçalo.

No sábado, 30 de novembro, quando acabou o jogo do Botafogo pela Libertadores, a primeira pessoa que me veio à mente, por incrível que pareça, não foi nenhum dos muitos amigos botafoguenses que tenho. Mas sim o cara mais bacana, mais especial e mais amoroso que eu conheci na vida: meu pai, falecido há três anos e cinco meses.

Acho que no fundo, meu pai que era muito Vasco, tinha a Cruz de Malta no coração e na alma, nutria um respeito e admiração ímpares pelo Botafogo.

Acredito eu, que muito por causa da época do time Glorioso que ele viu jogar tantas e tantas e tantas vezes com Manga, Nilton Santos, Didi, Garrincha, Zagallo, Jairzinho, Gérson e Mendonça, esse último, inclusive, eu vi jogar.

Pela Fogonçalo, papai levava eu e meu irmão James em vários jogos do Botafogo. As partidas eram contra o Flamengo, no final da década de 70 e início da de 80.

Sabe, não entendia muito bem porque meu pai, muito vascaíno, nos levava em jogos de um time que não era o nosso de coração. Mas era legal aquelas aventuras futebolística e nós, no fundo, adorávamos, pois era sempre muito especial ir ao Maracanã.

Poucas não foram as vezes em que vi Mendonça jogar. Batendo bola em um campinho perto de casa em São Gonçalo, dizia sempre para meu pai que um dia seria igual ao Mendonça. Eu era uma criança de 10 anos e com essa idade a gente quer ser tudo. Mas o Mendonça, convenhamos, era diferenciado.

Mendonça era craque. A cabeça pensante. O cérebro de um time que contava com Paulo Sérgio, Rocha, Perivaldo, Jerson, com J, Gaúcho e Ademir Lobo. Foi esse Botafogo que perdeu injustamente a semifinal contra o São Paulo, no Morumbi, em 1981, por 3 a 2.

Apaixonante, o futebol é, ao mesmo tempo, injusto. Mas no sábado passado, quando acordei estava com a sensação como se o Vasco fosse jogar a final contra o Atlético Mineiro. Não sei explicar, mas havia em mim uma misto de euforia e preocupação.

Todavia, não entendi muito bem, mas acho que é porque gostaria que meu pai, se estivesse vivo e com 88 anos, pudesse ver o Botafogo em uma final de Libertadores depois de tantos títulos, jogos e campeonatos perdidos.

Imediatamente, lembrei da célebre frase: ‘Coisas que só acontecem com o Botafogo’. Somos pequenos demais para compreender os mistérios da vida, porém, acho que meu pai estaria feliz pelo Botafogo e pelos tantos amigos dele que eram botafoguenses.

No momento do hino nacional, ali, jogadores dos dois times perfilados no gramado do Monumental de Núñez, vi o que para muitos seria sinal de fraqueza, para mim foi um sinal de comprometimento e responsabilidade perante o jogo que tornaria-se os 90 minutos mais importantes do século na história do Botafogo.

Quando notei o capitão Marlon Freitas chorando (esse jogador foi um monstro nessa final), me fez pensar quando eu ainda era jogador profissional. Sim, pois eu chorava de emoção e comprometimento em um jogo de final de campeonato, muito em razão não do medo do jogo e sim em sair de campo derrotado.

Quando Gregore foi expulso, aos 40 segundos de jogo, meu inconsciente falou: ‘Coisas que só acontecem com o Botafogo’.

Confesso que a expulsão de um atleta importante taticamente me preocupou muito. Até porque, em uma final, já é difícil enfrentar um adversário qualificado como o Atlético Mineiro em condições iguais, imagina com um jogador a menos?

Em um primeiro momento, o treinador alvinegro pensou em colocar um volante no lugar de um atacante. Era a mexida mais acertada a ser feita.

Mas quem tirar?

Luiz Henrique, voando? Almada, o cérebro do time? Savarino, jogador incansável? Ou Igor Jesus, atacante que consegue segurar até três zagueiros?

No momento difícil é que o grande treinador aparece. Artur Jorge deixou Danilo aquecendo e esperou para ver como o time iria reagir. Em seguida, ele puxou o Marlon Freitas para fechar a defesa como terceiro zagueiro e fez uma linha de seis.

O time ganhou solidez. Foi equilibrando a partida. Ao final do primeiro tempo, o placar já estava 2 a 0.

No segundo tempo, ao tomar o gol de Vargas, pensei novamente: ‘Coisas que só acontecem com o Botafogo’.

Tomar um gol no início do segundo tempo, você pensa: ‘Serão os 45 minutos mais longos da história de clube’. No entanto, o Botafogo suportou e aos 30 minutos novamente o treinador aparece colocando dois atacantes agudos na frente e não dois volantes para tentar segurar o jogo. Foi ousado.

O técnico conhece a matéria-prima que tem nas mãos. Não à toa, acabou sendo coroado com o gol do jogador mais importante do primeiro semestre do clube quando faltava 30 segundos para acabar o jogo.

Certamente, os deuses do futebol não poderiam deixar de fora Júnior Santos nesse capítulo. Foi um drama tão bem escrito que deixaria até Nelson Rodrigues com inveja.

Entre lembranças e saudosismo, acordei hoje com saudades do meu pai. Segurei minhas lágrimas ao ir comprar pão pela manhã. Esbocei um sorriso puro e sincero ao notar tantas crianças, jovens e adultos com a camisa do Botafogo.

Os títulos perpetuam esse amor alvinegro. É um sentimento que transcende a alma e passa de avós para os pais e dos pais para os filhos.

Que o meu Vasco possa ser inspirar neste Botafogo que ressurgiu e que poucos acreditavam. E faça do trecho do hino do atual campeão da Libertadores que diz: ‘Botafogo, Botafogo não podes perder, perder para ninguém’, uma lei em São Januário.

Parabenizo a todos os meus amigos botafoguenses e a toda torcida do Botafogo espalhada no Rio de Janeiro, no Brasil e no mundo.

E a seu Faria – que está no céu festejando junto com os jogadores botafoguenses do passado que ele tanto assistiu no Maracanã – esse título também é seu”.