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pérola da colina

entrevista: Sergio Pugliese | texto: André Felipe de Lima | fotos e vídeo: Daniel Planel 

O menino Bismarck Barreto Faria chegou a São Januário aos oito anos de idade. Desde pequeno, foi uma referência no futebol de salão e em todas as divisões de base por que passou no Vasco da Gama.

A rigidez dos preceitos religiosos da família ajudava a moldá-lo – e porque não? – protegê-lo desde cedo em um ambiente tão competitivo como o futebol. “Comecei a frequentar a Igreja Católica. aos dez anos. Minha irmã entrou para a Igreja Batista e me chamou.”

Essa foi a receita para que o menino-prodígio vascaíno, famoso também pelo indefectível aparelho de correção dentária que ostentava, desse certo no futebol.

Entre as décadas de 1980 e 1990, Bismarck foi um dos maiores ídolos da torcida cruz-maltina e um dos jogadores mais brilhantes já formados nas bases do clube, que sonhara ser como Roberto Dinamite ou Zico, ídolos de infância.

Mas nem tudo foram flores na relação do ídolo com a diretoria do clube. Em 1990, o já consagrado meio-campo Bismarck, que esteve com a Seleção Brasileira na Copa do Mundo da Itália, ficou cinco meses sem contrato e teve rejeitadas pelos cartolas vascaínos duas propostas de contratos milionários com o clube alemão Bayer Leverkusen. Roberto Dinamite foi peremptório após vê-lo brilhar entre os profissionais, em 1988: “O Vasco da Gama já tem meu sucessor natural. Chama-se Bismarck.”


Filho de Jacynir, um subtenente reformado da Polícia Militar, e da dona de casa Izaema, Bismarck cresceu nos bairros do Rocha e do Galo Branco, em São Gonçalo, cidade fluminense onde nasceu no dia 11 de setembro de 1969. É o filho caçula do casal, que também teve Aída e James. Foi aluno do Externato Pericá e do Instituto de Educação de São Gonçalo.

Os primeiros passos com a bola foram no quintal da residência dos pais e na sala da própria casa, na qual o pai fazia das cadeiras a baliza e treinava Bismarck. Dali, com oito anos, testaram o garoto no futebol de salão do Clube Embaixadores, no bairro Camarão, também em São Gonçalo, e na famosa escola de futebol de salão comandada por Casemiro Correia Araújo, o “Miroca”, também descobridor – anos depois de lançar Bismarck – de craques como Edmundo e Ibson.

Não tardaria para que o pai, um comovente vascaíno – ao contrário do filho, torcedor do Flamengo que aprenderia a amar o Vasco da Gama —, levasse-o, meses depois, durante a Copa do Mundo de 1978, para o cruz-maltino, inscrevendo-o no futebol de salão do clube.

O gramado é, contudo, sonho de pelo menos nove entre dez meninos. E assim Bismarck, já com 13 anos, trocou a pequena bola pesada da quadra pela bola de campo. Imaginava como seria defender um time no gramado do Maracanã, uma emoção indescritível que cabe no sonho de qualquer menino.

Bismarck nunca esquecera aquela tarde de 2 de julho de 1978, quando, pela primeira vez, o pai o levou ao Maracanã para assistir a um clássico entre Flamengo e Botafogo. O jogo terminou 1 a 1 e o garoto não viu o ídolo Zico em campo, pois o craque servia à Seleção Brasileira na Copa do Mundo, na Argentina. Bismarck imaginava-se o Zico, ídolo do seu time de coração. Mas este mesmo coração atenderia a outro apelo… outras cores, o preto e o branco. OVasco da Gama perderia, por pouco tempo, sua joia rara.

Em 1981, o jovem craque deixou São Januário. Queria muito jogar futebol de campo. No ano seguinte, foi ao Botafogo, fez um treino espantoso, jogou uma barbaridade, mas, sabe-se lá o porquê, não retornou ao Alvinegro. Procurou o Flamengo, talvez ainda pela pequena centelha clubística acesa em seu coração. Mas o porteiro do clube da Gávea veio com um papo de que ele deveria pagar uma taxa e mensalidade para jogar. Em dezembro, o Vasco da Gama concedeu uma oportunidade no time B infantil.

Com o passar dos anos, Bismarck foi virando casaca, para a felicidade do pai. Sua estrela brilhava intensamente nas divisões de base do clube de São Januário. Para reforçar a capacidade técnica, o pai o incentivava com uma mesada mais gorda, caso batesse mais com a canhota. Deu certo.


Em 1983, pelo time infantil, o garoto ambidestro marcou nove gols em 17 jogos. No ano seguinte, também pelo infantil, fez 27 em 41 pelejas. Em 1985, foram 36 em 53 jogos, agora pelo time juvenil. Em 1986, foi campeão carioca da categoria e artilheiro da competição, balançando a rede 16 vezes em 26 partidas. No ano seguinte, seu único como júnior, assinalou 20 gols em 33 jogos.

Com toda esta projeção nas bases vascaínas, Bismarck foi pinçado pelo técnico Antônio Lopes para o time profissional, em meados de 1987. Mas Bismarck quase teve a carreira prematuramente abreviada no ano anterior, exatamente no dia 13 de maio de 1986, quando, durante um jogo da Seleção Brasileira de infantis contra a Inglaterra, realizado na China, prendeu o pé em um buraco, rompendo os ligamentos do tornozelo direito e sofrendo uma fratura exposta do perônio logo após assinalar o gol da vitória de 2 a 1 do Escrete Nacional, que acabou campeão da Copa TDK.

Viajou três dias, de aeroporto em aeroporto, até ser submetido a uma cirurgia no Brasil, que o deixou seis meses de cama e com parafusos na perna. Como ainda era muito jovem e tinha uma saúde de ferro, a recuperação foi completa e Bismarck pôde continuar sua jornada feliz até chegar ao time principal em 1988, com a saudável definição de grande promessa de craque do futebol brasileiro.

Foi titular das seleções brasileiras de todas as categorias. Fez parte do time bicampeão carioca em 1988, quando ainda servia ao serviço militar e cursava o segundo período de educação física na FaculdadeAsoec, em São Gonçalo.

Mas a primeira emoção entre os profissionais foi a conquista da Taça Rio de Janeiro daquele ano. Em campo, Vasco da Gama e Fluminense disputaram um jogo acirrado, com Tato marcando para o Tricolor na primeira etapa, após um gol mal anulado do Vasco da Gama, assinalado pelo zagueiro Fernando em complemento a uma jogada magistral de Romário, que passou por meio time adversário.

Na segunda etapa, o Vasco da Gama partiu para cima do Flu, sempre com jogadas perigosas pela direita, com os certeiros cruzamentos do lateral Paulo Roberto. Mas faltava ao Vasco da Gama mais criação na meia-cancha. O treinador vascaíno Sebastião Lazaroni decidiu, aos 35 minutos, trocar o meia William pela jovem promessa de craque: Bismarck.

Dali em diante, o Vasco da Gama se acertou em campo, empatou o jogo com um gol de Vivinho e, aos 39 minutos, Bismarck tabelou com Romário e marcou o gol do título. “Acompanhei o lance desde o momento em que Romário partiu com a bola dominada. Para falar a verdade, quando a bola sobrou, chutei sem olhar.”

Após a memorável conquista, Bismarck foi direto para casa, em São Gonçalo, trancou-se no quarto e agradeceu a Deus por aquela que seria a primeira de grandes conquistas que teria ao longo da carreira. No dia seguinte ao título, participou de um churrasco no sítio Refúgio do Juriti, na Várzea das Moças, em Niterói, que reuniu outros jogadores do chamado movimento “Atletas de Cristo”.

Na festa – digamos – cristã do Vasco da Gama não havia espaço para rivalidades. No churrasco do Bismarck, lá estavam o lateral Jorginho (do Flamengo), Donato e Fernando (do Vasco da Gama) e Ronaldo (do Botafogo).


Dias depois, a vítima seria o Flamengo, o primeiro jogo da finalíssima do Campeonato Carioca, no dia 19 de junho de 1988. O Vasco da Gama começou atrás no placar, mas novamente Bismarck – agora com a camisa 10 do ídolo Roberto Dinamite – explodiu no segundo tempo. Recebeu um passe pelo lado esquerdo, foi bailando na defesa rubro-negra até cortar para o meio, deixar o zagueiro Edinho para trás e chutar no canto esquerdo do goleiro Zé Carlos. Um golaço! No final, vitória do Vasco da Gama pelo placar de 2 a 1. Estava aberto o caminho para o título vascaíno, que três dias depois derrotaria novamente o Flamengo, com o antológico e inesquecível gol do lateral Cocada.

Àquela altura, Bismarck já era ídolo… mas tão ídolo que o filho do porteiro José Marcos da Silva com Gesilda, ambos torcedores fanáticos do Vasco da Gama, acabou batizado como Bismarck da Silva. Dias depois, o craque conheceria a criança.

Os títulos da Taça Rio de Janeiro e de campeão carioca de 1988 eram apenas o começo do que Bismarck seria capaz. No semestre seguinte, com os campeonatos estaduais terminados, começara a Copa União, o Campeonato Brasileiro da época.

A primeira fase foi de pontos corridos e o Vasco da Gama literalmente sobrou na tabela. O time terminou com 54 pontos enquanto o Internacional, o segundo colocado geral, conquistou 46. Bismarck foi um dos protagonistas da grande campanha do elenco vascaíno que, lamentavelmente, acabou eliminado pelo Fluminense na fase seguinte. Nem mesmo o Bahia, campeão, obteve mais pontos que o Vasco da Gama após a tabela concluída. O time carioca terminou com 57, em quinto no geral, enquanto o campeão fechou com 56. Naquela campanha sensacional, Bismarck mostrou que o Vasco da Gama era mesmo o melhor time da competição. Em um jogo contra o Santos, marcou três gols na goleada vascaína de 4 a 0, no dia 19 de novembro, em São Januário.

Bismarck foi também ícone do esquadrão – com Bebeto, William e Luis Carlos Winck– campeão do segundo título brasileiro do Vasco da Gama, em 1989, ano em que também foi eleito o craque do Mundial de Juniores, em que o Brasil acabou em terceiro lugar.

Foi convocado por Sebastião Lazaroni, que o dirigiu no Vasco da Gama, para a Copa do Mundo de 1990, mas devido ao fracasso, nunca mais foi lembrado pelos treinadores da Seleção Brasileira.Disputou 24 jogos pelo Escrete nacional, marcou apenas um gol, mas participou da Seleção que conquistou a Copa América em 1989.

Em 1992, ainda ao lado de Bebeto, levou o Vasco da Gama a ser o time com o maior número de pontos do Campeonato Brasileiro, mas quem acabou campeão foi o Flamengo. De consolo, o titulo de campeão carioca no mesmo ano. O primeiro que levaria o clube ao seu primeiro tricampeonato estadual.

No dia 28 de junho de 1993, Bismarck trocou o Vasco da Gama pelo japonês YomiuriVerdy Kawasaki. Mas desejava mesmoera ir para o então badalado futebol espanhol. O Celta de Vigo até fez uma boa proposta, mas não tão boa quanto a do clube japonês, que ofereceu a Bismarck 25 mil dólares mensais e a possibilidade de que o jogador comprasse o próprio passe por 550 mil dólares, em janeiro do ano seguinte.

No Japão, tornou-se, depois de Zico, seu ídolo desde a infância, omaior nome do futebol local. O Galinho ficou, porém, muito aborrecido com o fã Bismarck, após um jogo final do YomiuriVerdycontra o KashimaAntlers, pelo título do primeiro campeonato japonês da história, realizado em 1993.


Zico reclamara de Bismarck (que decidira o jogo para o Verdy ao marcar um gol de pênalti), por ter dado uma cotovelada nas costelas e atingido a boca do jogador Honda. O Yomiuri acabou campeão, mas Zico não queria mais papo com o Bismarck, que marcou 15 gols e foi o grande nome da competição.

“Ele foi desleal e não quero mais falar com ele. Se me perguntarem sobre Bismarck jogador, direi que se saiu muito bem e que foi um dos responsáveis pela conquista do Youmiuri. Mas, como pessoa, ele morreu para mim. Não aceito um jogador que fala sempre de Deus e que joga deslealmente.”

Bismarck, que levara a mãe para morar com ele no Japão, seria novamente campeão nacional em 1994, com o mesmo Verdy.A vida no Japão era pacata. Só saía do apartamento para treinar e jogar. Quando se consentia um pouco de distração, saciava a saudade do Brasil e especialmente a fome na churrascaria “Bacana”, em Kawasaki.

Já ambientado ao estilo de vida japonês, Bismarck atuou pelo KashimaAntlers. A trajetória do outro lado do mundo foi longa e rendeu os títulos nacionais de 1993 e 94, pelo YomiuriVerdy, e de 1998 e 2000/01, pelo KashimaAntlers.

Em 1996, a Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj), presidida na época pelo ex-governador do Estado, Sérgio Cabral Filho, concedeu ao craque a Medalha Tiradentes por seus grandes feitos no futebol nipônico.

Somente em 2002, por influência do treinador Oswaldo de Oliveira, regressou ao futebol brasileiro para defender o Fluminense. Insistiu no Goiás, ainda em 2002, e encerrou a carreira no japonês Vissel Kobe, em 2003. O craque que leva no nome a marca do famoso chanceler alemão, que unificou a Alemanha no final do Século XIX, tornou-se empresário de jogadores.