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heróis do capri

texto: Sergio Pugliese | foto: Marcelo Tabach | vídeo: Guillermo Planel

O ditado policial ensina que o criminoso sempre volta ao local do crime. Nos campos do Aterro do Flamengo, o matador Hugo Aloy liquidou vários adversários, traumatizou alguns, humilhou outros, mas, no apito final, o juiz, hipnotizado por sua arte, sempre o absolvia, o livrava de qualquer pena e, em muitos casos, as próprias vítimas transformavam-se em testemunhas de defesa. “O Hugo era mágico!”, atestou Luisinho, do Embalo do Catete, tradicional rival do Capri, de Santa Teresa, o primeiro campeão do Torneio de Peladas do Aterro, promovido pelo Jornal dos Sports, em 1966. Convidado pelo fotógrafo Marcelo Tabach, do Museu da Pelada, para reviver os dias de glória, em seu templo sagrado, o camisa 10 do Capri engoliu a emoção e topou. Uniformizado! E concluímos que no caso de Hugo, ídolo incontestável, lendário boleiro, mocinho da história, o provérbio mais adequado para aquele singelo momento seria “o bom filho a casa torna”.

– Foto em grama de plástico não tem graça – descartou Hugo.

É verdade, muita coisa mudou de 1966 para cá. A terra batida minguou e no Aterro do Flamengo a grama sintética reina, soberana. Mas um campinho, nos fundos do parque, descoberto por Tabach, ainda mantém o empoeirado charme. Ali, Hugo Aloy, 77 anos, recordou o título histórico. Nasci em Santa Teresa, três anos antes dessa conquista. Aos 33 anos, mudei de ares mas volta e meia dou um pulo lá para matar a saudade do Bar do Arnaudo e dos amigos figuraças Guará e Wilsinho, companheiros do Vamos Nessa, nosso inesquecível time. Era uma seleção! Tinha Marco Antônio, Lilo, Robalo, Siri, Tutuca, meu irmão Bruno e os saudosos Vitinho e Adãozinho. Isso eu vivi e posso afirmar, mas cresci ouvindo histórias sobre os heróis do Capri. Adolescente, participei desse torneio e entendi que vencer ali não era para qualquer um: quase 2 mil times inscritos, sistema mata-mata, empates decididos nos pênaltis, milhares de torcedores e só timaço, muitos reforçados por ex-jogadores profissionais.

– O Capri era 100% amador!! – recordou, orgulhoso, Hugo Aloy, craque ainda em atividade.

Hugo Aloy é um grande amigo e tenho o prazer de assisti-lo, aos sábados, 15h, no campo do INES (Instituto Nacional de Educação de Surdos), em Laranjeiras. Há 34 anos, sua perna direita não dobra por conta de uma violenta artrose. Na época, os médicos recomendaram trocar o futebol pelo ping-pong. Saiu da consulta, enterrou os remédios na areia da Praia do Arpoador, falou para a mulher que estava ótimo e foi jogar bola.

– Conta sobre a conquista – sugeriu Tabach.

Hugo era o maestro do time, mas Arthur, o camisa 10, emplacou três na estreia contra o Help, da Praça da Bandeira, na goleada de 8 a 0. Foi o artilheiro, com 14. No segundo jogo, Capri 4 a 1 no Silveira Martins e Arthur guardou mais dois.

– Ele tinha cheiro de gol – elogiou.

Mas o centroavante Xanduca, 73 anos, também foi peça decisiva no título e marcou dois gols no Gemini VIII, de Copacabana, terceira partida.

E o quarto jogo? Flávio emplacou três contra o Pombinhos, de Laranjeiras. Que saudade do Flávio! Pena ter ido para o vestiário mais cedo, assim como Gabriel e o incontestável líder Salvador. O oportunista Xanduca deixou mais três na quinta vitória, essa de 4 a 0, no Instituto de Pesquisas da Marinha. O time jogava por música e aos poucos foi despertando a atenção e conquistando mais torcedores. No sexto embate, final da chave, no campo 4, Hugo chegou atrasado porque precisou levar mulher e filhos na casa dos sogros. Furioso, entrou no lugar de Nilo quando estava 0 a 0 e marcou três nos 6 a 0 contra o Cobras do Leblon. Alguém precisava pagar o pato! No jogo seguinte, mais unzinho nos 3 a 2 em cima do Unidos do Aterro. Hora da semifinal contra a Associação Cultural e Recreativa do Amazonas! O Capri perdia por 2 a 1 e faltando cinco minutos a torcida se retirou, arrasada. Mas no último minuto, o inesperado. Hugo bateu o escanteio na cabeça de Rabelo. Golaço!!! Nos pênaltis, Arthur converteu os três e a muralha Augusto defendeu um.

– Santa Teresa desabou quando soube que estávamos na final!!! – lembrou ele.

E que final! O Alvarinho, de Botafogo, era um timaço! Mas a rapaziada do Capri estava mais unida do que nunca! O adversário fez 2 a 0. Reverter o placar era uma missão praticamente impossível, mas não para eles. Numa bola cruzada, Xanduca subiu entre os zagueiros e cabeceou para descontar. Jaú, o zagueirão, segurava a pressão, Hugo, Tony e Reynaldo jogaram demais e o presidente do Capri, Leopoldo Rodrigues, tremia sem parar. A torcida empurrava o time e numa confusão na área a bola bateu, por acaso, no calcanhar de Xanduca e entrou. Explosão geral! Nos pênaltis, Arthur fez todos nas duas séries de três e o time de Santa Teresa sagrou-se o primeiro campeão do Aterro. Teve desfile em carro aberto, foguetório e cervejada no Armazém do Seu Gegório até anoitecer.

– Fica perto da baliza – pediu Tabach.

No fim da sessão de fotos, Hugo, emocionado, cruzou o parque e, olhos fechados, ainda ouvia os gritos de “é campeão”.