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“UMA COISA JOGADA COM MÚSICA” – CAPÍTULO 57

11 / abril / 2024

por Eduardo Lamas Neiva

Após a execução de “Estrela Solitária”, que o público acompanhou com interesse e admiração, houve um momento de calma que Ceguinho Torcedor se aproveitou para prosseguir com a história do amistoso entre Brasil e Inglaterra, no Maracanã, em 1959.

Ceguinho Torcedor: – Feola pôs só o Julinho e esqueceu Garrincha. Verificou-se, então, o amargo e ululante desagrado da multidão. Naquele momento, ninguém se lembrou, no Maracanã e fora dele, de quem é Julinho na história do futebol brasileiro. Sim, amigos: o homem andou pela Itália e quando voltou nós o olhamos, de alto a baixo, como se fosse um gringo qualquer, ou pior do que isso, como se fosse um perna de pau. Não há nada mais relapso que a memória. Atrevo-me mesmo a dizer que a memória é uma vigarista, uma emérita falsificadora de fatos e de figuras. Por exemplo: ninguém se lembrava de que, no Mundial da Suíça, contra os húngaros, Julinho fizera um carnaval medonho. De certa feita, driblara toda a defesa contrária para finalizar uma bomba e que bomba! O arqueiro nem viu por onde a bola entrou. Esse gol foi uma obra-prima e devia estar numa vitrine de turismo, para a admiração pateta dos visitantes.

João Sem Medo: – Um chute de quem sabe bater na bola com a parte externa do pé. Um belo gol realmente.

Ceguinho Torcedor: – Pois bem: ao ser anunciada a escalação de Julinho, a nossa memória apresentou-nos a imagem não autêntica, não fidedigna do craque, mas de quase um penetra do escrete. Ao ouvir o apupo, eu fui um pouco oracular para mim mesmo: “Julinho vai comer a bola!”. Podia parecer uma piada e, no entanto, era uma grave profecia.

Sobrenatural de Almeida: – Podia ter me avisado, ele não teria me escapado. Mas segurar Pelé, Garrincha e Julinho no mesmo dia nem eu conseguiria.

Ceguinho Torcedor: – Eis a verdade: para um jogador de caráter uma vaia é um incentivo fabuloso, um afrodisíaco infalível. Imagino que Julinho há de ter entrado em campo crispado da cabeça às chuteiras. Nunca um craque foi tão só. Era um único contra duzentos mil. Mas, homem de brio indomável, Julinho aceitou a luta e foi Julinho em cada um dos 45 minutos iniciais. Em inúmeras ocasiões o que ele fez com o adversário foi pior do que xingar a mãe.

Todos riem muito. Ceguinho prossegue.

Ceguinho Torcedor: – E o primeiro gol, ah, o primeiro gol! Ele marcou contra os ingleses, sim, mas também contra os que o vaiaram. Enfiou a bola de uma maneira, por assim dizer, sádica. E ele não parou mais.

João Sem Medo: – Foi uma grande atuação de um grande jogador. Mesmo com todo estádio contra.

Ceguinho Torcedor: – João e amigos, aquela multidão se arremessara contra ele como um touro enfurecido. Pois bem: ele agarrou o touro a unha e lhe quebrou os chifres. Então, aconteceu o milagre. Do primeiro gol em diante, a multidão se transformou em “macaca de auditório” de Julinho.

Garçom: – Macaca de auditório é expressão antiga, seu Ceguinho.

Todos riem, menos o Ceguinho, que não perde o domínio da bola, ou melhor, do raciocínio.

Ceguinho Torcedor: – Assim é o brasileiro de brio, Zé Ary. Deem-lhe uma boa vaia e ele sai por aí, fazendo milagres, aos borbotões. Amigos, cada jogada de Julinho naquele dia foi exatamente isto: um milagre do futebol.

Garçom: – Julinho Botelho ficou de aparecer por aqui, mas enquanto ele não vem, vamos ver aqui no nosso telão os dois gols do Brasil naquele dia, com imagens da TV Tupi e narração de Edson Leite, da Rádio Bandeirantes, de São Paulo.

Garçom: – E como o show de Julinho foi no Maracanã, ainda mais lotado, vamos ouvir a bela homenagem de Francis Hime e Paulo César Pinheiro pro estádio, que não deixa de ser sempre um personagem concreto do nosso futebol.

João Sem Medo: – Poético, o nosso Zé Ary!

Garçom: – Obrigado, seu João. Aprendo muito com os senhores. Vamos lá!

Mal encerrou a música de Francis Hime e Paulo César Pinheiro em homenagem ao Maracanã, que o público ouviu com atenção, Julinho Botelho adentra o bar Além da Imaginação.

Garçom: – Veja, minha gente, quem chegou: Julinho Botelho!

Ceguinho Torcedor: – Quanta honra. Aí está o autor de um verdadeiro milagre no Maracanã, em 1959, contra a Inglaterra.

O público aplaude. Julinho agradece e vai cumprimentar Zé Ary, os componentes da mesa principal e é abraçado por todos os quatro personagens.

João Sem Medo: – Julinho, parece que houve outro milagre: falamos de você e você apareceu.

Todos riem, inclusive Julinho, que acena a Nilton Santos e Garrincha, que de pé pedia com gestos ao ex-companheiro de seleção que fosse depois à sua mesa.

João Sem Medo: – Mas, a sério, o que todos aqui querem saber é da sua sensação com aquela vaia toda que você recebeu no Maracanã, contra os ingleses, e depois com a reviravolta e os aplausos.

Julinho Botelho: — Bom, João, Ceguinho, Almeida e todos os amigos aqui presentes, a desilusão não poderia ter sido pior com aquelas vaias. Em tão poucos anos eu havia sido esquecido e abandonado pelos torcedores…

Idiota da Objetividade: – Com licença, Julinho. Vamos lembrar ao público que você, depois de se destacar na Copa de 54 pela seleção brasileira, foi vendido pela Portuguesa de Desportos para a Fiorentina, onde você se tornou um verdadeiro ídolo ao participar ativamente da primeira conquista do Campeonato Italiano pela equipe de Florença, na temporada 1955/56, e só retornou ao Brasil, para o Palmeiras, após a Copa de 58.

Julinho Botelho: – Sim, sim, isso mesmo. Mas, como ia dizendo sobre o jogo contra a Inglaterra, o golpe calou fundo. Porém, a revolta foi imediata e prometi a mim mesmo reagir no limite máximo de minhas forças nos noventa minutos do jogo.

Alguns aplausos são ouvidos na plateia, no entanto, logo um silêncio de total atenção ao que dizia o ex-atacante é retomado.

Julinho Botelho: – Mas, ao conquistar o tento de abertura da contagem e, posteriormente, a cada jogada em que recebia aplausos, emocionei-me como há muito já não acontecia. Revivia, enfim, os meus melhores momentos, aqueles em que tive a honra de defender as cores nacionais.

Ceguinho Torcedor: – Julinho, como eu disse aqui antes de você chegar, aquela multidão se arremessou contra você como um touro enfurecido. Mas você agarrou o touro a unha e lhe quebrou os chifres. E, então, aconteceu o milagre. Do primeiro gol em diante, a multidão se transformou em “macaca de auditório” de Julinho.

Julinho ri muito e abraça o Ceguinho Torcedor, depois os demais componentes da mesa, enquanto é aplaudido de pé. Emociona-se, agradece e vai dar o abraço em Garrincha.

Garçom: – Minha gente, como vocês viram e ouviram, Julinho naquela tarde de 1959 saiu de vilão para herói e pôde vir aqui, no exato momento, como um gol aos 45 do segundo tempo, nos contar como se sentiu naquele carrossel de emoções que foi o seu dia de virada gloriosa. Isso me lembrou uma música genial do cantor, violonista e compositor paulistano Douglas Germano que canta a história de um herói que se tornou vilão, na Vila do Calvário, campo do Cruzeiro. Vamos ver e ouvir no telão, “Zeirô, Zeirô”, em apresentação dele no programa Cultura Viva, da TV Cultura, de São Paulo, em 2016. Prestem bastante atenção na letra, por favor.

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Um gol desse não se perde!

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