REVOLUÇÃO RUBRO-NEGRA
texto: Sergio Pugliese e André Mendonça | entrevista: Sergio Pugliese | fotos: Marcelo Tabach | vídeo e edição: Rodrigo Cabral
A apaixonada torcida do Flamengo tem motivos de sobra para sorrir! Além da boa fase do time, com os reforços começando a funcionar, a diretoria cumprido, com louvor, seu dever de casa fora de campo, afinal o clube está próximo de terminar o ano com uma dívida líquida inferior à receita do ano, fato raro nos clubes brasileiros. Dinheiro em caixa, sonho de transformar “o mais querido” numa potência mundial, o presidente Eduardo Bandeira de Mello tem consciência do cenário positivo, mas reconhece que sem títulos o projeto corre o risco de não ser reconhecido.
– De acordo com os institutos de pesquisa, a torcida do Flamengo é a que mais cresce no Brasil, com títulos a tendência é o número dobrar. E o Flamengo sabe conquistar títulos – comentou, orgulhoso, o presidente Eduardo Bandeira de Mello, no vestiário do clube, enquanto posava para o tricolor Marcelo Tabach, fotógrafo do Museu da Pelada.
E se depender de ajuda divina para os sonhos se concretizarem, o Cristo Redentor está bem pertinho abençoando o campo de treinamento da Gávea.
– Mas o Mengão pode virar um Barcelona? – perguntei.
– Um dia vai dar para o clube comprar um ídolo só com a venda de camisas – emendou Rodrigo Cabral, videomaker do Museu.
– Mas, Pugliese, a entrevista não era sobre minha carreira peladeira? – esquivou-se o presidente.
Apaixonado por futebol desde criança, Bandeira, lateral-direito “estilo Leandro”, jogava pelada com os meninos do Morro do Borel nas ruas Conde de Bonfim e São Miguel, ainda pouco movimentadas, ou no campinho de sua casa, na entrada da favela. Entre os meninos do Borel um destacava-se, mesmo jogando entre os adultos: Carlos Alberto Pintinho, que, viria a ser um grande rival do Flamengo.
– Eu gosto muito de jogar, mas nunca fui craque! Meu irmão e meu primo jogavam muito, mas o Pintinho era brincadeira. Fazia umas tabelinhas lindas com o amigo Albino. Todos sabiam que ele daria certo no futebol.
Em entrevista recente ao Museu, Pintinho confirmou que seu amigo “Duda” não fazia sucesso com a bola nos pés, mas era extremamente estudioso. E o destino foi justo com a dupla, Pintinho virou ídolo tricolor e Bandeira formou-se em Administração pela Universidade Federal do Rio de Janeiro e trabalhou por 35 anos no Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social. As peladas, no entanto, jamais foram deixadas de lado e até hoje joga no clube do BNDES, na Barra, onde disputou vários campeonatos acompanhados dos filhos. Também acabou com a graça de muitos pontas no condomínio Novo Leblon, na Barra da Tijuca.
– Lá tem a pelada dos craques, que o Jayme de Almeida joga, e tem a outra. Eu jogo na segunda, a das pessoas normais! Tem tempo que não vou. Quando eu sair do Flamengo vou aparecer mais!
Embora esteja sem tempo para jogar muitas peladas, Bandeira não abre mão da que ocorre anualmente, em dezembro, contra a imprensa. Até agora foram três edições na Gávea e o time do presidente está invicto. O último duelo, aliás, ficou marcado por uma goleada de 7 a 1. Apesar de não ter balançado a rede, o presidente acertou a trave em um chute de fora da área, “o lance mais lindo do jogo”.
Se a frequência nas peladas não é mais a mesma, o mesmo não se pode falar da paixão pelo Flamengo. Sócio proprietário do clube desde 1978, o presidente revelou que ia a todos os jogos do rubro-negro na infância, década de 60, até mesmo pela proximidade da sua casa. De acordo com ele, o time do Fla tinha muita raça, mas deixava a desejar na qualidade, em comparação com os outros.
– Cresci vendo o Flamengo perder para o Botafogo. Os caras tiveram duas gerações muito boas. A primeira com Garrincha, Didi, Amarildo e Zagallo e a outra com Gérson, Jairzinho e PC Caju. Isso me traumatizou muito!
A derrota mais dolorosa presenciada no estádio, sem dúvida, foi goleada de 6 a 0 aplicada pelo Botafogo em 15 de novembro de 1972, justamente no aniversário do clube da Gávea. Na época, com 19 anos de idade, Bandeira teve que escutar muitas gozações dos amigos.
Quando o presidente falava sobre essa derrota histórica, como enviados por Deus, os anjos Adílio e Júlio Cesar Uri Geller apareceram de surpresa e se juntaram à resenha. Flamenguistas doentes, os dois também sofreram muito com aquela goleada.
– Graças a Deus que a geração desses dois craques conseguiu dar o troco e acabar com aquele negócio de perder para o Botafogo. – agradeceu o presidente.
O curioso é que Adílio e Uri Geller faziam parte da categoria dente de leite, disputaram a preliminar daquele jogo e assistiram da arquibancada os seis gols alvinegros. Naquele dia, após a derrota, Adílio fez uma promessa:
– Eu tinha apostado um angu à baiana com meu amigo Sidney. Depois da goleada, eu prometi que a vingança viria quando eu me tornasse profissional!
E não deu outra! No dia 8 de novembro de 1981, quase nove anos depois, o time comandado por Zico devolvia o placar em um Maracanã lotado. Antes da vingança. no entanto, os jogadores rubro-negros sofriam no duelo contra os botafoguenses.
– Teve um jogo que a gente ganhou do Botafogo por 4 a 0, mas saímos vaiados de campo. A torcida precisava dos seis gols para se vingar! – lembrou Uri Geller.
– Eu estava no estádio! Foi lindo demais! Com aquele timaço não tinha conversa nem para Botafogo, nem para nenhum outro time! A partir daquele momento foi só alegria – comemorou Bandeira.
Os tempos mudaram, os ídolos são outros, mas a marca Flamengo está intacta e, em pesquisa recente, manteve-se como a mais valiosa entre os clubes brasileiros. O Flamengo vem promovendo uma revolução silenciosa, invisível, mas que pode ganhar corpo, sacodir a galera rubro-negra e transformar-se em mais um grito de gol. A sessão de fotos terminou e na saída do vestiário, no último minuto do segundo tempo, o presidente não deixou minha pergunta sobra o Barcelona sem resposta.
– Um Flamengo forte, saudável financeiramente, vale mais do que qualquer clube do mundo.