por Zé Roberto Padilha
Nosso grande escritor, Ziraldo, que acaba de nos deixar, foi um dos maiores colaboradores do jornal que mudou a vida da minha geração : O Pasquim.
Em meio à repressão e à censura, ele, Ivan Lessa, Henfil, entre outros, conseguiram, com o mais fino humor, debochar e combater o regime militar. Bancas de jornal receberam atentados à bomba para que sua circulação fosse interrompida.
Em 1969, no Jornal do Brasil, ele criou um personagem chamado Jeremias, o Bom. Sempre bem vestido, portador de boas ações e educado, Jeremias era o contraponto do estressado e impaciente cidadão brasileiro.
O que Ziraldo não sabia é que o personagem que ele criou na ficção se apresentaria com as chuteiras debaixo do braço, no Andaraí, para treinar no América FC.
Para mim, que lia sua coluna e enfrentava em campo o Jeremias de verdade, ficava impressionado como a ficção se aproximava da realidade. Ziraldo escrevia sem saber os atos de nobreza que ele também cometia.
E se Jeremias não foi o herói do sertão,que Gerônimo ocupou nas radionovelas, era o herói nosso das bancas de jornais e vestiários de cada dia.
Jeremias, o bom de bola, nos chamava a atenção pela elegância com que atuava. Depois foi para o Fluminense jogar ao nosso lado. Parecia que jogava de terno, não dava carrinhos. Educado, levantava seus adversários quando recebiam faltas e jamais foi expulso de campo.
Nesse momento de sua partida, podemos entender melhor sua importância entre nós. Ziraldo nos deixou Flics, uma cor neutra, um bege sofrido por ser excluída do arco-íris. E Jeremias, o bom, que criou no papel e nem sabia que existia.
Um personagem tão legal que ele nunca imaginou que o futebol, uma paixão nacional, revelaria um Jeremias de verdade.
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