LÍDER DENTRO E FORA DE CAMPO
texto e fotos: Matheus Gevaerd | vídeo e edição: Elis Brasil
Duílio Dias Junior ensina ao menino de cabelos negros, filho de amigos, o posicionamento defensivo de um zagueiro, cacoete que não perdeu mesmo de chinelo de dedo, bermuda e camiseta. O aluno observa atento o gestual e os conselhos de quem viveu mais de duas décadas na posição, chegando inclusive à seleção:
– Você não pode dar espaço para o atacante. Se ele tiver uma brecha, ele vai girar em cima de você. Aí já era! – apontando a distância correta enquanto é observado pelo aprendiz.
Duílio sempre gostou do papel de professor. Quando ainda era jogador, tinha como características a liderança e seriedade em campo, algo que fez com que se tornasse uma referência para os mais jovens que jogavam ao seu lado. Não à toa era capitão no Fluminense e foi justamente no time carioca que teve um dos alunos que mais se destacaram na posição durante a década de 80: Ricardo Gomes.
Na época, Ricardo ainda era um jovem jogador que havia acabado de sair dos juniores e, para ele, era uma honra subir e formar uma parceria com Duílio, jogador que tinha admiração. Quando finalmente teve oportunidade no time principal, acabou se firmando na zaga do Fluminense em 83 e ao lado de Duílio, conquistou o bicampeonato carioca de 1983-84 e o Campeonato Brasileiro de 1984. Ricardo destaca que o companheiro tinha características bem marcantes:
– Quem observava via um jogador muito concentrado e determinado em campo, mas por trás ele também tinha muita técnica.
A parceria dos zagueiros não era apenas dentro de campo, eles também eram companheiros de quarto e se tornaram grandes amigos, mesmo após a saída de Duílio do Fluminense em 1985. Para estreitar os laços, Ricardo foi escolhido para ser padrinho do primeiro filho de Duílio, fato que mantem o contato dos dois até hoje. Por acaso, atualmente os antigos companheiros se tornaram adversários na carreira de treinador, caminho que ambos optaram após a aposentadoria dos gramados.
A carreira de Duílio como técnico começou justamente no Fluminense, ainda como interino. Depois aventurou-se por países distantes, como Kuwait, Cazaquistão e Emirados Árabes Unidos. A distância da família era sentida e, em alguns casos, a esposa e os filhos se mudavam para os locais que iria trabalhar, mas nem sempre os clubes aceitavam esse pedido de imediato. Como no Cazaquistão, onde somente após uma reunião com o presidente do time a família pode ir em definitivo para o país em que Duílio já era treinador há aproximadamente seis meses. A reunião ainda foi determinante para o futuro da equipe no futebol nacional:
– Falei que precisávamos colocar o time na primeira divisão para verem o trabalho que estávamos realizando. Ele fez um telefonema e colocou o time na primeira divisão. Foi muito rápido, fiquei meio sem reação. Depois fiz um último pedido, que era para minha mulher e meus filhos virem para o Cazaquistão.
No entanto, a estadia da família durou pouco pois o presidente do time deixou o treinador em uma situação complicada. Duílio teve que escolher entre a permanência de um dos dois filhos na categoria de base do clube. Fato determinante para que decidisse mandar a esposa e os meninos de volta para o Brasil, após um ano e meio no país asiático.
Graças à vida de andarilho da bola, sua volta em definitivo ao país de origem só ocorreu em 2011, ano em que dirigiu os times do Serrano e Nova Iguaçu, do Rio de Janeiro, e o Rio Branco, do Espirito Santo. O último lhe renderia o momento de maior gloria em território nacional, anos depois, no estádio Kléber de Andrade, em Cariacica/ES.
No gramado daquela tarde, Duílio via um trabalho de mais de 15 anos gerar um inédito título estadual no Brasil: Campeão Capixaba de 2015. Apesar de possuir muitos momentos de glória como jogador, na carreira de técnico essas conquistas não são frequentes. Muitas vezes, o acaso precisa ajudar o treinador, algo que aconteceu nesse episódio. O Rio Branco nem iria disputar a Série A, ficou em terceiro na Série B do ano anterior, mas acabou herdando a vaga do Colatina que de última hora desistiu do campeonato. As chances de título eram mínimas, graças ao elenco reformulado e o baixo investimento. Para surpresa de todos, porém, o Rio Branco fez uma ótima campanha que levou o time à final estadual.
Dessa vez, no entanto, Duílio não estava sozinho. O filho Bruno, o mesmo que Ricardo Gomes é padrinho, prometeu ao pai que se o time fosse para a final, ele deixaria a esposa grávida em casa e iria até o Espírito Santo assistir à decisão ao seu lado. E assim foi, como um aluno determinado a seguir seu professor. Porém, tudo parecia conspirar contra essa escolha:
– Eu ia chegar lá no dia do jogo e voltaria no dia seguinte. Cheguei no avião e não subia de jeito nenhum! Ficava dando voltas na pista até subir. Quando vem chegando no Espirito Santo, olho na janela vejo o tempo feio, parecia filme de terror no avião! – Bruno comenta às gargalhadas o episódio.
Engana–se quem pensa que terminaram por aí as dificuldades. O ônibus do Rio Branco ia sair em cinco minutos em direção ao estádio e Bruno tinha acabado de deixar o aeroporto. O filho e o técnico foram se falando por telefone enquanto o motorista corria para chegar a tempo do jogo. Curiosamente, também era torcedor do time e ia assistir à partida no estádio.
No fim, Bruno conseguiu pegar o ônibus da delegação e foi junto com a equipe para o estádio Kleber de Andrade em Cariacica, local da decisão estadual. No entanto, não conseguiu ficar no campo com Duílio, seu principal desejo, e acompanhou boa parte do jogo na arquibancada com o presidente do clube:
– Colei no presidente! Ele tinha três fitas douradas na mão que davam acesso ao campo, todo mundo querendo entrar. Eu precisava da fita. Quando ele abriu os braços, eu fui lá e peguei uma. Ficou gente sem. Queria nem saber, essa fita era minha!
Com o fim da partida, após o empate em 1 a 1 que dava a taça ao Rio Branco, em meio ao clima de festa, Bruno saiu determinado a cumprir sua principal missão e encontrar o pai. Atravessou toda a arquibancada, enfrentou o segurança da escadaria principal, mostrou a pulseira dourada que tomou do presidente e desesperado abraçou Duílio. A correria foi tanta que chegou inclusive antes dos repórteres que estavam na beira do gramado e registraram o momento de emoção entre os dois, que agradeciam emocionados ao título inédito conquistado pelo técnico.
Esse foi o último titulo de Duílio como treinador, que hoje, comanda o América-RJ. Essa é sua terceira passagem pelo clube, onde já atuou como jogador na conquista da Taça dos Campeões em 1982. O Mecão disputa o Grupo X do Campeonato Carioca, que classifica os dois primeiros colocados para a Seletiva Estadual em 2019:
– Eu já escutei um treinador falar o seguinte: ‘Se derem um pedaço de grama e duas bolas para um treinador brasileiro, ele monta uma seleção’. O treinador brasileiro é muito bom, seja qualquer área que ele fizer! – finaliza com um sorriso, marca do zagueiro que levantou taças por onde passou.