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D-I-N-A-M-I-T-E

texto: André Teixeira | foto: Marcelo Tabach

Na noite de 25 de novembro de 1971, os 10.449 torcedores que foram ao Maracanã viram um garoto alto e forte disparar um chutaço de fora da área e estufar a rede do Internacional. O jogo estava nos 27 minutos do segundo tempo, e o Vasco selava a vitória sobre o Colorado com um gol de Roberto, um promissor atacante que já vinha se destacando nas categorias de base do clube e tinha entrado na partida minutos antes, substituindo Gilson Nunes. Provavelmente, muito poucos tinham noção de que viam, naquele momento, o primeiro dos muitos gols que fariam do centroavante o maior artilheiro e um dos maiores ídolos da história do cruzmaltino. Os mesmos torcedores certamente não imaginavam que o chute forte e seco – marca registrada do craque – lhe renderia, nas páginas do Jornal dos Sports do dia seguinte, a manchete “Garoto Dinamite explode no Maracanã”, numa espécie de novo batismo do jogador.

O que era inimaginável, para os vascaínos e para todos que viam o garoto esbanjando saúde e disposição, era que ele tinha passado, até os 12 anos de idade, por duas sérias operações nas pernas, ficando engessado por meses. Operações que chegaram a transformar, na cabeça do menino Roberto, o plano de jogar futebol profissionalmente numa missão quase impossível. “Eu era muito magro e tive muitos problemas de saúde na infância. Não dava nem para sonhar com isso”, lembra Dinamite. “Quando me recuperei da segunda operação, meus pais não queriam que eu voltasse a jogar bola. O pior é que, da janela lá de casa, minha mãe via a metade do campo em que a gente brincava. Então, um dia entrei na pelada já no segundo tempo, no ataque, no lado do campo que minha mãe não conseguia ver”, diverte-se.

Eu era muito magro e tive muitos problemas de saúde na infância. Não dava nem para sonhar com isso.

Coisa de apaixonado pela bola. Paixão que não veio do berço – veio antes. O pai de Roberto, José Maia, era funcionário público e goleiro do São Bento, clube de Duque de Caxias, onde morava. A mãe, Neusa, torcia pelo Parque Lafayette, também de Caxias. Num jogo entre os dois times, ela foi para trás do gol que José defendia e ficou pedindo para ele deixar a bola entrar. Não rolou. O que rolou foi um namoro entre os dois. “Eles acabaram casando e tiveram três filhos. Sou o caçula, e dos três eu era o piorzinho no futebol”, jura. 

Se isso é verdade, sorte tiveram os alvinegros, rubro-negros e tricolores, que tantas vezes sofreram com as explosões do craque. Roberto foi o único dos três irmãos visto por Gradim, olheiro do Vasco, e levado para um teste em São Januário. Tinha 14 anos e, aprovado na peneira, passou a encarar a dura rotina de pegar dois ônibus para chegar até São Januário e outros dois para voltar a Caxias. Em um ano, o garoto magro ganhou 15 quilos de massa muscular e em 1970, com 16 anos, virou referência no ataque dos juvenis vascaínos. A equipe foi campeã estadual da categoria em 1971, e Roberto, o artilheiro, com 13 gols. Em 72, já com o Dinamite integrado ao nome, sobe definitivamente para os profissionais.

O resto é história. Protagonista do primeiro título brasileiro do Vasco, em 74, ganhou também os estaduais de 77, 82, 87, 88 e 92. Faturou a Taça Guanabara em 76, 77, 86, 87, 90 e 92, e a Taça Rio em 75, 77, 80, 81, 84 e 88. Além de três edições da Copa Rio duas do Troféu Ramón de Carranza, em 87 e 88. É o maior artilheiro da história do Campeonato Brasileiro, com 190 gols, e do Carioca, com 279. No total, balançou a rede 784 vezes, 26 delas pela Seleção Brasileira. Com a “canarinha”, foram duas Copas do Mundo, em 78 e 82. Na primeira, uma grande alegria – o gol contra a Áustria – e uma enorme frustração: a eliminação do Brasil depois da vitória da Argentina sobre o Peru por inacreditáveis 6 a 0. “Estávamos invictos, mas fomos eliminados”, recorda.

Em 1980, uma polêmica na carreira. Contratado a peso de ouro pelo Barcelona, estreou fazendo dois gols mas acabou não se firmando no time catalão. Um boato, então, toma conta dos jornais cariocas: Roberto estaria sendo contratado pelo Flamengo. Márcio Braga, então presidente do rubro-negro, teria ido até a Espanha conversar com o craque. Pressionado pela reação da torcida, o Vasco se mexe e repatria o grande ídolo. Até hoje, rola a dúvida: houve mesmo o contato com o Flamengo? Roberto jogaria pelo arquirrival?

Se o Vasco não me quisesse, eu negociaria com o Flamengo, sim.

Fala, Dinamite! “O Flamengo mostrou interesse, mas não fez nenhuma proposta oficial. Antes disso, o Barcelona tinha consultado o Vasco sobre minha volta, mas não teve retorno. Só depois da notícia sobre o Flamengo é que o Eurico Miranda conversou comigo e acertamos minha volta”, esclarece. “Mas se o Vasco não me quisesse, eu negociaria com o Flamengo, sim. Eu era profissional”, ressalta.

E que volta! No Maracanã lotado, contra o Corinthians, uma atuação de gala, com cinco gols. “Tem dias em que tudo dá certo. Nesse dia, foi melhor do que eu podia imaginar”, comenta o craque. A goleada – 5 a 2 – teve um ingrediente que deixou o chocolate ainda mais saboroso. “O Flamengo tinha jogado na preliminar, e sua torcida ficou nos ‘secando’ na partida principal. Mas naquele dia não tinha jeito”, diverte-se. 

De madrugada, ouvi morteiros e achei que fosse balão, mas era manifestação pedindo a minha saída. Foi duro.

“Repatriado” por Eurico, Dinamite viu sua amizade com o dirigente se desgastar ao longo dos anos, o que acabou colocando os dois em lados opostos no campo político vascaíno. O craque foi presidente do clube por dois mandatos, entre 2008 e 2014, numa gestão marcada por dois rebaixamentos do Gigante da Colina. Em alguns momentos, foi muito criticado por grupos da torcida. Chegou a sofrer ameaças de agressão e um inimaginável cerco a sua casa, com foguetes explodindo noite adentro. “Fui obrigado a andar com seguranças, o que nunca tinha acontecido. Mas sei que isso foi coisa de paus-mandados”, acredita. 

O craque defende seu período na Presidência do clube, apesar dos percalços. “Administrar sua próprias coisas é mais fácil. Administrar o que vem de não sei quantos anos atrás é mais difícil”, afirma. Para ele, detalhes em jogos cruciais tiraram o clube do caminho dos títulos. “É aquele negócio: ‘se aquela bola entra, se a gente não leva um gol no último minuto’…mas é assim, o tal do se é o cara: resolve tudo”, brinca. Ele diz que sabia do risco que um ídolo corre quando assume um cargo de direção, mas a vontade de colaborar com o clube do coração falou mais alto. “Sinceramente, não pensei nesse risco. Queria ajudar o Vasco”, afirma.

Sobre a nova queda para a Segunda Divisão, Roberto mantém a postura altiva que marcou sua passagem pelos campos. “Por mais que discorde da diretoria atual, não torci para que isso acontecesse. Não vejo quem está na Presidência na hora de torcer. Vejo a instituição. O rebaixamento é uma tragédia para o clube e para a torcida. A Segunda Divisão não é o lugar do Vasco”, conclui.

A Segunda Divisão não é o lugar do Vasco.