rei das quadras
texto e entrevista: Marcello Pires | fotos: Marcelo Tabach | vídeo e edição: Daniel Planel
Desde pequeno Bernardinho teve sua vida ligado ao vôlei e ao Fluminense Football Club. Se não bastasse o fato de ter nascido numa família quase toda formada por tricolores, foi nas Laranjeiras que o filho de Condorcet Rezende e Mariângela Rezende deu suas primeiras levantadas e passou a maior parte de sua carreira como jogador. Ao lado de craques como Bernard, Fernandão, Granjeiro, Chiquita e Badalhoca, o então jovem levantador brilhou com a camisa verde, branca e grená e chegou à seleção brasileira. Motivos para o medalhista de ouro no Rio e em Atenas e dono de outras quatro medalhas olímpicas torcer pelo clube localizado na Rua Álvaro Chaves sobravam. Mas como têm coisas que só acontecem com o Botafogo, quando a bola saía das quadras e rolava pelos gramados, o coração de Bernardinho rapidamente mudava de cor e batia forte pelo preto e branco do Alvinegro. Preto e branco de Garrincha, Nilton Santos e Manga, seus emblemáticos ídolos com a camisa do Glorioso.
– É raro você achar um garoto nascido no Brasil que não goste de futebol. A primeira coisa que o pai dá é uma bola e dificilmente o garoto vai jogá-la na parede para jogar vôlei. Ele vai dar um bico nela. A primeira lembrança que eu tenho é que sou o único botafoguense numa família de tricolores. As pessoas acham estranho e me perguntam como eu sou botafoguense. É que um primo meu que foi campeão de caça submarina e que até já faleceu era botafoguense, assim como o cunhado dele, que era médico. Eles me levaram no Maracanã para ver um jogo e subi de elevador, na época das cadeiras especiais. Lembro-me de quando abriu a porta a torcida do Botafogo estava cheia, aqueles refletores, o time entrando, e no dia seguinte já ganhei um meião cinza. Eram os anos 60, tinha o Jairzinho, pai do nosso Jair Ventura, Roberto, Rogério, Paulo Cesar, o ataque era esse, o meio campo com o Gérson, bicampeão carioca da Taça Guanabara – recorda, saudoso, o treinador do Rio de Janeiro.
As lembranças e seus craques preferidos, no entanto, não se escondem apenas no passado de glórias do clube de General Severiano. Além de Túlio, xodó dos alvinegros nos anos 90, e Jefferson, goleiro do atual elenco e um dos ídolos recentes do clube, ele aponta Jair Ventura como principal destaque do bom momento atual. Apesar de ter tido pouquíssimo contato com seu colega de profissão, Bernardinho o coloca entre os principais treinadores do país e enumera algumas qualidades do comandante alvinegro que o agradam.
– Acho que ele se preparou para essa oportunidade, no momento certo teve sua chance e está mostrando um trabalho excepcional. Eu gosto de algumas coisas. Não o conheço pessoalmente, encontrei rapidamente já faz tempo, mas nesse período de sucesso e de êxito não tive a chance de estar com ele ainda. Acho a postura dele muito bacana. É um cara low profile, tranquilo, não tem aquele status de super estrela e que busca eficiência. Sabemos que não é o melhor time, mas temos um time bacana, bom e ele trabalha bem as questões da equipe. Claro, tem que ganhar título, é o que todo mundo quer, mas o que ele tem demonstrado é o que eu acredito, que é o trabalho, a equipe e estar sempre por ali, na consistência dos resultados de hoje, que foi ter chegado às semifinais da Copa do Brasil e as quartasLibertadores. Os torcedores do Botafogo há alguns anos só rezavam e torciam para o time não cair. Passar uma temporada sem o risco de cair já era um alívio, nós passamos um período assim. Hoje voltamos a ter um time competitivo, que briga por títulos. O torcedor quer mais, eu também quero, mas eu entendo que são passos positivos, dentro de gestão bacana, o que é muito importante – elogiou.
Fã de Jairzinho, Gérson, Roberto, Paulo Cesar Caju, Carlos Alberto Torres, Marinho Chagas, entre outros, Bernardinho afirma que seus tempos de torcedor de arquibancada ficaram no passado. Seja pelos inúmeros compromissos com o vôlei, por sua agenda sempre lotada de eventos e palestras, e, principalmente, pela violência que assola os estádios de futebol, o ex-treinador da seleção brasileira prefere acompanhar o Botafogo de casa.
Isso não tem sido uma tarefa das mais fáceis, ele reconhece. Tudo por culpa da filha mais velha, Júlia, de 15 anos, que quase sempre tenta fazer o pai voltar no tempo e levá-la ao Engenhão. Embora nem os constantes apelos da fanática torcedora tenham conseguido tirar o técnico de casa, mesmo à distância ele se mostrava otimista em relação às chances de o Botafogo conquistar o título da Libertadores, antes da eliminação.
– Não é simples, mas Libertadores é Libertadores. O futebol tem uma coisa um pouco diferente do vôlei. Se você tiver o melhor time, você pode até perder no campeonato, como nós perdemos um Pan-Americano para uma equipe que era pior, numa partida, mas num playoff dificilmente isso vai acontecer. No futebol é zebra, não é isso, mas acontece com mais frequência esse tipo de situação. Acho que para um time que tem demonstrado eficiência e uma consistência ele pode qualquer coisa. Não vejo de forma alguma como uma tarefa impossível. Se é o favorito, não é o favorito, mas não acho de forma alguma algo improvável de acontecer – opinou o torcedor.
Mas Bernardinho não é só do vôlei, Quando adolescente, ele foi do judô, da natação, do tênis e até do futebol. Entre uma lembrança e outra, ele admite que sua carreira nos gramados foi meteórica. Não passou de alguns minutos no dente de leite do Botafogo, que, à época, ainda treinava no Mourisco. Suas qualidades eram tão básicas, que de meio-campista o ex-treinador da seleção brasileira masculina de vôlei foi parar na zaga.
Atualmente, nem nas peladas Bernardinho se sobressai. Se hoje em dia ele raramente bate uma bolinha, quando o Rio de Janeiro se mudou para Curitiba no início dos anos 90 ele lembra que os tempos eram outros.
– Já joguei muito, mas hoje em dia jogo cada vez menos. Quando nós nos mudamos para Curitiba com a comissão técnica toda, além do (Ricardo) Tabach e do Hélio (Griner) que adoram futebol, tinha o Nando, que era o nosso supervisor na época, era o manager do time, também tricolor, e todos jogam muito bem. Tínhamos um time e ganhávamos sempre porque o mais importante é saber escolher o adversário (risos). Eu sou daquele tipo esforçado, o Bruno jogava bem, ele tinha um dom para o futebol. O Careca tinha um time de garotos em Campinas e quando ele morou lá com a mãe (a ex-jogadora Vera Mossa) foi chamado para jogar. Eu acho que ele dá uns toques no Neymar (risos) – brincou Bernardinho, se referindo a grande amizade entre Bruninho e o camisa 10 do Paris Saint Germain.
Se dentro de campo ele nunca deu certo, fora dos gramados ele acha que poderia ajudar. Lembrado algumas vezes como um nome importante para reforçar a comissão técnica de alguns clubes do país em momentos de crise, Bernardinho garante que ainda tem muito que vivenciar no vôlei e que jamais pensou em se tornar técnico de futebol.
Outra certeza que o treinador do Rio de Janeiro tem é que não concorrerá ao cargo de governador do Rio de Janeiro como andou sendo noticiado recentemente em alguns veículos de imprensa. Surpreso com a especulação, o treinador não faz ideia de onde surgem essas informações.
– Nunca tive vontade de nada disso, não disse nada disso, as pessoas especulam, acho que é uma ausência, uma carência de nomes, de pessoas, é uma situação de tanto desespero que as pessoas vivem buscando alguma coisa. É muito importante que se diga que não existe mito ou salvador que vai chegar lá transformando um time em vencedor, isso é um processo muito mais complexo. Na rua agora as pessoas cobram, “estou contigo”. O que significa estou contigo? Eu não preciso de torcedor, preciso de gente que faça, que cada um faça bem a sua parte. Quem precisa de torcedor é time de futebol, de vôlei. Mas eu tenho um problema muito sério, eu não consigo não me incomodar com as coisas erradas. Nós estamos vivendo um momento hoje no país como um tudo, mas no Rio em especial, que a única coisa que eu ouço dos pais dos jovens é que querem mandar seus filhos embora. Que futuro nós vamos ter? Quando eu deixei a seleção tive convites para ir embora e uma das coisas que pensei foi: “se eu for embora agora que sinal estou dando para algumas pessoas que gostam de mim e me admiram”. Eu não gostaria de jamais ser o protagonista, mas gostaria de poder ajudar a fazer alguma coisa. Minha grande angústia hoje é saber como eu posso ajudar. Eu não sei, tenho refletido sobre isso, durmo mal pensando em como. Eu não tenho uma resposta, tudo que saiu em relação a isso não é verdade – afirmou.
Admirador do bom futebol e das coisas certas, Bernardinho aponta a seleção da Copa de 1970 e o Barcelona de Guardiola como os grandes times que viu jogar. Mas, surpreendentemente, ao contrário da maioria dos brasileiros, o técnico do Rio de Janeiro não suspira pela seleção de 1982. Embora considere Telê Santana um dos treinadores que admira na sua extensa lista de prediletos, que conta ainda com nomes como Phil Jackson, Ruben Magnano, Pepe Guardiola, Jose Mourinho, Tite, Jesus Morlán, treinador da canoagem brasileira nos Jogos do Rio, entre outros, Bernardinho tem outras preferências.
– Primeira Copa do Mundo que eu vi foi a de 70, que foi aquela coisa de televisão em casa, ainda mais depois da decepção que ouvi pelo rádio em 66. Brasil incrível, Tostão, Gérson metendo bola para o Jairzinho na frente, Rivellino e Pelé. Depois de 70, o pessoal fala de 82, eu vi boas atuações e tudo, mas, sabe, não é que tenha me encantado. Eu gostei, era um time realmente bacana, o Telê era um cara genial, mas não foi uma coisa que me encantou. Recentemente o Barcelona do Guardiola fez coisas incríveis, encantadoras. O Real Madrid atual também, mas quando tinha o Barcelona eu parava para ver. Tem, eu vejo, mas não sou cara de parar para ver, e o Barcelona eu parava. Mesmo sem a seleção eu tenho menos tempo para ver, trabalho muito, muitas palestras e eventos, viajo muito, dando aula, fazendo uma série de coisas para me encontrar, mas não posso largar isso aqui senão eu morro. É literal. Eu gosto muito dos últimos times da Alemanha também, não por causa do 7 a 1 e nem da última Copa, mas pelo lado europeu, eu vejo a Alemanha e percebo a eficiência colocada ali – destacou Bernardinho, que para finalizar apontou seus dois jogos inesquecíveis.
– A final da Copa de 70 entre Brasil e Itália e aquela virada do Barcelona em cima do Paris Saint Germain, no ano passado, na Liga dos Campeões. Aquilo ali, para. O último lance do Neymar, que ele dá aquele passe, a bola quica na hora que o cara meteu para o gol, parou, fecha e não precisa fazer mais nada. Uma coisa espetacular, uma puta de uma emoção envolvida. Realmente foi inesquecível.