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É PROIBIDO PISAR NA GRAMA

por Paulo-Roberto Andel


Meus tempos de garoto coincidiram com um momento de rara beleza do futebol brasileiro, entre o final dos anos 1970 e o início dos 1980. Havia uma leva de craques, a quase totalidade deles jogava no Brasil e os jogos eram eletrizantes, tanto nas competições regionais quanto nacionais. Os estádios viviam cheios, as manchetes dos jornais inundavam as bancas de jornais e, mesmo que o futebol brasileiro tivesse seus problemas – é claro que tinha -, torcer tinha um sabor mais do que especial. Para completar, começava a Seleção Brasileira permanente de Telê Santana, com shows diários a cada mês.

Não bastava torcer, tinha que jogar. E a gente jogava muito. Tinha o golzinho em plena calçada na Rua Figueiredo Magalhães, o aluguel da quadra de futebol de salão no Corpo de Bombeiros da Xavier da Silveira, golzinho na praça do Bairro Peixoto, dupla de praia na trave do Juventus; peladas na Rua Tenreiro Aranha, a Vila, hoje ocupada pela estação de metrô Siqueira Campos. Tudo na imortal Copacabana. Ah, se déssemos sorte, um futebol básico em algum dos playgrounds dos prédios vizinhos, também na Figueiredo ou no Copaville da Ladeira dos Tabajaras.

Para mim só havia um trauma. Era um campo proibido. Como assim?

Durante cinco anos, como aluno do antigo ginasial e do segundo grau em escola pública, frequentei as aulas de Educação Física no Forte do Leme, entre 1981 e 1985. Um local maravilhoso. A cada novo ano, ao se matricular você escolhia que modalidade esportiva gostaria de treinar. Tinha basquete – que escolhi – e vôlei. Não lembro de outras, mas uma coisa era certa: futebol não havia como opção.

Nosso ritual duas vezes por semana era o mesmo: concentração perto do obelisco de nome impublicável nas imediações do Forte, fila indiana, chamada, duas ou três voltas na pista de atletismo – com o maravilhoso cheiro da mata ali perto, que se intensificava em dias de chuvisco – com chuva a aula era cancelada – e finalmente a concentração na quadra de basquete. Arremessos, passes, às vezes jogos. Eu gostava de basquete, sem dúvida, apenas não era o meu esporte predileto. Segundas e quartas, segundas e sextas ou quartas e sextas. Tive três professores: José Carlos, o famoso Buldogue; Peixinho – que sempre chegava às aulas de bicicleta – e Mattos. Eram dias legais, sem dúvida, esporte é sempre muito bom, mas carrego comigo um vazio daquele tempo. Explico.

Atrás da quadra de basquete ficava a de vôlei. E ao lado das duas havia um campo de futebol espetacular. Lindo, com seu gramado bem cortado e brilhante, as traves branquinhas de doer, as linhas sempre reforçadas com cal. Na primeira aula que fiz, olhei para o campo e sonhei imediatamente em correr nele, chutar em gol, entrar com bola e tudo, mas a frustração estava contida numa pequena placa branca de madeira, esperada na lateral com os dizeres “É proibido pisar na grama”. Engoli a seco e pensei ingenuamente que poderia jogar ali algum dia.

As aulas passavam, os semestres, os anos e o ritual nunca se alterava: duas ou quatro voltas, quadra e bola de basquete quicando. Ao lado, o gramado intocável, proibido e lindo. Um mar verde de silêncio, só cortado pelas nossas jogadas com as mãos batendo a bola no concreto.

Depois de um ou dois anos, durante uma aula vimos finalmente um sujeito no gramado: era um soldado, retocando as linhas das grandes áreas e aparando manualmente o que o cortador de grama tinha deixado passar. Não havia um chute, um drible, uma grande defesa. Bem ao lado, a gente queria ser Edinho, Mendonça, Adílio, queria ser Roberto Dinamite cortando para o lado direito e fuzilando, queria ser Rondinelli subindo no último andar para cabecear, nem que fosse apenas por cinco minutos. Podia ser Enéas também, com sua elegância que poderia ser versada na de Bobô, feito a genial obra de Caetano. A gente queria ser Paulo Victor ou Valdir Peres ou Acácio voando e se esborrachando no conforto amoroso da grama, mas era impossível, não tinha jeito. Era proibido pisar na grama. E assim foram cinco anos de boa prática esportiva mas sem um sonho realizado: jogar naquele gramado lindo e deserto. O tempo passou, concluímos o segundo grau e vinham novas responsabilidades: vestibular, serviço militar, procurar emprego na Era Sarney… Depois disso, voltei ao Forte como visitante duas ou três vezes mas preferi sequer olhar para o campo, evitando qualquer possível decepção. Deixei-o na memória do jeito que estava.

Chove nesta manhã de segunda. Por alguma razão me lembro daquelas aulas, é que algumas delas foram abrandadas ou suspensas no meio do caminho por causa da chuva. Eu sabia que seria impossível jogar naquele campo maravilhoso, mas gostaria de voltar a ser garoto só para correr ali perto. Olhar a beleza das traves novinhas, da grama impecável, sonhar em ser Edinho ali por cinco minutos – fazer um gol de falta, correr, ganhar abraços e comemorar. Rever o que eu tinha de mais próximo do Maracanã toda semana. E na saída, em vez de pegar o 464 e voltar para casa depois de um jogo, apenas comprar um picolé no Leme e descer solitariamente pela orla de Copacabana, me refrescando e pensando na próxima aula, no próximo sonho, no lindo e impossível gramado bem ao lado. Pode ser proibido pisar na grama, mas o sonho é livre.

São coisas de quarenta anos que estão vivas demais. É que o futebol tem um tempo próprio.

@pauloandel

O ERRO DO GÊNIO – PARTE 1

por Luis Filipe Chateaubriand


Não é segredo para ninguém que acompanhe futebol que Romário é um gênio, quando se fala em fazer gols – talvez, e possivelmente, o maior de todos, no quesito gol.

Contudo, Romário cometeu erros na condução de sua carreira, que prejudicaram a ele próprio.

Um desses erros é que o craque não cobrava faltas e só começou a cobrar pênaltis quando tinha uns dez anos de carreira profissional.

Não seria difícil para Romário cobrar faltas de forma perfeita, que resultassem em gol.

Em primeiro lugar, porque quem bate na bola como Romário batia, com extrema categoria, teria facilidade em cobrar faltas.

Em segundo lugar, porque poderia treinar com quem sabe, no início de sua carreira no Vasco da Gama: Roberto Dinamite e Geovani.

Aprenderia o “macete” da coisa facilmente.

Quanto aos pênaltis, se tivesse começado a batê-los mais cedo, e com um pouco de treino, também não teria problemas com a tarefa.

“Resumo da ópera”: se batesse faltas e tivesse começado a bater pênaltis mais cedo, Romário teria feito mais uns 300 gols na carreira, em relação ao que fez, superando Pelé em gols.

Baixinho, “deu mole”, peixe!

Luis Filipe Chateaubriand é Museu da Pelada

PAOLO ROSSI, BAMBINO D’ORO

por Paulo-Roberto Andel


É provável que a morte precoce de Paolo Rossi corrija uma injustiça histórica, fazendo com que ele seja respeitado como o grande centroavante que foi nos campos.

Bastaria dizer que Rossi se tornou uma celebridade no futebol italiano jogando por um time da Segunda Divisão, o Vicenza, que subiu e quase foi campeão na Série A. Ou lembrar que ele foi uma das estrelas do timaço da Juventus, com os futuros campeões mundiais Zoff, Scirea, Cabrini, Gentile e Tardelli, afora os cracaços Platini e Boniek. Que time!

E quando se fala de 1982, a critica tende a apontar o grande fracasso do Brasil sem a devida valorização da Seleção Italiana, que além da turma da Juventus ainda tinha o jovem Bergomi, Collovatti, Altobelli, Graziani, Bruno Conti, Antognioni. É certo que a Itália chegou mal à Espanha e se classificou a duras penas para o mata-mata, mas tinha a base da equipe que havia ficado em quarto lugar na Copa da Argentina, e possuía vários jogadores notáveis.

Rossi foi mortal em 1982. Depois de ser o carrasco do Brasil, marcou contra Polônia e Alemanha, garantindo o tricampeonato que a Itália esperava desde os anos 1930. Na Batalha do Sarriá, seus gols não deixam dúvidas: mostram um artilheiro com recursos, velocidade de raciocínio e com poder de finalização. O terceiro gol é marcante: depois do chute travado de Tardelli, ele transforma uma bola torta numa conclusão certeira. À época, muito se disse sobre este gol, tentando se atribuir a culpa aos jogadores brasileiros mas, se você rever com calma e isenção, a finalização de Rossi é que decidiu tudo, para nossa tristeza.

Paolo Rossi sempre mostrou enorme respeito pelo Brasil. Ele sabia que o Sarriá tinha sido um momento especial e único. Jamais minimizou o grande adversário derrotado. Ele não era um intruso num dia de sorte, mas um artilheiro que, após ter vivido uma situação grave – o escândalo do Totonero, a Loteria italiana, onde foi absolvido pela Justiça Comum mas condenado pela Esportiva, ficando dois anos sem poder jogar -, chegou à Espanha sem ritmo e certezas. Era um profissional posto em dúvida, mas respondeu em campo e entrou para a História.

Paolo Rossi foi embora cedo, assim como Maradona. As feras da Copa da Espanha começam a dar adeus. Até as vozes, caso de Fernando Vanucci. Os meninos que colecionavam figurinhas Ping-Pong choram. Aquele futebol vibrante, que inundava o mundo em fins dos anos 1970 e começo dos 1980, fica mais distante.

Adeus, Bambino D’Oro.

@pauloandel

UM JOGO ENTRE AMÉRICAS DISPUTADO NO ANDARAÍ

por André Luiz Pereira Nunes


America e América de Três Rios protagonizaram, em 2013, no Giulite Coutinho, uma partida na qual 2 a 2 foi o resultado. Uma contenda que não era disputada desde 7 de março de 1993, quando ambos integraram a elite do futebol do Rio de Janeiro. 

Na tarde daquele domingo, em Três Rios, o placar foi 0 a 0, em jogo válido pela Taça Guanabara. No tempo em que o futebol fluminense era comandado com mãos de ferro por Eduardo Viana, o Caixa d’água, não é de se estranhar que havia um inusitado acesso e descenso ao fim de cada de turno. Portanto, o mesmo confronto não ocorreria pela Taça Rio, haja vista que o time rubro trirriense acabaria rebaixado e, assim, dado adeus pela última vez à Série A. 

Por coincidência, o ano de 1993 foi o único em que os rivais citadinos América e Entrerriense integraram a primeira divisão.

Todavia, vale relembrar o ano anterior no qual o America e o seu genérico do interior se enfrentaram no saudoso estádio Wolney Braune, o antigo campo do Andaraí, cujo terreno é atualmente ocupado por um shopping center.

Era uma quente tarde a de 8 de novembro. A partida era válida pelo segundo turno do Campeonato Estadual, a Taça Rio. Nas proximidades da praça esportiva, justamente na rua Teodoro da Silva, era perceptível um ônibus cujos integrantes faziam grande alarido, o qual chamava a atenção de todos os circunstantes. Seus integrantes gritavam “sangue!!!”, um grito de guerra muito conhecido naquela região.

Já naquela época a maior parte da torcida do America era formada por pessoas de meia idade e idosos. Por isso, a intensa manifestação daqueles eufóricos jovens era mesmo algo bastante incomum.

Porém, foi descoberto logo que faziam parte da claque rival. Eram numerosos e provocadores. Durante a disputa da Taça Rio os trirrienses surpreendiam pela ousada campanha. Haviam derrotado em seu campo o Bangu, empatado no Caio Martins em 1 a 1 com o Botafogo e vencido o Americano, em Campos, algo raro nos tempos em que Eduardo Viana era seu ferrenho torcedor e patrono.

Já o America não vinha bem. Havia sofrido uma derrota de 4 a 2 para o Vasco, o futuro campeão daquele ano e dos dois seguintes. Tudo levava a crer que o primo-pobre do interior faria mais uma mais uma vítima em campo adversário, daí a extrema desconfiança que reinava entre os torcedores locais presentes. Entretanto, a torcida visitante rival gritava, mas encontrava reação em resposta.

A escalação americana não trazia grandes nomes. Em nível nacional o time já se encontrava alijado das três divisões do Campeonato Brasileiro. No Estadual, apenas lutava arduamente contra o rebaixamento. O zagueiro Paulo Sérgio, oriundo do Campo Grande, era uma das atrações daquele limitado plantel. O xerife era tão querido que tinha direito a uma faixa em sua homenagem afixada no alambrado vizinho ao morro. Outro destaque daquele time era o ponta Edenílson Pateta. Era canhoto e veloz. Formava a linha de ataque com Álvaro e Serginho.

Apesar do maciço apoio de sua torcida, o América de Três Rios sairia do Andaraí derrotado por 2 a 0. Serginho e Edenílson Pateta assinalaram o marcador favorável. A superioridade mandante foi inquestionável.

O America atuou com Fábio, Dedé, Paulo Sérgio, Cláudio e Marquinhos; Jorge Luís (Marcelo Lopes), Tiquinho e Márcio Ramos (Márcio Luís); Serginho, Álvaro e Edenílson. O treinador era Ernesto Paulo.

No cômputo geral o América de Três Rios conseguiu um surpreendente quinto lugar, enquanto o America ficaria apenas na nona posição. O time trirriense continuaria o seu histórico de ousadias. A vítima posterior foi o Fluminense, batido no Odair Gama por 3 a 2. Mas no Andaraí a história foi bem diferente. A supremacia foi mesmo total do time da casa, afinal respeito nunca é demais!

O FUTEBOL E A NEOCOLONIZAÇÃO

por Ivan Gomes


O futebol brasileiro e sul-americano apresenta uma decadência técnica visível há muitos anos, basta puxar a lista de clubes campeões do mundo a partir do início do século 21 e, também, acompanhar as seleções que conquistaram as últimas edições das Copas do Mundo. De 2000 para cá, foram disputadas cinco edições da Copa, apenas em 2002 um sul-americano foi campeão, o Brasil, quando venceu a Copa Japão-Coréia do Sul, ao bater a Alemanha na decisão. Fora isso, nem nas finais nossas seleções conseguiram chegar, exceto a Argentina, que foi derrotada pela Alemanha na decisão da Copa de 2014, disputada no Brasil. Esta foi a primeira vez que uma seleção europeia venceu uma competição em nosso continente. Sem citar que os alemães aplicaram a maior goleada sofrida pelo esquete brasileiro, o famigerado 7 a 1. 

Nas Copas de 2006, 2010 e 2018, só ocorreram finais europeias: França e Itália, 2006, Holanda e Espanha em 2010 e França e Croácia em 2018. Importante destacar que, na última Copa, os sul-americanos nem nas semifinais conseguiram chegar. O Brasil, após ser atropelado pela Alemanha em 2014, conseguiu ser eliminado por uma seleção belga, nas quartas de final, que não apresentava um futebol que enchia os olhos, era somente um time organizado em campo. 

Quando comparamos a disputa no mundial de clubes, disputado desde 1960, aí a distância do início deste século para cá mostra uma ascendência europeia exacerbada e nosso futebol em frangalhos. Até meados dos anos 90 do século passado, a disputa Europa/América, especificamente América do Sul, mostrava certo equilíbrio, mas com ligeira vantagem para nós, os periféricos. Mas de 2001 para cá, quando houve a virada do século, os europeus encostaram, empataram e abriram vantagem considerável. 


Neste século, apenas quatro clubes sul-americanos foram campeões do mundo. Boca Juniors, da Argentina, (2003) e os brasileiros São Paulo (2005), Internacional (2006) e Corinthians (2012). Em 2010, 2013 e 2018, o futebol sul-americano não teve nem representantes na decisão. Com o Mundial de Clubes sendo organizado pela Fifa desde 2005, clubes dos outros continentes também participam. Times como o Internacional, Atlético/MG e River Plate, conseguiram a proeza de perder para clubes de países considerados inexpressivos na história.

Após essas pontuações brevíssimas, fica a pergunta: como chegamos neste ponto? Afinal, Brasil, Argentina e Uruguai, as três maiores potências futebolísticas em nosso continente, juntas venceram nove Copas, só o Brasil cinco. Em termos de mundiais de clubes, essas três potências venceram 26 vezes, se somarmos uma conquista do Olímpia do Paraguai, o número da América do Sul chega a 27.

E é em nossa querida América do Sul que nasceram os maiores nomes. Aqui nós temos Pelé, Maradona, Garrincha, Di Stéfano, entre uma infinidade de outros craques. Podemos dizer que nosso continente é um celeiro de jogadores excepcionais. Aqui os pés de obra nasciam em cada esquina, raios caem a todo momento. Mas por qual motivo, atualmente, com tanta riqueza técnica, vemos um futebol sofrível, campeonatos fracos e clubes endividados?

Uma das respostas pode ser a “neocolonização”. Se à época da invasão europeia, a partir do século 15, os “colonizadores” levavam nosso ouro, prata e árvores, atualmente eles levam nossos craques. E isso não tem sido algo recente, basta fazer uma pesquisa e veremos que sempre houve uma saída ou outra de grandes jogadores, mas após abertura do mercado europeu, em meados dos anos 1990, e a “glamorização” do futebol, com seus belos uniformes, estádios padrões e todo ritual comercial, foi aí que a situação ficou difícil para nós.

Com uma moeda mais valorizada, com as promessas de enriquecimento, milhões gastos em publicidade e clubes que se tornaram empresas e com seus respectivos donos, fomos ultrapassados em tudo e hoje podemos dizer que existe uma exploração de pés de obra em nosso continente. E um grande exemplo desta questão é o argentino Lionel Messi, que foi levado criança para Espanha e até o momento somente jogou no Barcelona. Apesar de ser tido como ídolo em seu país, Messi nunca jogou contra os grandes clubes argentinos e sul-americanos, nunca disputou uma Taça Libertadores.


De alguns anos para cá, jogadores brasileiros, argentinos, uruguaios, sem citar promessas dos outros países, são levados ainda muito jovens e não conseguem desenvolver uma carreira em seus respectivos países e não criam qualquer tipo de vínculo com a torcida local. Isso de alguma maneira afeta o desempenho desses atletas quando defendem suas respectivas seleções. Volto ao exemplo de Messi, que nunca venceu um título com a Argentina.

EXCLUÍDOS

Mas o problema da decadência de nosso futebol não ocorre somente pela escassez de nossas principais estrelas, ocorre também ao padrão imposto pelo colonizador. Eles levam nossas joias e as lapidam à sua maneira. O jogador ágil e autêntico dá espaço para um atleta muito forte fisicamente e com total obediência tática. Ao que é apresentado atualmente, é possível dizer que jogadores com a incrível capacidade de improviso não têm espaço neste futebol de glamour, de aparências e nada mais.

Além deste fato, outro problema é a padronização europeia sobre esquemas táticos, comportamento físico e o pior de todos, a questão das “arenas”. Saudade do tempo em que falávamos Vila Belmiro, Rua Javari, Pacaembu, Olímpico… Atualmente é arena isso, aquilo. Mas o pior é a exclusão social que o padrão europeu trouxe às “arenas”. É incrível como em poucos anos, o torcedor com menos dinheiro, fanático, que ocupava as arquibancadas e fazia de um simples jogo, algo especial para o seu dia e se produzia para o evento, cedeu espaço (ou foi tirado?) para pessoas bem vestidas, com suas camisetas que modelam o corpo e acompanham a disputa em um local sentado.


Se você é jovem e pensa que exagerei, puxe nas plataformas de vídeos e faça você mesmo a comparação. Veja como era o Maracanã, quando existia a geral, e veja como é hoje. Compare o sorriso de parte da torcida atual com os de algumas décadas atrás. Compare o tom de pele… A exclusão social com o fim das “gerais” nos estádios e o padrão Fifa, que não passa de padrão europeu, acabou com toda a alegria das arquibancadas. Hoje é tudo muito bonitinho e arrumadinho para aparecer no vídeo. Onde estão os caras que roíam as unhas e tinham um dos ouvidos colado em seus rádios de pilha? 

E para a América do Sul mostrar-se cada vez mais subserviente e afinada com o colonizador, como se isso fosse algo positivo, os dirigentes sul-americanos conseguiram acabar com a alegria da principal competição que temos em nosso continente, que é a Libertadores da América. Para seguir o padrão europeu, a decisão deste campeonato desde 2019 é realizada em apenas um jogo, em campo neutro. Novamente o torcedor foi excluído, afinal, não são todos que têm condições de comprar uma passagem de avião para ver seu time do coração em uma decisão de Libertadores.

Os colonizadores levam nossos craques, impõem padrão de jogo, de forma física, de estádio e contribuem para que os jovens saibam mais sobre seus “pequenos” clubes endinheirados, do que os grandes times de nosso país e continente. É muito triste conversar com um jovem que acha bacana chamar Cristiano Ronaldo de robô, ou que diz que Chelsea, da Inglaterra, ou PSG, da França, são grandes clubes. Sim, os colonizadores nos enfiam isso goela abaixo e nós, os periféricos, achamos bonito o padrão que vem do centro. 


Saudade dos terrões e das ruas, traves feitas de blocos, chinelas nas mãos com se fossem luvas. Nesse período, as crianças diziam que o sonho seria um dia jogar no Santos, São Paulo, Corinthians, Flamengo… Mas todos sabiam que para isso você precisava se destacar nos clubes do interior. Hoje, a maior parte diz que o “sonho” é ser atleta do PSG, “Barça”, Real, Chelsea. Onde ficam o Timão nesta história, o Porco, o Tricolor? 

O garimpo de pés de obra tem dado muito certo para os clubes europeus que enriquecem cada vez mais, enquanto nossos clubes, com administrações ruins e amadoras acham bonito revelar jogadores para desfilarem nas arenas europeias. Enquanto isso, nós que fiquemos com o resto em nossos estádios, pois nas poucas arenas, não temos condições de ir, afinal, o preço que se paga é caro. 

Às vezes bate aquela saudade de quando tínhamos ouro por aqui e sabíamos. Saudade de um tempo no qual havia jogadores e não atletas. Devolvam nosso futebol!