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O FUTEBOL E A NEOCOLONIZAÇÃO

9 / dezembro / 2020

por Ivan Gomes


O futebol brasileiro e sul-americano apresenta uma decadência técnica visível há muitos anos, basta puxar a lista de clubes campeões do mundo a partir do início do século 21 e, também, acompanhar as seleções que conquistaram as últimas edições das Copas do Mundo. De 2000 para cá, foram disputadas cinco edições da Copa, apenas em 2002 um sul-americano foi campeão, o Brasil, quando venceu a Copa Japão-Coréia do Sul, ao bater a Alemanha na decisão. Fora isso, nem nas finais nossas seleções conseguiram chegar, exceto a Argentina, que foi derrotada pela Alemanha na decisão da Copa de 2014, disputada no Brasil. Esta foi a primeira vez que uma seleção europeia venceu uma competição em nosso continente. Sem citar que os alemães aplicaram a maior goleada sofrida pelo esquete brasileiro, o famigerado 7 a 1. 

Nas Copas de 2006, 2010 e 2018, só ocorreram finais europeias: França e Itália, 2006, Holanda e Espanha em 2010 e França e Croácia em 2018. Importante destacar que, na última Copa, os sul-americanos nem nas semifinais conseguiram chegar. O Brasil, após ser atropelado pela Alemanha em 2014, conseguiu ser eliminado por uma seleção belga, nas quartas de final, que não apresentava um futebol que enchia os olhos, era somente um time organizado em campo. 

Quando comparamos a disputa no mundial de clubes, disputado desde 1960, aí a distância do início deste século para cá mostra uma ascendência europeia exacerbada e nosso futebol em frangalhos. Até meados dos anos 90 do século passado, a disputa Europa/América, especificamente América do Sul, mostrava certo equilíbrio, mas com ligeira vantagem para nós, os periféricos. Mas de 2001 para cá, quando houve a virada do século, os europeus encostaram, empataram e abriram vantagem considerável. 


Neste século, apenas quatro clubes sul-americanos foram campeões do mundo. Boca Juniors, da Argentina, (2003) e os brasileiros São Paulo (2005), Internacional (2006) e Corinthians (2012). Em 2010, 2013 e 2018, o futebol sul-americano não teve nem representantes na decisão. Com o Mundial de Clubes sendo organizado pela Fifa desde 2005, clubes dos outros continentes também participam. Times como o Internacional, Atlético/MG e River Plate, conseguiram a proeza de perder para clubes de países considerados inexpressivos na história.

Após essas pontuações brevíssimas, fica a pergunta: como chegamos neste ponto? Afinal, Brasil, Argentina e Uruguai, as três maiores potências futebolísticas em nosso continente, juntas venceram nove Copas, só o Brasil cinco. Em termos de mundiais de clubes, essas três potências venceram 26 vezes, se somarmos uma conquista do Olímpia do Paraguai, o número da América do Sul chega a 27.

E é em nossa querida América do Sul que nasceram os maiores nomes. Aqui nós temos Pelé, Maradona, Garrincha, Di Stéfano, entre uma infinidade de outros craques. Podemos dizer que nosso continente é um celeiro de jogadores excepcionais. Aqui os pés de obra nasciam em cada esquina, raios caem a todo momento. Mas por qual motivo, atualmente, com tanta riqueza técnica, vemos um futebol sofrível, campeonatos fracos e clubes endividados?

Uma das respostas pode ser a “neocolonização”. Se à época da invasão europeia, a partir do século 15, os “colonizadores” levavam nosso ouro, prata e árvores, atualmente eles levam nossos craques. E isso não tem sido algo recente, basta fazer uma pesquisa e veremos que sempre houve uma saída ou outra de grandes jogadores, mas após abertura do mercado europeu, em meados dos anos 1990, e a “glamorização” do futebol, com seus belos uniformes, estádios padrões e todo ritual comercial, foi aí que a situação ficou difícil para nós.

Com uma moeda mais valorizada, com as promessas de enriquecimento, milhões gastos em publicidade e clubes que se tornaram empresas e com seus respectivos donos, fomos ultrapassados em tudo e hoje podemos dizer que existe uma exploração de pés de obra em nosso continente. E um grande exemplo desta questão é o argentino Lionel Messi, que foi levado criança para Espanha e até o momento somente jogou no Barcelona. Apesar de ser tido como ídolo em seu país, Messi nunca jogou contra os grandes clubes argentinos e sul-americanos, nunca disputou uma Taça Libertadores.


De alguns anos para cá, jogadores brasileiros, argentinos, uruguaios, sem citar promessas dos outros países, são levados ainda muito jovens e não conseguem desenvolver uma carreira em seus respectivos países e não criam qualquer tipo de vínculo com a torcida local. Isso de alguma maneira afeta o desempenho desses atletas quando defendem suas respectivas seleções. Volto ao exemplo de Messi, que nunca venceu um título com a Argentina.

EXCLUÍDOS

Mas o problema da decadência de nosso futebol não ocorre somente pela escassez de nossas principais estrelas, ocorre também ao padrão imposto pelo colonizador. Eles levam nossas joias e as lapidam à sua maneira. O jogador ágil e autêntico dá espaço para um atleta muito forte fisicamente e com total obediência tática. Ao que é apresentado atualmente, é possível dizer que jogadores com a incrível capacidade de improviso não têm espaço neste futebol de glamour, de aparências e nada mais.

Além deste fato, outro problema é a padronização europeia sobre esquemas táticos, comportamento físico e o pior de todos, a questão das “arenas”. Saudade do tempo em que falávamos Vila Belmiro, Rua Javari, Pacaembu, Olímpico… Atualmente é arena isso, aquilo. Mas o pior é a exclusão social que o padrão europeu trouxe às “arenas”. É incrível como em poucos anos, o torcedor com menos dinheiro, fanático, que ocupava as arquibancadas e fazia de um simples jogo, algo especial para o seu dia e se produzia para o evento, cedeu espaço (ou foi tirado?) para pessoas bem vestidas, com suas camisetas que modelam o corpo e acompanham a disputa em um local sentado.


Se você é jovem e pensa que exagerei, puxe nas plataformas de vídeos e faça você mesmo a comparação. Veja como era o Maracanã, quando existia a geral, e veja como é hoje. Compare o sorriso de parte da torcida atual com os de algumas décadas atrás. Compare o tom de pele… A exclusão social com o fim das “gerais” nos estádios e o padrão Fifa, que não passa de padrão europeu, acabou com toda a alegria das arquibancadas. Hoje é tudo muito bonitinho e arrumadinho para aparecer no vídeo. Onde estão os caras que roíam as unhas e tinham um dos ouvidos colado em seus rádios de pilha? 

E para a América do Sul mostrar-se cada vez mais subserviente e afinada com o colonizador, como se isso fosse algo positivo, os dirigentes sul-americanos conseguiram acabar com a alegria da principal competição que temos em nosso continente, que é a Libertadores da América. Para seguir o padrão europeu, a decisão deste campeonato desde 2019 é realizada em apenas um jogo, em campo neutro. Novamente o torcedor foi excluído, afinal, não são todos que têm condições de comprar uma passagem de avião para ver seu time do coração em uma decisão de Libertadores.

Os colonizadores levam nossos craques, impõem padrão de jogo, de forma física, de estádio e contribuem para que os jovens saibam mais sobre seus “pequenos” clubes endinheirados, do que os grandes times de nosso país e continente. É muito triste conversar com um jovem que acha bacana chamar Cristiano Ronaldo de robô, ou que diz que Chelsea, da Inglaterra, ou PSG, da França, são grandes clubes. Sim, os colonizadores nos enfiam isso goela abaixo e nós, os periféricos, achamos bonito o padrão que vem do centro. 


Saudade dos terrões e das ruas, traves feitas de blocos, chinelas nas mãos com se fossem luvas. Nesse período, as crianças diziam que o sonho seria um dia jogar no Santos, São Paulo, Corinthians, Flamengo… Mas todos sabiam que para isso você precisava se destacar nos clubes do interior. Hoje, a maior parte diz que o “sonho” é ser atleta do PSG, “Barça”, Real, Chelsea. Onde ficam o Timão nesta história, o Porco, o Tricolor? 

O garimpo de pés de obra tem dado muito certo para os clubes europeus que enriquecem cada vez mais, enquanto nossos clubes, com administrações ruins e amadoras acham bonito revelar jogadores para desfilarem nas arenas europeias. Enquanto isso, nós que fiquemos com o resto em nossos estádios, pois nas poucas arenas, não temos condições de ir, afinal, o preço que se paga é caro. 

Às vezes bate aquela saudade de quando tínhamos ouro por aqui e sabíamos. Saudade de um tempo no qual havia jogadores e não atletas. Devolvam nosso futebol!  

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