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A Pelada Como Ela É

FOME DE BOLA

por Anoildo Junior


Em destaque, Anoildo não fica longe de sua pelada

A pelada teria novas regras a partir do próximo sábado. O momento era de renovação do grupo e algumas coisas precisavam ser colocadas em prática. Para incentivar novos peladeiros, convidados estariam liberados, desde que chegassem até as 9h30, e jogariam a primeira pelada (aquela que passa na Globo!!). Além disso, a inadimplência não seria tolerada e um novo critério para a divisão dos times seria implantado..

E o nosso personagem da semana, sendo o responsável financeiro e membro da comissão do grupo, tinha um papel importante nesse momento. Ele precisava estar presente e jogar a primeira pelada.

O problema é que naquela semana Junior tinha mais uma viagem para França, com retorno previsto para sábado as 6h da manhã.

Como outras vezes, nosso jogador sempre se organizava pra chegar em casa e ir direto para o Caxinguelê, local da “Pelada do Montanha”, que acontece há mais de 40 anos. O estresse era sempre o mesmo, mas no final dava tudo certo..

Só que como aquele sábado era especial, Anoildo, verdadeiro nome do nosso peladeiro, mudou a estratégia.

No momento de arrumar a mala, ele decidiu: o material da pelada iria com ele para Paris e depois para o interior da França. Desse modo, ganharia alguns minutos na chegada, podendo ir direto para o clube.

A mulher não entendeu nada, mas ele preferiu não entrar em conflito e mentiu dizendo que estava marcado um jogo contra em território francês.

Assim, evitou escutar o que já ouvia sempre que viajava: “Um absurdo, você chega de viagem e vai direto para o futebol!”. Mas a pelada sempre tem prioridade!!

Tudo em nome do choque de ordem! Deveríamos proteger os novos peladeiros convidados interessados em entrar para o grupo!

Só que nosso ala artilheiro, sacrificado por muitos anos de alegrias e contusões, carregava uma verdadeira mala com o material de jogo: ataduras, meiões, tornozeleiras, esparadrapos, que o transformavam em uma verdadeira múmia.Depois de muitas dúvidas, tudo foi resolvido e alguns casacos e camisas ficaram no Brasil naquela vez.

E a semana transcorria sem problemas, quando as emoções começaram. Para sair da cidade onde estava, a tempo de pegar o vôo Paris-Rio, Anoildo tinha que pegar o ultimo vôo das 17h. Mas na sexta-feira pela manhã, recebe a notícia que teria uma última reunião com previsão de término às 15h30. Isso praticamente liquidaria suas chances de estar presente no sábado.

Na hora do almoço, nosso craque já estava cabisbaixo e já tinha avisado ao Nicolau Caixa D’água (assim conhecido por ser o mais veterano e famoso por tomar decisões de pura ditadura) que não chegaria a tempo. 

– Nicolau, você vai ter que assumir!! Vou de dar a lista negra e você comanda!! Convidados estão liberados!

Como em um passe de mágica, às 14h as coisas começam a mudar e a reunião é cancelada. Nosso craque parte para o aeroporto em disparada, desafiando todos os limites de velocidade de uma pacata cidade do interior francês e consegue chegar a tempo de pegar o vôo.

Quando tudo parecia bem, mais uma surpresa: O avião que faria essa rota foi trocado por um aparelho bem menor o que reduziu a bagagem permitida em vários quilos. O passageiro não era obrigado a aceitar, mas teria que esperar pelo próximo vôo que só sairia de noite!! E a pelada iria para o espaço!! A prioridade naquele momento sem dúvida nenhuma era o material da pelada, que já lhe roubava quase todos os quilos disponíveis. Mas e o que fazer com tudo que recebeu ao longo da semana, que era importante e não poderia ser abandonado?

O desespero já tomava conta do nosso jogador, quando mais uma vez os deuses do futebol conspiraram a favor dos peladeiros! Anoildo identifica um conhecido de trabalho que também retornaria para o Brasil naquele dia! Ele não o conhecia direito e tampouco sabia seu nome. Mas naquele momento era a salvação! Depois de três minutos de um verdadeiro “cerca-lourenço”, ele parte para o ataque:

– Você pode levar parte da minha bagagem para o Brasil?

Depois da resposta positiva, aquele conhecido de empresa já havia se tornado o melhor colega de trabalho!

Tudo resolvido!!

Tudo caminhava bem. Já estava em Paris aguardando seu vôo para o Brasil, quando veio mais um desafio para o nosso peladeiro: ameaça de bomba no aeroporto e todos os vôos atrasados por três horas!! A pelada já era, pensou mais uma vez!

Ligou para o Roberto (o membro da comissão mais equilibrado) para passar os novos critérios de divisão de times.

– Você divide as duplas, discute com uns dois ou três e coloca em prática!! Não deixa o Guera surtar! O Giba só joga se fizer dupla com Zé Carlos Médico! O Godí tem que ser com o Nicolas! No caso do Patrick, é melhor torcer pra ele não ir!! Avisa pro Tiago Tevez que tem que se contentar com o Dadun ou com o Castelo!

Era triste estar de fora nesse momento! Mas fazer o que? Mais uma vez o abatimento já tomava conta quando seu vôo foi chamado com a redução de uma hora no atraso. Com isso, somado a um pouco de sorte, ainda daria tempo!!

O vôo aterrissou às 8h30 da manhã e a pelada começava às 10h! No melhor estilo, com toda sua habilidade de artilheiro, saiu furando todas as filas (imigração, bagagem e táxi) e 9h15 já estava no táxi a caminho da pelada.

Depois de negociar um pequeno incentivo para o motorista caso chegassem a tempo, foi a vez de ligar para casa e avisar que já tinha chegado no Brasil, mas o seu destino era outro. Mais alguns minutos de negociação, com a promessa de uma noite maravilhosa, seguiu para o Caxinguelê com o aval da esposa.

Hora de mais uma ligação, dessa vez para o clube onde a galera já estava chegando. Ligou para o Renato, seu maior rival na divisão dos times, e ouviu de imediato o tiro de misericórdia:

– Já fechou o quorum e o Roberto já começou a dividir os times.

Depois de 30 segundos de silêncio, disparou a pergunta:

– Tem convidados entre os 14 primeiros? 

E a resposta afirmativa foi mais uma ducha fria.

O silêncio tomou conta do táxi até a chegada ao clube. Assim que chegou, até o Canário, dono do bar e geralmente o primeiro a chegar não agüentou:

– Pô, Junior! Você é sempre um dos primeiros a chegar e logo hoje vai ficar de fora?

Naquela hora todo o filme da semana passou em sua cabeça rapidamente. Todo aquele esforço seria em vão? Teriam os deuses do futebol abandonado nosso peladeiro?

Nesse momento, em mais uma jogada de pura habilidade e com o apoio da “cartolagem” presente disparou.

– Nicolau, aquele ali é que é o convidado? 

 E o nosso Caixa d’Água respondeu positivamente, dizendo que o novo atleta foi trazido pelo Napoleão, seu genro.

– Mas o cara tá de bermuda de surfista e de meia tergal?

– Porra, você disse que era pra trazer convidado e agora fica de ironia? – retrucou Julinho.

– Mas ele joga bem? – insistiu

– Ele disse que tem o estilo do Sócrates – respondeu o Leozinho Doideira já em gargalhadas com o bombardeio de perguntas.

– Ele já pagou como convidado?

– Mas você chegou agora, como ele poderia ter pago? – disparou Alexandre, nosso pescador peladeiro.

E na estocada final, nosso personagem da semana concluiu:

– Não interessa se cheguei agora. Está inadimplente! Se está devendo, está fora!

Nesse momento, quase que implorando um aceno positivo dos mais veteranos, teve seu pedido e esforço reconhecido, e foi para o jogo!!!!

O REI DA MADRUGADA

texto: Sergio Pugliese | fotos: Celso Raedes


Time do restaurante Antiquarius

Roberto da Silva estacionou o BMW na porta de um dos restaurantes mais chiques da cidade e desceu com o peito estufado de orgulho. Há 14 anos a cena se repete. Só muda o modelo do carro, às vezes um Audi, um Jaguar, uma Mercedes… Roberto não é jogador de futebol famoso, sonho acalentado até os 21 anos quando trocou a camisa 10 do Jacarepaguá, time da segunda divisão carioca, por seu primeiro e único emprego até hoje, o de manobrista do Antiquarius, no Leblon. 

– Por causa da bola abandonei os estudos, perdi namoradas, fiquei cego. Mas um dia a ficha caiu – contou ele, que tem um Golzinho 2008. 

Para garantir o emprego, o fominha Roberto precisou de muita dedicação e, se já havia abandonado o futebol profissional, não tinha tempo nem para as peladas. Saía muito tarde e pela manhã fazia bicos. Sobrava a madrugada. E foi nela que investiu. Há 12 anos criou o campeonato entre restaurantes, que reúne cerca de 250 garçons de toda a cidade em jogos que vão até o sol raiar, em Rio das Pedras, Jacarepaguá, comunidade humilde onde nasceu e se criou. 

– Acho muito bom ver o nome de restaurantes tão badalados circulando pelo meu bairro. Muitos gerentes já vieram aqui assistir os jogos das finais – disse, orgulhoso, ao lado de Jorge Rocha, seu parceiro na organização do torneio. 

Com um time forte, o Antiquarius entra sempre como um dos favoritos, assim como o Fellini. Há alguns anos, estivemos no campo, na Praça da Associação, numa madrugada chuvosa, e comprovamos o sucesso do evento. Eram duas da manhã quando o primeiro jogo das semifinais, entre Fellini e Franz Café, ia começar. Centenas de pessoas, carrocinhas de cerveja e cachorro quente por todos os lados. Roberto não perdeu um lance. Sabia que os dois times eram grandes rivais e, por isso, prestou atenção na tática de cada um mesmo sendo ele a grande estrela do campeonato. Os adversários dizem que seu estilo lembra o de Válber, ex Vasco e seleção brasileira, mas seus ídolos inspiradores são Geovane, Romário e Bismarck, todos vascaínos como ele. No seu jogo, 4 x 3 no Devassa, da Barra.

– Lançamos talentos. O Iranildo, que brilhou no Flamengo, saiu daqui. Na época esse campo de grama sintética era um lixão e aqui nos divertíamos – lembrou, emocionado. 

 


 

Time do restaurante Fellini

Muitas transformações já foram conseguidas com o esforço dos próprios moradores. Além do torneio dos garçons, Roberto organiza outros tantos para crianças de diversas idades. Sabe a força do futebol para afastar os jovens das drogas e da violência. Seu novo projeto é montar uma escolinha, mas falta ajuda. Acostumado a lidar diariamente com empresários, ele sabe que a bola é a melhor arma para unir as classes sociais. 

– Os sócios e clientes vibram com nossos títulos. Nos campeonatos estamos no mesmo barco – ensina ele, que só reclama da falta de apoio da maioria dos donos de restaurantes. 

Hoje em dia, Roberto é mais cartola do que jogador e reconhece isso. Só fica bravo quando lhe chamam de “Eurico de Rio das Pedras”. Casado há 18 anos, quer um futuro promissor para seu filho Robertinho. 

– Só penso em paz e amor. Antes queria ser famoso – comentou. 

Nesse momento uma senhora gordinha, que ele sequer sabia o nome, lhe cumprimentou com carinho. Em seguida foi a vez de um senhorzinho passar a mão em sua cabeça e logo atrás cinco crianças gritaram felizes ao vê-lo. 

– Mas você é famoso! – emendou Reyes de Sá, da equipe do A Pelada Como Ela É. 

Ele se enroscou com a garotada e assumiu que os torneios lhe tornaram uma espécie de celebridade em Rio das Pedras. 

– As peladas têm esse poder. Elas constroem um caráter, provocam sonhos, reúnem grupos. Queria ser um profissional e hoje sou. Isso aí me encanta! – disse apontando com os olhos brilhando para o campo, seu Maracanã de Rio das Pedras, transbordando de gente feliz em plena madrugada de terça-feira.

A MISSÃO DE 70

por Sergio Pugliese

Em janeiro de 1970, numa terça-feira à noite, o bicampeão mundial Mário Jorge Lobo Zagallo calçava seu tênis sentado à beira da cama. No ombro, a camisa azul marinho com escudo de flores do time de ex-alunos do Colégio Marista São José, da Tijuca. Estava concentrado, pois tinha uma missão importante pela frente. Sua mulher olhou, desconfiada. Nesse ano, Zagallo era o homem mais importante do Brasil. Todas as lentes apontavam para ele. Acabara de substituir o jornalista João Saldanha no posto de técnico da seleção brasileira num mar de polêmicas. Sua responsabilidade era gigante e a imprensa cobrava resultados. Mas, naquele momento, tinha outro motivo para se preocupar. Precisava despachar de vez o Roxo, de Copacabana, adversário osso duro de roer, pela semifinal do Campeonato de Peladas do Aterro. Dois dia antes, um domingo, o jogo terminara 4×4 e, com centenas de pessoas se acotovelando para ver o “time do Zagallo”, o juiz se viu obrigado a transferir as cobranças de pênaltis para terça-feira.

– A regra da época determinava que apenas um jogador realizasse as cinco cobranças e eu era o batedor. Acredita, que mesmo naquele momento turbulento, fui ao Aterro à noite, uniformizado, só para bater os pênaltis? Fomos eu, o goleiro Paulo Sávio, nossos dois adversários e o juiz – recordou, feliz da vida.


Em destaque, Zagallo era o craque do time de ex-alunos do Colégio Marista São José, da Tijuca.

Nessa fase, Zagallo ainda tinha várias dúvidas sobre a escalação da seleção, uma delas se Paulo César Caju seria titular ou não. Mas o escrete do Marista São José, sabia de cor: Paulo Sávio, Ronald, Santoro, Olívio, Pereira, Miltinho, ele, Beto e Ferraro. O técnico, Elízio Pereira. Áureos tempos! Para tentar reviver um pouquinho dessa época, a equipe do A Pelada Como Ela É promoveu o encontro entre Ronald Carballo, o Carlos Alberto Torres do time, e o Velho Lobo. Os dois não se viam desde o jogo contra o Roxo, há 40 anos. Depois disso, os compromissos de Zagallo o impediram de prosseguir no campeonato.

– Quanto tempo, amigo! – suspirou Ronald, munido de fotos e crônicas da época.

Em poucos minutos, os parceiros de tantos anos pareciam dois meninos vasculhando a papelada. Encontraram preciosidades como a crônica de Nelson Rodrigues sobre um amistoso entre o Marista São José e o Adeg, timaço que contava com Esquerdinha, Nilton Santos e o goleiro Barbosa jogando na linha. Num dos trechos, o escritor diz “amigos, sempre confessei, sem nenhum pudor, a ternura que me inspiram as peladas. Elas são filhas de São Francisco de Assis”

A dupla estava encantada com as relíquias.

– Minha nossa, olha o Lima! O que o Ademir Queixada está fazendo aqui? O Castilho, o Pinheiro, meu Deus! – babava, Zagallo, de 79 anos.

– Lembra do Jajá, de Barra Mansa? – perguntava Ronald, de 75.

Os dois viajavam no tempo. O time dos ex-alunos do Marista São José entrou em campo pela primeira vez, em 1954. Dos fundadores, apenas Ronald Carballo continua na área. Ele conseguiu renovar o grupo e a pelada prossegue a todo vapor, agora sob responsabilidade de Guilherme Federal e Mauricinho Câmara. Na quadra do colégio foi construída uma história com pilares de aço. Ali, correndo atrás da bola, todos aprenderam valores importantes, como disciplina, caráter e união. Certa vez, Zagallo disputava um racha quando foi avisado que Admildo Chirol estava na arquibancada e precisava falar com urgência. Era 67 e o time principal do Botafogo ia muito mal. Admildo era o técnico e Zagallo cuidava dos juvenis, que iam muito bem, obrigado! Admildo, chorando, pediu ao amigo para assumir seu lugar. Zagallo se surpreendeu, esticou a conversa e topou com uma condição: ele seria seu preparador físico. Pacto feito!

– Ganhamos o campeonato de 67 e 68, e nossa dupla foi parar na Copa do Mundo. E tudo foi acertado numa pelada!!!! – divertiu-se.


Defendendo o Marista São José, Zagallo enfrentou ninguém menos que Ademir Menezes

Ronald Carballo ouvia as histórias, orgulhoso. Afinal, testemunhou momentos importantes dos bastidores do futebol brasileiro. Ele só temia perder o craque do time para o Botafogo e seleção brasileira. Mas Zagallo sempre conciliou. No Marista São José, era o motorzinho. Marcava, defendia e fazia um gol atrás do outro. Nas peladas da Rua Professor Gabizo, Tijuca, e entre as cocheiras do Derby Club, onde depois foi construído o Maracanã, o menino Zagallinho já chamava a atenção pelo vigor e técnica. Uma modernidade levada, com sucesso, das peladas para o juvenil do América, Botafogo e escrete canarinho. Sua forma de jogar revolucionou. Os críticos sempre tiveram que o engolir. Bem antes, mas muito antes, dele ter disparado o famoso “vocês vão ter que me engolir” para alguns jornalistas.

– Várias vezes comprei briga na rua quando ouvia alguém falar mal dele – garantiu Carballo.

Mas Zagallo fazia por merecer essa fidelidade. Um bicampeão mundial, idolatrado pela torcida e recém contratado para comandar a seleção brasileira, se dispor a bater pênaltis, à noite, no Aterro, para defender seu time de pelada não era para qualquer um. E Zagallo, como sempre, foi para vencer. Converteu os cinco pênaltis. Bola para um lado e goleiro para o outro em todos eles. Nesse dia ninguém do time conseguiu ir. Terça-feira à noite, chuvinha fina, a mulher no pé……….mas ele foi e comemorou muito com o goleiro Paulo Sávio. Deu socos no ar, cumprimentou os dois adversários derrotados, abraçou o juiz, enfim, classificou o time. Dias depois, viajou para o México. O técnico Elízio Pereira reconhecia que vencer o campeonato sem sua principal estrela seria uma missão duríssima. Mas Zagallo, para amenizar, prometeu conquistar um título mais polpudo, que unisse os 90 milhões de torcedores do país, numa corrente pra frente. E não deu outra. O Marista perdeu a final, mas quando o juiz apitou o fim de nosso 4 x 1 na Itália, no monumental Azteca, parece que todo o Brasil deu a mão e todos juntos, numa só emoção, ficamos roucos e choramos até cair. O craque do Marista São José mais uma vez cumprira sua palavra.

COM JEITO VAI

por Sergio Pugliese

“A nossa pelada, como é que ela é
Não tem precatada, só joga Pelé,
E a rapaziada cadencia a jogada:
É chapéu, elástico e bola virada

Ronaldos e Rivellinos com a bola no pé
Jogam sério, enfeitam, sem dar olé
A defesa, sisuda e mal encarada
Só bate na bola, arrepia, sem pancada

É a reunião do espírito da grande jogada
Ao fim da pelada, tem a encarnação
E os derrotados de cabeça abaixada
Também bebem a cevada, merecem perdão”

A equipe do Museu da Pelada resgata hoje um texto SENSACIONAL da antiga coluna “A Pelada Como Ela É”, de Sergio Pugliese!!!! Para entender a razão de tanta euforia, será necessário ouvir o delicioso samba acima, de Vitor Português e Leandro Samurai, composto em homenagem à coluna! É honra demais para esses humildes peladeiros!

Estivemos no Bar X-10, em Botafogo, para conhecer os autores e a roda de bambas, formada por atletas aposentados do Com Jeito Vai, timaço que marcou época no campo de grama rala do Palmeirinha, no Alto da Boa Vista. Foi difícil voltar para casa! Música de alta qualidade, Ângela, Gal, Beth e Valéria formando um corinho afinadíssimo de pastoras e cerveja estupidamente gelada. Dez, nota 10!!!!! 

O Com Jeito Vai sempre foi um time 50% futebol e 50% música. Junto com ataduras e caneleiras, os jogadores sempre levavam banjos e violões. Foram 15 anos de pelada da melhor qualidade. Mas de repente o número ficou contadinho e alguns atletas, como Nero do Pandeiro, só apareciam para a resenha. Para dar quórum alguns iam se arrastando, brigavam com a família e se estressavam com as namoradas. Manter viva uma pelada é tarefa para poucos. O organizador e botafoguense Victor Sereno tentou de tudo, mas quando ele mesmo precisou substituir o meião por meias Vivarina para tratar suas varizes sentiu o fim próximo.

– É doloroso admitir o fim de uma pelada. O grupo sempre foi unido, mas não houve renovação e tiramos o time de campo. Na verdade, trocamos o campo do time – explicou Sereno.

Compromissos e contusões torpedearam o Com Jeito Vai. O jornalista Aluizio Maranhão foi promovido e passou a “morar” na redação, Maurice, o Ferrolho Suíço, montou uma pousada em Ilhéus, na Bahia, Oscar Sznajder, o El Porteño, voltou para a Argentina e o querido Wilson Timóteo, o Tom, partiu dessa para melhor. Além disso, o cardiologista da turma, Dr. Wall, foi engolido pelos plantões, Alemão aprisionado pela namorada e Carlos Falcão, o Rato, levou uma caneta tão desconcertante de um velhinho, num jogo contra, que, humilhado, nunca mais deu as caras. A outra metade do time sofria com o famoso problema de junta. Junta tudo e joga fora! Mas nenhum deles admitia a hipótese de não se encontrar mais. Foi quando a resenha musical ganhou corpo, Victor Sereno revelou seu lado Chico Buarque, encarnou o caboclo Vitor Português e a pelada virou samba. E dos bons!!!!

– Na mesa do bar continuamos fazendo nossas tabelinhas e voltamos para a casa cansados do mesmo jeito – brincou Maranhão, enquanto dedilhava seu violão.

Aluizio tem razão. O Com Jeito Vai nunca se separou, nunca saiu de campo. Nossa equipe comprovou essa sintonia, no X-10. Ali, a turma saboreou as tirinhas de alcatra servidas pela garçonete Cremilda e iniciou a tarde musical com Trem das Onze, de Adoniran Barbosa, e emendou com Tá Legal, de Paulinho da Viola. Lima de Amorim caprichou no banjo e Arnaldo, no tan tan. Veio Malandro, de Jorge Aragão, e Zé do Pandeiro bateu mais forte, mas a cuíca de PJ gemeu alto foi com Nação, de João Bosco e Aldir Blanc. Mas naquele dia, todas essas obras primas ficaram em segundo plano quando Leandro Samurai caprichou no vocal e puxou “A nossa pelada, como é que ela é….”. Os pandeiros de Altair e Fernando fizeram o boteco tremer! Caramba, quanta emoção!

Me despedi dos novos amigos e caminhando pelas ruas de Botafogo ainda ouvi a voz das pastorinhas entoando “Deixa a vida me levar, vida leva eu”. Obedeci e fui em frente contagiado pelo clima de alegria e união da rapaziada do Com Jeito Vai.


COM JEITO VAI FOOTBALL CLUB. escalação: de pé da esquerda para a direita: Maurice (Ferrôlho Suiço), Oscar (Porteño), Aquilles, Dr. Wall, Arnaldinho, e Moreninho. Agachados, da esquerda para a direita: Mangaba, Vitor Português, Carlos Falcão (Rato), O saudoso Wilson Timóteo (Tom), Aluízio Maranhão (Maraca) e Chumaqui (em homenagem ao grande goleiro Schümacker da Alemanhã na época).

A TURMA DO MARINHO

texto: Sergio Pugliese | fotos: Reyes de Sá Viana do Castelo

Gerson, o Canhotinha de Ouro, fez um carnaval na defesa, driblou o goleiro-paredão Gil Rios e deixou o saudoso João Sergio com a missão de apenas empurrar a redonda para o gol, mas, vai entender, o chute possuído por algum efeito sobrenatural fez a coitadinha da bola mudar totalmente a direção e mergulhar nas águas da Praia de São Francisco. O campeão do mundo de 70 gritou “é brincadeira!”, jogou a camisa no chão e despediu-se: “Nunca mais volto aqui”. Mas quem consegue? Na semana seguinte lá estava ele, no Praia Clube, em Niterói, animando a resenha com o seu pandeiro, na companhia de Jair Marinho, outro campeão mundial, e de incontáveis amigos. Nossa equipe entendeu perfeitamente a quebra de palavra do ídolo. Não dá para ficar longe dessa rapaziada, turma do bem, liderada pelo engenheiro Edgar Chagas Muniz!! São dezenas de doidos que esbanjam felicidade, autênticos malucos-beleza que adoram estar juntos.


Jair Marinho beijando Edgar Muniz, organizador da pelada do Praia Clube, em Niterói.

– Babalu, desce mais uma!!!! – berrou Shubert. 

No dia de nossa visita a casa estava cheia, mas Babalu, o garçom, deu conta do recado. Na verdade, ali a casa está sempre cheia! O salão reunia quase 70 jogadores, uma grande família!!! A turma tem até jornal, O Racha, editado por Edgar, que também é mestre de cerimônias, fundador da pelada, artilheiro e violonista dos bons! O evento foi de alto nível! Estavam alguns presidentes do clube, como Henrique Miranda Santos, e o primeirinho de todos, quando a história começou há 32 anos, Onofre Bogado. O Praia Clube era apenas um quiosque no meio do nada e hoje seus fundadores Edgar, Fabiano, Cesar Maia, Huguinho, Nelson, Gil Rios e Ney Vargas mostram orgulhosos cada espaço construído, com destaque para o porrinhódromo e, claro, o belo campo soçaite, de grama sintética, onde todas às noites de quinta-feira, os veteranos craques viram crianças. 

– Nosso lema é Saúde, Paz, União e Força no Vergalhão! – gabou-se o analista jurídico Cesar Maia. 

Disposição realmente não falta ao grupo. No embalo de Cássio (vocal) e de Marcílio Tanaka (bandolim), músico que, entre outras feras, já tocou com Zeca Pagodinho e Beth Carvalho, a rapaziada não olhava para o relógio. Então, Fabiano, de 67 anos, abraçado ao filho Fabson, de 43, e ao neto Fabinho, de 11, puxou o hino do time: “É quinta-feira, por favor não esqueça, não me segura pois estou em cima da hora, no Praia Clube vou fazer minha cabeça e se eu me atraso rola a bola e eu tô fora. Não gosto de te ver chorando, mas tô me mandando, só vou relaxar…”. 

– É uma espécie de homenagem às nossas mulheres – brincou Merinho, craque do time. 

Num canto da festa, Reyes de Sá Viana do Castelo, da equipe do Museu da Pelada e corintiano apaixonado, chorou ao ver Jair Marinho, campeão mundial, em 62. Ele faz parte de uma terceira geração de fãs do craque, que começou com seu bisavô Paulo, torcedor da Portuguesa, e passou por seu avô Raul, também Coringão. Por isso, se emocionou ao ouvir Jair contando sobre Pampolini, Ivair, Dino Sanni e Rivellino. Sobre Jair Marinho, no entanto, os amigos ignoram o passado de glória e preferem lembrar o dia em que ele escondeu a dentadura de um parceiro dentro do copo de cerveja de Gerson, o Canhotinha. Após a descoberta foi tudo parar dentro da piscina. Jair fez cara de moleque e deu um beijo carinhoso em Huguinho. 

– Aqui todos somos iguais e até podemos reclamar dos lançamentos errados do Gerson – resumiu Cesar Rizzo, consagrado locutor, criador do bordão “Sacudindo, sacudindo a galera!”. 

O churrasqueiro Jonas continuava queimando carne. Há 25 anos no clube, ele conhece o apetite da turma. O cardiologista Ciro Herdy tentava controlar o consumo de gordura. Esse conhece o colesterol da turma! Mas ninguém ouvia mais nada. Sinval, sósia de Gerson, se despediu. Aproveitamos o embalo e fomos juntos, com a felicidade de ter descoberto mais um cantinho recheado de felicidade!.


Os craques do time posam para foto