texto: Sergio Pugliese | fotos: Celso Raedes
Roberto da Silva estacionou o BMW na porta de um dos restaurantes mais chiques da cidade e desceu com o peito estufado de orgulho. Há 14 anos a cena se repete. Só muda o modelo do carro, às vezes um Audi, um Jaguar, uma Mercedes… Roberto não é jogador de futebol famoso, sonho acalentado até os 21 anos quando trocou a camisa 10 do Jacarepaguá, time da segunda divisão carioca, por seu primeiro e único emprego até hoje, o de manobrista do Antiquarius, no Leblon.
– Por causa da bola abandonei os estudos, perdi namoradas, fiquei cego. Mas um dia a ficha caiu – contou ele, que tem um Golzinho 2008.
Para garantir o emprego, o fominha Roberto precisou de muita dedicação e, se já havia abandonado o futebol profissional, não tinha tempo nem para as peladas. Saía muito tarde e pela manhã fazia bicos. Sobrava a madrugada. E foi nela que investiu. Há 12 anos criou o campeonato entre restaurantes, que reúne cerca de 250 garçons de toda a cidade em jogos que vão até o sol raiar, em Rio das Pedras, Jacarepaguá, comunidade humilde onde nasceu e se criou.
– Acho muito bom ver o nome de restaurantes tão badalados circulando pelo meu bairro. Muitos gerentes já vieram aqui assistir os jogos das finais – disse, orgulhoso, ao lado de Jorge Rocha, seu parceiro na organização do torneio.
Com um time forte, o Antiquarius entra sempre como um dos favoritos, assim como o Fellini. Há alguns anos, estivemos no campo, na Praça da Associação, numa madrugada chuvosa, e comprovamos o sucesso do evento. Eram duas da manhã quando o primeiro jogo das semifinais, entre Fellini e Franz Café, ia começar. Centenas de pessoas, carrocinhas de cerveja e cachorro quente por todos os lados. Roberto não perdeu um lance. Sabia que os dois times eram grandes rivais e, por isso, prestou atenção na tática de cada um mesmo sendo ele a grande estrela do campeonato. Os adversários dizem que seu estilo lembra o de Válber, ex Vasco e seleção brasileira, mas seus ídolos inspiradores são Geovane, Romário e Bismarck, todos vascaínos como ele. No seu jogo, 4 x 3 no Devassa, da Barra.
– Lançamos talentos. O Iranildo, que brilhou no Flamengo, saiu daqui. Na época esse campo de grama sintética era um lixão e aqui nos divertíamos – lembrou, emocionado.
Muitas transformações já foram conseguidas com o esforço dos próprios moradores. Além do torneio dos garçons, Roberto organiza outros tantos para crianças de diversas idades. Sabe a força do futebol para afastar os jovens das drogas e da violência. Seu novo projeto é montar uma escolinha, mas falta ajuda. Acostumado a lidar diariamente com empresários, ele sabe que a bola é a melhor arma para unir as classes sociais.
– Os sócios e clientes vibram com nossos títulos. Nos campeonatos estamos no mesmo barco – ensina ele, que só reclama da falta de apoio da maioria dos donos de restaurantes.
Hoje em dia, Roberto é mais cartola do que jogador e reconhece isso. Só fica bravo quando lhe chamam de “Eurico de Rio das Pedras”. Casado há 18 anos, quer um futuro promissor para seu filho Robertinho.
– Só penso em paz e amor. Antes queria ser famoso – comentou.
Nesse momento uma senhora gordinha, que ele sequer sabia o nome, lhe cumprimentou com carinho. Em seguida foi a vez de um senhorzinho passar a mão em sua cabeça e logo atrás cinco crianças gritaram felizes ao vê-lo.
– Mas você é famoso! – emendou Reyes de Sá, da equipe do A Pelada Como Ela É.
Ele se enroscou com a garotada e assumiu que os torneios lhe tornaram uma espécie de celebridade em Rio das Pedras.
– As peladas têm esse poder. Elas constroem um caráter, provocam sonhos, reúnem grupos. Queria ser um profissional e hoje sou. Isso aí me encanta! – disse apontando com os olhos brilhando para o campo, seu Maracanã de Rio das Pedras, transbordando de gente feliz em plena madrugada de terça-feira.
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