por Rubens Lemos

Geovani era um esteta do futebol. Dos seus pés saíam versos imaginários para Roberto Dinamite, Romário, Bebeto, Edmundo e todos os artilheiros com os quais dividiu ribalta nas décadas de 1980 e 1990. Geovani pisava macio e elegante. É meu maior ídolo. Somos amigos fraternos há 12 anos e nunca vi qualquer astro do esporte tão simples quanto ele.
Geovani ensinou prazer no ato de criação de meio-campo. Batia de direita com suavidade e com charme, arrematava de esquerda. Um craque com cinco títulos em doze anos de carreira no Vasco. É, historicamente, o melhor armador do clube em todos os tempos, verdade computada em diversas pesquisas em que a eleitora foi a sagrada torcida no seu passionalismo certeiro.
Aos 60 anos, Geovani dribla a cada dia os efeitos de uma polineuropatia, espécie de câncer na coluna que atacou seu corpo humano, mas não lhe tirou a capacidade de lutar no jogo da vida. É uma doença rara e grave, que fragilizou fisicamente o Pequeno Príncipe, designação nobre ao estilo clássico do craque.
Geovani nem queria ser atleta. Nasceu com uma perna quebrada e rejeitou o primeiro convite para testes na Desportiva Ferroviária, seu clube de origem em Vitória(ES). Seu pai, seu Sebastião Conrado, insistiu e colaborou profundamente para a história da bola convencendo o filho a seguir em frente.
Então, Geovani foi jogar no Vasco em 1981, disputa vencida com o Flamengo de Zico, de quem o candidato a herói logo passou a ser chamado de sucessor. Geovani atuava mais recuado, como segundo homem da Academia de Letras do Futebol ali pelos labirintos da meiúca.
Aos 18 anos incompletos, encantando todo o Almirantado do Heroico Português, passou a titular, destronando ídolos como Dudu e Elói, heróis dos saudosos anos oitenta. Geovani fazia do passe uma mensagem romântica e seus lançamentos tinham a precisão de um sniper de guerra. Jamais erravam o alvo.
Um ano depois, o mundo caiu aos seus pés de pluma. O Brasil, com uma geração fantástica, conquistou o campeonato mundial da categoria Sub-20 ao derrotar a Argentina na decisão por 1×0, gol de Geovani, eleito o melhor do mundo na competição e também artilheiro. Estava nascendo o semideus de São Januário.
Mas havia obstáculos domésticos a vencer. Geovani sofreu nas mãos de treinadores que adotavam o futebol-força, de marcação e trombadas, parando no banco e ameaçando ir embora do Vasco, que nunca aceitou vendê-lo.
A grande temporada de Geovani foi a de 1988 quando chegou a craque do ano com o voto decisivo de Zico e a terceiro melhor jogador das Américas, perdendo apenas para Maradona e o uruguaio Ruben Paz. Na vaga de Paz, ele merecia ter ficado.
O capítulo Copa do Mundo foi traumático para o gênio pequenino de andar de comboy. Em 1986, em grande forma, viu a seleção brasileira levar brucutus do naipe de Elzo e Alemão e uma companhia envelhecida remanescente da derrota de 1982.
Pior fez Sebastião Lazaroni em 1990. Quando foi contratado pela CBF, um ano antes, anunciou que seu escrete seria Geovani e “mais dez”. campeão da Copa América em 1989, depois de ter sido o melhor das Olimpíadas de 1988 em Seul, Geovani ficou fora da lista dos 22 convocados para o Mundial da Itália.
Quando estava encerrando sua passagem pelo Vasco, em meados de 1995, Geovani teve tempo de fazer parte do mesmo time de Pedro Paulo de Oliveira, o Pedrinho, ex-jogador de futsal de habilidade desconcertante com a pata canhota. Pedrinho, aos 17 anos, Geovani aos 31, formaram no mesmo time que disputou o Campeonato Brasileiro 30 anos atrás.
Pedrinho foi brilhante, campeão da Libertadores e é um dos ídolos históricos do Vasco. Agora, preside o clube e, na semana passada, homenageou Geovani quando o Vasco enfrentou o Volta Redonda em Cariacica(ES). Geovani, debilitado, resistente e ovacionado. Dois craques. Na bola e na índole. Quer prestar homenagem, que se faça como Pedrinho a Geovani: em vida.
0 comentários