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O ARTISTA QUE NOS UNIU

1 / setembro / 2021

A história de um ídolo dentro e fora dos campos

 por Pedro Barcelos 


No dia 10 de julho de 1980, o Brasil perdia um de seus principais pintores, Francisco Rebolo. Porém, para além disto, o Corinthians perdia um de seus principais artistas. Nascido na Mooca, em 1902, Rebolo pode ser retratado de diversas formas, mas nós sempre iremos reverenciá-lo como o artista do escudo.

Ainda moleque, ouviu seus pais se queixarem da falta de grana em casa. A situação estava complicada. Pensando como poderia ajudá-los, não tardou a seguir uma carrocinha que passava pela rua enquanto jogava uma pelada. Foi com ela até seu destino final, crente que desta jornada conseguiria algum trampo que amenizasse a carência doméstica. Destinado, conseguiu assim seu primeiro trabalho: pintor de paredes.

Mesmo atarefado com os serviços recém-demandados, não deixou de jogar bola nas várzeas paulistanas. Na época, os clubes da Liga (de elite) e de várzea continham os mesmos jogadores. O homônimo corintiano, por exemplo, se chamava Botafogo, time formado por espanhóis da rua Santa Rosa (no Brás) que eram majoritariamente donos de armazéns de secos e molhados. O Paysandu jogava com o nome de Argentinos, na Rua do Glicério, que pela proximidade de casa, Rebolo acabou integrando. Após um tempo, Tobias, outro pintor de paredes, chamou Francisco para integrar o São Bento, que seria seu primeiro time da Liga. 

O ano de 1922 poderia ficar marcado para os artistas da época como o marco da arte modernista no Brasil, mas Rebolo nesta época era apenas um pintor de parede e seu foco artístico estava mais para o futebol. Seu ingresso no Corinthians, time que sempre torceu, aconteceu de forma curiosa. Contratado para pintar uma parede na sede do clube, Neco (jogador da seleção brasileira e um dos maiores ídolos da história do clube), reclamou: “Você vem aqui tirar o nosso dinheiro como pintor do salão e joga lá no São Bento?” A solução para o problema veio com o passe de Rebolo e o título do Campeonato Paulista daquele ano (Taça do Centenário da Independência), jogando de ponta-esquerda.


Sua passagem como atleta pelo seu time do coração não foi longa, durou apenas cinco temporadas. Após este período, ainda jogou no Ypiranga até se aposentar dos gramados. Porém, sua principal contribuição ao futebol ainda estava longe de acontecer.

Sua carreira de pintor de quadros decolava, sendo reconhecido cada dia mais como um dos principais artistas brasileiros. Junto com outras importantes figuras da época, criou o Grupo Santa Helena em seu ateliê na Praça da Sé. Era um grupo de artistas autodidatas notáveis. Prova disto, quando perguntado em uma exposição sobre se conhecia Cézanne, retrucou: “É corintiano? Mora em qual rua?”

Em 1936, finalizou aquela que seria uma das suas principais gravuras sobre futebol, estampando a capa do livro “O Negro no Futebol Brasileiro”, de Mario Filho. O autorretrato (ele vestindo branco e preto, óbvio) ganhou fama também por ilustrar um negro jogando futebol com as cores nacionais, algo ainda pouco recorrente na época. 


No entanto, foi em 1939 que seu nome ficaria para sempre marcado na história do Corinthians. Alguns dirigentes e amigos que ele mantinha no clube o procuraram para resolver uma questão: o clube agora também tinha equipe de regatas e o emblema do época não embarcava nesta novidade. Rebolo, então, pintou o escudo novo em toda a sede do Parque São Jorge.

O tempo passou e o clube deixou de ser apenas um coletivo de bairro para ter proporções mundiais. Após o pentacampeonato brasileiro, o escudo começou a ficar ofuscado pela quantidade de estrelas na camisa. Em 2011, o clube resolveu a questão com a seguinte nota: “Se título cada um tem o seu preferido, o emblema é único. É o belíssimo desenho de Rebolo que une todos os corintianos em torno de uma única paixão. É o escudo que nos protege dos adversários. É o distintivo que nos distingue dos outros. A camisa continuará com o escudo na altura do coração. Agora, até maior. E, do lado de dentro, no coração de cada um, continuará a brilhar a estrela preferida”.


No mesmo livro que Rebolo publicou sua gravura mais famosa sobre o esporte, Gilberto Freyre apresenta no prefácio uma famosa distinção entre o futebol-ciência (oriundo da Europa, com ênfase no jogo coletivo) e o futebol-arte (brasileiro, individualista, empírico). Esta diferença se acentuou com o tempo, ganhando relevância ainda mais notória após os três primeiros títulos mundiais brasileiros, porém, de todas as profecias possíveis para o futebol-arte, nenhuma consegue contemplar este personagem: pintor moderno, jogador ousado e desenhista do maior símbolo corintiano. Se falta arte para o nosso futebol contemporâneo, não falta história para as artes do passado.

Salve, Francisco Rebolo!

Salve o Corinthians!

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