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O CORINGA

por Elso Venâncio 

O excelente livro “O negro no futebol brasileiro”, do jornalista Mário Filho, sugere reflexões sobre a luta e a importância dos negros, que sofrem historicamente com a discriminação

Em boa hora, o Flamengo tem valorizado um ídolo negro, agora com importância também reconhecida pelo italiano Carlo Ancelotti. Gerson teve o contrato renovado com seu clube até dezembro de 2030 e, nesta segunda-feira (26), apareceu na primeira convocação do novo técnico da Seleção Brasileira. Mesmo com Arrascaeta sendo um dos destaques e o artilheiro do Campeonato Brasileiro, o Coringa simboliza hoje o torcedor rubro-negro em campo. O estafe do camisa 10 uruguaio queria prorrogar seu contrato, que termina em dezembro de 2026, assim como ocorreu com Gerson, cujo acordo anterior era até o final de 2027. Porém, a negociação do Flamengo com Arrascaeta saiu de pauta, pelo menos no momento. Por mais que Arrasca tenha sido o goleador, Gerson é o capitão e líder do time. Raçudo, carismático e sempre lembrado para a Seleção, tem apenas 28 anos, com enorme potencial para continuar fazendo história.

O excelente livro “O Negro no futebol brasileiro”, do jornalista Mário Filho (que empresta seu nome ao Maracanã), sugere reflexões sobre a luta e a importância dos negros, que sofrem historicamente com a discriminação. Nos cinco títulos mundiais conquistados pelo Brasil, os maiores nomes foram Didi (1958), Garrincha (1962), Pelé (1970), Romário (1994) e Ronaldo Fenômeno (2002), todos eles negros.

Numa demonstração de apoio ao movimento antirracista, o Flamengo tem lançado campanhas relacionadas ao tema. O projeto Fla Master 2025, por exemplo, promete resgatar o passado, incluindo ídolos negros que não podem ser esquecidos. Jarbas “Flecha”, Domingos da Guia, Dr. Rúbis, Adílio, só para lembrar poucos e evitar injustiças. Fio Maravilha já foi exaltado, mas três craques eternos deixaram a Gávea precocemente, magoados.

Figura marcante no primeiro tricampeonato carioca do Flamengo, em 1942, 1943 e 1944, o gênio Zizinho sucedeu Leônidas da Silva, outro fera da bola, inventor da bicicleta. Sem ser consultando, o Mestre Ziza acabou negociado com o Bangu, que passou a ser tratado como time grande a partir da chegada do ídolo de Pelé. 

Outro caso emblemático é o de Silva, que, na década de 1960, após quatro anos e muitos gols no Corinthians, foi emprestado ao Flamengo, clube que se tornaria sua paixão e pelo qual conquistou o Carioca de 1965. Natural de Ribeirão Preto, Walter Machado da Silva foi convocado para a Copa do Mundo de 1966, na Inglaterra, chegando a formar o ataque brasileiro com Jairzinho e Pelé. O eterno Jorge Curi, na época locutor da Rádio Nacional, o apelidou de “Batuta”. Mas Silva não se sentia prestigiado no Flamengo,  a ponto de ir para o Racing Club, onde se tornou o único brasileiro a ser artilheiro do Campeonato Argentino, em 1969. Antes da adaptação para o chamado padrão FIFA, o Estádio Presidente Perón (El Cillindro), em Avellaneda, tinha um enorme pôster fotográfico do craque: “El Ídolo Machado da Silva”.

Não se pode esquecer de Paulo Cézar Caju, apontado por Pelé, no fim da carreira, como seu substituto. Revelado pelo Botafogo, Caju foi tricampeão mundial pela Seleção Brasileira em 1970 e, em 1972, comprado pelo Flamengo. Fez história ao vencer o Fluminense de Gérson, o Canhotinha de Ouro, no Fla-Flu decisivo daquela temporada, encerrando o jejum rubro-negro de sete anos sem o título carioca. Dois anos mais tarde, Paulo Cézar acabou vendido para o Olympique de Marseille em plena Floresta Negra, na Alemanha, na Copa do Mundo de 1974. Com isso, o Flamengo (que tinha Zico, Caju e Geraldo Assoviador) passou a ter dois craques. Após o falecimento precoce de Geraldo, com apenas 22 anos, em 1976, Zico assumiu a liderança da sua geração, imortalizada com o maior título da história rubro-negra: o do Mundial de Clubes de 1981, em Tóquio.

O DIA EM QUE ESCOLHI O BOTAFOGO

por Sergio Luiz Monteiro

De família majoritariamente tricolor, infiltrada por alguns poucos elementos do “clube da Gávea”, eu tinha tudo mesmo pra continuar sendo Fluminense… mas Jacira, a empregada (vascaína) da minha casa, arranjou um namorado que era paraense, torcedor do Paysandu e no Rio, um fanático alvinegro. Ele começou a me abordar com camisas, flâmulas, bandeiras, e principalmente, papos com maravilhosas histórias sobre o Glorioso… e de histórias, o Botafogo sempre foi insuperável… mas sabem quando eu me tornei de fato, botafoguense?

Demonstrando talvez alguma fragilidade emocional e antecipando os seríssimos problemas psicológicos, de autoestima, e existenciais que viriam a ser ratificados posteriormente, foi na decisão do carioca de 1971, rodeado por uma multidão tricolor ensandecida, e observando do outro lado da arquibancada, a torcida botafoguense se retirando, atônita, inconformada, desolada, com o lance do gol irregular no final da partida, que eu tive um estranho — àquela altura — sentimento de identificação com esse sofrimento íntimo, injusto e acolhedor: e naquele sublime instante eu me tornei, com todas as forças, delírios, desânimos, decepções e orgulhos… um legítimo torcedor do Botafogo de Futebol e Regatas…

JOGOS INESQUECÍVEIS – ARGENTINA 0X0 BRASIL, EM 1978

por Luis Filipe Chateaubriand

A partida, válida pela segunda fase da Copa do Mundo de 1978, foi realizada em Rosário, na Argentina, país-sede do torneio. O jogo épico ficou conhecido como a célebre “Batalha de Rosário”.

De um lado, a formidável Argentina com Mário Kempes, Daniel Passarella, Osvaldo Ardiles, Daniel Bertoni e o goleiro Ubaldo Matildo Fillol. Do outro, o Brasil com Dirceu, Roberto Dinamite, Jorge Mendonça, Zico (que entrou no decorrer do jogo) e Émerson Leão.

O confronto foi nervoso. O Brasil teve boas chances com Gil e Roberto Dinamite, mas todas foram defendidas pelo mítico Fillol. A melhor chance, no entanto, foi da Argentina, com Ortiz chutando para fora, livre na área.

O empate por 0 x 0 foi justo. Contudo, o técnico brasileiro Cláudio Coutinho, gênio tático, cometeu um grande erro: acreditou que empatar seria um bom resultado e escalou uma formação mais defensiva, retirando Toninho Cerezo e optando pelos volantes Batista e Chicão.

Essa estratégia custou caro: o empate permitiu que a Argentina goleasse o Peru por 6 x 0 — resultado considerado eticamente discutível — e avançasse à final no lugar do Brasil.

Se o Brasil tivesse adotado uma postura mais ofensiva e vencido, teria disputado a final da Copa. Não venceu, e o resto é considerado “conversa fiada” e desculpas típicas.

ZARANI – O IMORTAL

por Rico

Foto: Marcelo Tabach

Senhores, levantem-se. É noite de gala no velho salão. As luzes amarelas tremeluzem como lamparinas, o rádio chiando ao fundo toca Waldir Calmon, e lá vem ele… Zarani, de camisa para dentro e a alma para fora, pronto pra dançar com a bola no compasso da paixão. Em 1951, tempo de calçadas largas e bondes tagarelas, de moças de vestido florido e rapazes de gomalina no cabelo. O América era mais que um clube – era bandeira pendurada na janela nos domingos de sol, era lágrima e sorriso no mesmo apito final. ZARANI era América. De corpo fechado e coração aberto. Queria jogar no campo do clube do coração, mas o portão estava trancado ao sonho dos meninos. Que fez ele? Rasgou a proibição com dribles e poesia. No estacionamento, entre pedras e carros de chapa brilhando ao sol, a bola rolava como se o mundo dependesse dela. Cordine, o carrão vaidoso da época, virou poste, driblado com malícia e respeito. Mas o chão machucava. E como todo gênio simples, ZARANI viu além: “ Vamos pro salão de festas. “ e o que era improviso virou invenção. Assim nasceu o Futebol de Salão. Num espaço de encontros, gargalhadas e passos apressados, a bola ganhou nova cadência, e os pés, novas histórias. Foi então que ele virou mais que jogador. Foi professor sem diploma, cronista sem jornal, poeta dos passos curtos, arquiteto das jogadas impossíveis. Fundaram a Federação – mas quem fundou o espírito foi ele. Com sua voz mansa, sua paixão eterna, ZARANI desenhou com os pés e as mãos o mapa da nossa saudade. No dia 11 de Maio de 2020, o tempo, esse árbitro severo, apitou sua saída. Mas quem conhece o jogo sabe: os IMORTAIS não deixam o campo, eles viram lenda. Hoje em cada quadra de madeira gasta, em cada criança que sonha com a bola leve, há um pedaço de ZARANI. Há um aplauso em silêncio. Há uma reverência sem fim. A ele os sinos do passado dobram. A ele, o AMÉRICA chora e sorri. A ele, o salão se curva em respeito e ternura. Esse é ZARANI. Esse é IMORTAL.

TOSTÃO DERROTA O REI

por Elso Venâncio

O fantástico Cruzeiro de Tostão mudou a cultura do futebol brasileiro. Antes do Esquadrão que brilhou na decisão da Taça Brasil de 1966, só eram convocados para a Seleção Brasileira jogadores do eixo Rio-São Paulo

O Cruzeiro de Tostão, Piazza e Dirceu Lopes foi um dos maiores esquadrões do mundo da bola. Brilhou na década de 1960, mudando a cultura do nosso futebol, que antes se resumia às forças dos times cariocas e paulistas. Tostão tornou-se o primeiro atleta de Minas Gerais a ser convocado para um Mundial jogando por um clube mineiro. Ele não só disputou, como era um dos principais jogadores do Brasil na Copa do Mundo de 1966, na Inglaterra.

A Seleção Brasileira que conquistou o tricampeonato mundial no México, em 1970, tinha dois titulares do Cruzeiro. Tostão e Piazza foram escalados em novas funções. Eleito pelos ingleses “o

maior jogador da Copa”, Tostão era meia e, por ser da mesma posição de Pelé, jogou adiantado, como precursor do falso centroavante. Já Piazza, titular no meio-campo com João Saldanha nas Eliminatórias, passou a formar a zaga de área com Brito quando Zagallo assumiu, a menos de três meses do

Mundial. O técnico surpreendeu ao cortar Dirceu Lopes, posteriormente conhecido como “o craque que não jogou Copa”.

Raul; Pedro Paulo, Willian, Procópio e Neco; Piazza e Dirceu Lopes; Natal, Evaldo, Tostão e Hilton Oliveira. Foi com essa formação que o Cruzeiro começou a decidir a Taça Brasil de 1966, equivalente ao Campeonato Brasileiro de hoje, e chocou o país do futebol ao golear o Santos, o maior time

do mundo na época, por 6 a 2. Um jogo histórico, disputado no dia 30 de novembro, no Mineirão. Dirceu Lopes foi o destaque, marcando três gols.

Na partida de volta, no Pacaembu, o Santos venceu o primeiro tempo por 2 a 0, gols de Pelé e Toninho Guerreiro. No intervalo, o folclórico Mendonça Falcão, presidente da Federação Paulista, e o presidente do Santos, Athiê Jorge Coury, procuraram Felício Brandi sugerindo o terceiro jogo (tira-teima) no Maracanã. Irritado, o presidente do Cruzeiro foi para o vestiário e, aos gritos, contou o ocorrido e motivou seus jogadores. A medida funcionou, pois no segundo tempo os mineiros reagiram, dominaram os adversários e viraram de forma espetacular, com gols de Tostão, Dirceu Lopes e Natal. Desta forma, a Raposa desbancou a hegemonia do Santos e conquistou o seu primeiro título nacional.

No vestiário, após a conquista, o craque Tostão lembrava emocionado que, antes da Copa na Inglaterra, seu pai queria realizar o sonho de conhecer Pelé e foi a Caxambu, no sul de Minas, onde a Seleção treinava. Ao ser apresentado pelo filho ao Rei do Futebol, Seu Oswaldo chorou como criança. Agora, Tostão tinha derrotado o ídolo do pai. A repercussão foi tão grande que a imprensa passou a discutir sobre qual era o grande time do planeta: o Santos, de Pelé; o Real Madrid, de Di Stefano; ou o fantástico Cruzeiro, de Tostão.

Eduardo Gonçalves de Andrade, o Tostão, deixou os gramados aos 26 anos, em 1973, menos de um ano após ser comprado pelo Vasco. O motivo foi uma  inflamação na retina, que o incomodava desde a conquista do tricampeonato pelo Brasil. Revelado pelo América Mineiro, o maior jogador da história do Cruzeiro formou-se em medicina. Atualmente, Tostão está com 78 anos e mora em Belo Horizonte.