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ENTÃO RESCINDE

por Idel Halfen


Um dia após fazer o lançamento dos novos uniformes, em tese para 2020, o Cruzeiro anunciou que irá rescindir o contrato com o fornecedor.

Apesar de estranho em função do espaço de tempo, trata-se de um direito que ambas as partes contemplam em contrato. Faltou acrescentar à informação acima que não apenas a coleção era nova, mas também o fornecedor, pois, seria a estreia da Adidas no clube mineiro em substituição à Umbro.

A inusitada situação lança luz sobre as mudanças que o mercado de fornecimento de material esportivo vem passando nesses últimos anos.

Após um aquecimento causado não apenas por uma avaliação um pouco distorcida sobre o retorno dos investimentos, mas também, no caso do Brasil, pela proximidade de megaeventos como Jogos Olímpicos e Copa do Mundo, as marcas passaram a ser mais criteriosas em suas ações e propor modelos de negócios diferentes.

Se no passado os principais clubes recebiam das marcas valores fixos mais variáveis baseados em performances esportivas e de vendas, além de um número de peças de vestuário que permitia suprir com folga suas necessidades, agora a maioria ganha basicamente a parte variável e/ou as peças – mesmo assim numa quantidade inferior ao que era no passado.


É natural que toda mudança traga insegurança e insatisfação em um primeiro momento, o que se agrava em clubes de futebol, pois as alterações costumam ocorrer em mandatos presidenciais diferentes, o que deixa a gestão que sofre a mudança vulnerável quando comparada com a anterior. Em resumo, além do impacto que é causado no orçamento em função da redução de receitas, há que se justificar internamente pelo ocorrido, pois, certamente será colocado em dúvida o poder de negociação dos envolvidos.

O problema se agrava na medida em que não há mais muitos caminhos para buscar por se tratar de um movimento das marcas globais, o qual acaba se refletindo nas menores. Diante desse quadro, passa a surgir como opção as chamadas “marcas próprias”, aliás, bastante forte no Brasil.

Os clubes que aderiram a essa “modalidade” se dizem satisfeitos, devendo ser ressaltado que nenhum deles está entre os chamados doze grandes e tampouco têm parte significativa da torcida fora do próprio estado.

Dessa forma fica difícil afirmar se, caso o Cruzeiro venha a optar por ter uma marca própria, ele conseguirá tão bons resultados, até porque, uma marca global traz entre seus benefícios intangíveis o conceito de co-branding – a associação com marcas de relevância.


O mais curioso nessa história é que os clubes que optam pelas “marcas próprias” usam como uma das justificativas para a troca: “a distribuição ruim das grandes marcas”, e o pior é que tanto a imprensa quanto a opinião pública embarcam nesse sofisma, certamente por desconhecerem que para haver distribuição é necessário que o varejo compre, isto é, para o produto chegar ele precisa ser pedido. Partindo desse corolário, um clube como o Cruzeiro deve refletir bastante se será capaz de ter uma equipe comercial que atenda boa parte dos pontos de vendas onde precisa estar presente para suprir seus torcedores e, aí sim, se terá condições de entregar.

Independentemente dos desafios que se enfrentará com esse tipo de fornecimento, a avaliação sobre sua efetividade passa antes de tudo por um comparativo entre as alternativas disponíveis – se é que existem -, tal avaliação deve vir despida de qualquer tipo de paixão ou parametrização com o que era no passado, e tendo como premissa básica a consciência de que o mercado mudou.

‘DE LOUCO E FELINO, TODO GOLEIRO TEM UM POUCO’

por André Felipe de Lima


“Comecei como o fazem todos, ou seja, correndo atrás de uma bola pelas ruas ou pelos campos de várzea. Até que um belo dia, lembro-me bem, pois tinha 10 anos de idade, houve um pênalti contra o nosso lado. Eu atuava na extrema direita, porém o nosso arqueiro abandonou o posto no momento da cobrança da falta. Como naquele jogo valia tudo, fui para o arco ver se conseguia defender. Um ‘grandão’, moreno, com um corpo bastante avantajado, correu e soltou um tremendo balaço de pé direito. Vi que a bola vinha como um foguete e, rapidamente, saltei de encontro à menina. Senti um impacto na cabeça e caí. Depois de ficar atordoado por uns instantes, voltei ao estado normal, em meio a abraços e vivas dos meus companheiros. Tinha defendido com uma cabeçada — aqui entre nós, sem querer… — rebatendo o couro para o meio do campo. Depois dessa, meteram-me na cabeça que eu devia ser goleiro.”

O ex-goleiro Luiz Moraes, o “Cabeção”, cujo apelido não poderia ser outro, nasceu em São Paulo, no dia 23 de agosto de 1930. No gol do Corinthians, na década de 1950, foi o grande rival do inesquecível Gylmar dos Santos Neves, que era exatamente um dia mais velho que ele. “Fiquei sendo Cabeção, simplesmente, e chego ao cúmulo de sentir estranheza quando alguém de chama de Luiz. Luiz Moraes, para mim, é um nome diferente e assume ares de importância”, declarou Cabeção, quando começava a despontar no time do Corinthians.

O pai, o português Adolfo, um mecânico e corintiano não muito convicto, pois não era muito fã do futebol, queria, contudo, vê-lo um dia jogador, mas a mãe, a brasileira Josefina, sempre se mostrou um pouco contrariada com o propósito. Como impedir, porém, o filho, que ainda bem pequeno, gritava pelos pulmões “Gol!!! Gol de Teleco”? Adolfo vaticinara: “Este diabinho ainda vai jogar no Corinthians”. Josefina argumentava que o futebol “não dá camisa” para ninguém, e que o mais sensato seria estudar para se defender dos imprevistos que a vida nos apresenta. Mas Adolfo insistiu em sua intuição.

Corria o ano de 1937, quando o pai pegou o menino pelo braço, vestiu-o com um terninho branco de marinheiro e rumou para o Parque São Jorge, santo chão corintiano. Queria fazer-lhe um mimo: mostrar, bem de perto, o ídolo Teleco. O menino tinha sete anos e, lógico, ficou extasiado porque não conhecera apenas Teleco, mas um panteão de craques. Lá estavam Jaú, Jango, Brandão, Filó Guarisi e Munhoz. Nunca vira uma bola genuinamente de couro até aquele inesquecível dia. No ano seguinte, Cabeção já era sócio do clube e do quadro infantil do Timão. “A gente entrava lá [no Parque São Jorge], brincava com eles [os jogadores], antigamente, quando era moleque, e eles pagavam [entradas para o cinema]… tinha o Cine São Jorge [hoje uma loja de calçados], na avenida Celso Garcia […] E esses jogadores antigos pagavam o cinema para nós. Segunda-feira, como era folga deles, eles, mais uns quatro ou cinco jogadores do juvenil, eles pagavam a entrada para a gente ir lá no cinema. Então, a gente conviveu muito com esses jogadores antigos e foi criando raízes dentro do clube”, declarou Cabeção em 2011, durante depoimento para o projeto Futebol, Memória e Patrimônio, do CPDOC/FGV.

Convivendo com cobras do futebol, Cabeção foi galgando, passo a passo, todas as categorias até chegar aos aspirantes, em 1946, sob o olhar clínico do treinador Dante Pietrobon, com quem tudo aprendeu no arco. Uma ascensão extraordinária para o orgulho de Adolfo e de Josefina, pais “corujas”, e claro, do tio Salvador Salerno, quem mais o incentivava, comparecendo, inclusive, aos treinos e até às peladas do “River Plate”, time de várzea onde Cabeção também despontava. E foi por conta desse “River Plate” que Cabeção foi agraciado com todo o uniforme do River Plate original, o famoso millionarios de Buenos Aires. Em 1947, o time argentino excursionou por São Paulo. Após um jogo preliminar no Pacaembu, defendendo o juvenil do Corinthians, Cabeção invadiu o vestiário do River e pediu aos gringos, na maior cara dura, um uniforme completo do time portenho. E os caras deram camisa, short, meião… Cabeção levou a melhor.

“O meu avô era italiano, mas era corintiano. Tinha esta diferença, porque, geralmente, o italiano era palmeirense, e o meu avô era corintiano e ajudou muito o Corinthians […] ele era cocheiro. Tinha uma carroça de aluguel. Carregou muita coisa para fazer o Corinthians que é hoje, que antigamente era do Sírio (O Esporte Clube Sírio foi o antigo dono do campo do Parque São Jorge, comprado pelo Corinthians em 1926 para a construção do histórico estádio). O Corinthians comprou e meu avô levava muita mercadoria e muita madeira para fazer o estádio […] terminar o campo de futebol. Torcia para o Corinthians. A minha avó, não sei, porque ela não falava. Minha mãe também não ligava. Meu pai, português, também não ligou muito para futebol. Eu tinha uns tios que jogavam na várzea. Estes me incentivaram muito. Torciam para o Corinthians, foram atletas do Esperia – antigo Esperia –, mas não eram muito ligados ao futebol.”

Até despontar entre os profissionais, Cabeção dividia o futebol com o estudo noturno e o emprego em uma loja próxima a sua casa. “Antigamente, só tinha escola na cidade [no Centro] […] Estudava à noite. Quando perdia o ônibus ou o bonde, tinha que ir a pé da Liberdade até o Parque São Jorge. Era uma caminhada muito violenta e de madrugada. Apesar de que, naquele tempo, não tinha tanto perigo, como tem hoje. Você ia sozinho… Não cheguei a me formar em nada. Mas fiz essas três fases do primário, ginásio e científico.”

O tempo passou e, em 1948, portanto um ano antes de ingressar no time profissional do Corinthians, Cabeção por pouco não seguiu para o Fluminense, que insistira em seu concurso. Foi o alerta para que os cartolas corintianos assinassem num rompante o primeiro contrato com o talentoso goleiro para mantê-lo no Parque São Jorge.

Como profissional, disputou 323 jogos e sofreu 419 gols. Subiu ao time principal em 1949, junto com Idário, Roberto e Luizinho. Apesar de ser revelado pelo time da “fazendinha”, Cabeção, que dizia se espelhar no goleiro Jurandyr, do Flamengo, ouvia do ídolo a frase “Goleiro de pé vale por dois. Goleiro deitado está morto”. Seguia-a sem questioná-la.

Cabeção peregrinou por vários clubes. Quase jogou pelo Porto, de Portugal, mas o Corinthians não quis vender seu passe. Mas a resistência dos cartolas duraria pouco. Sem espaço por conta da forma exuberante de Gylmar, deixou o Corinthians em 1954 e seguiu, por empréstimo, para o Bangu. No ano anterior, porém, já na reserva de Gylmar, para quem perdeu a posição em definitivo em 1952, Cabeção chegou a ser hostilizado pela torcida que até então era sua fã incondicional. Mesmo com Gylmar balançando no posto de titular após a goleada de 7 a 3 para a Portuguesa de Desportos, valendo pelo segundo turno do campeonato paulista de 51, Cabeção não conseguiu manter a unanimidade, embora suas atuações fossem impecáveis e a imprensa paulista continuava a exaltá-lo, especialmente após as defesas sensacionais na final do Torneio Rio-São Paulo de 54, que garantiu o magro placar de 1 a 0 contra o Palmeiras. Nem isso o segurou no Timão.

Após improdutiva passagem pelo Bangu, que defendeu apenas 14 vezes, Cabeção aportou, em 1955, na Portuguesa de Desportos — uma de seus principais momentos no futebol, ao lado de feras como Julinho Botelho, Pinga e Djalma Santos. Talvez o melhor time da história da Lusa, que teve Cabeção embaixo das traves na inesquecível conquista do torneio Rio-São Paulo de 55.

Finda a gratificante experiência na Portuguesa, Cabeção retornou ao Corinthians, em 1958. O regresso ao time de origem foi de idas e vindas, ou seja, em 1961 foi emprestado ao Comercial de Ribeiro Preto. Um relâmpago. Ficou apenas alguns meses e voltou ao Timão, no qual permaneceu até 1966. No final da carreira, defendeu o Juventus, do bairro paulistano Mooca, de 1967 a 1968, e a Portuguesa Santista, em 1969. Do futebol, ganhou o suficiente para investir em imóveis e a eterna reverência das torcidas corintiana e da Lusa.

Algumas lendas são conferidas a Cabeção, como a sua eficiência mais comum em jogos diurnos que noturnos. Mito ou não, isso não importa. Cabeção foi, sem dúvidas, um goleiro bastante regular. O que lhe valeu algumas convocações para a seleção brasileira, inclusive para a Copa do Mundo de 1954, na Suíça, onde foi reserva de Castilho e de Veludo, ambos do Fluminense, sem disputar sequer uma partida. Das atuações de Cabeção com a amarelinha, apenas uma vem à memória. A da vitória do Brasil sobre o Millionarios, da Colômbia, por 2 a 0, no Maracanã, pouco antes da Copa, na Suíça, no dia 9 de maio de 1954. Cabeção entrou no decorrer da partida no lugar de Veludo. Sua maior conquista com a camisa da seleção aconteceu na categoria de amadores, no campeonato pan-americano de 1949, no Chile, um time de jovens talentos que contava com Pinheiro [Fluminense], Vasconcelos [ex-Santos], Tovar [Botafogo] e Tite [ex-Flu e Santos].

Cabeção mantinha esperança de ir à Copa de 1958, mas um desentendimento com o técnico Flávio Costa, da Portuguesa, teria dificultado a convocação do goleiro. Discutiu asperamente com Costa após este culpá-lo pelos dois gols sofridos durante um empate com a Portuguesa Santista. No vestiário, Costa teria ameaçado bater no goleiro, que reagiu atirando uma chuteira contra o técnico. Costa, que era influente na antiga CBD, deixou a Portuguesa meses depois do episódio enquanto Cabeção sofreu uma severa suspensão. O famoso treinador retornou ao Rio de Janeiro e, como afirmou o goleiro, foi consultado pela CBD para avaliar os possíveis nomes para a Copa do Mundo de 1958, na Suécia. Com isso, suspeita Cabeção, seu nome foi definitivamente banido do escrete nacional.

Este não foi o único entrevero de Cabeção com treinadores tidos “casca grossa”. A antiga revista Cruzeiro publicou na década de 1950 aquele que teria sido o motivo da ida de Cabeção para o futebol carioca. O goleiro levou sua esposa ao médico Mário Augusto Isaías, este um apaixonado torcedor e dirigente da Lusa. A cartolagem do Corinthians teria visto no fato motivo bastante para afastá-lo do time. E o fizeram. Cabeção, logicamente indignado, disse que nunca mais vestiria a camisa do Corinthians. Acabou vestindo-a em outras duas fases, mas nunca escondeu a mágoa por este e outros casos relacionados à sua família e o Corinthians.

Muitos anos depois, ele explicou os bastidores do seu afastamento do Corinthians naquela ocasião: “Eles acharam que eu tinha me vendido em um jogo Corinthians X Portuguesa porque o médico da família da minha mulher era presidente da Portuguesa, e a minha mulher precisava ser operada com este médico. Então, eu cheguei pro Brandão, o treinador, e falei: ‘[Oswaldo] Brandão, a minha mulher vai ser operada pelo dr. Mário Augusto Isaías. Já estou avisando, porque nós vamos jogar com a Portuguesa, não quero encrenca’. ‘Não, tudo bem. Tudo bem. Ela pode operar, pode…’. Esse dr. Mário Augusto Isaías tinha salvado a minha sogra de uma hemorragia em casa. […] O jogo Corinthians X Portuguesa foi feito em um sábado.”


Na véspera dos jogos, o técnico Brandão costumava fazer reuniões com os jogadores e antecipar a escalação do time. Naquela sexta-feira ele não fez. Os jogadores ficaram “cabreiros”, como assinalou Cabeção. O treinador só falaria horas antes do jogo. Cabeção, embora titular há alguns jogos, ficara fora do jogo, dando lugar a Gylmar. “Saí do vestiário, nem troquei de roupa, fui ficar no alambrado. Chamei um diretor, falei: ‘Oh, enquanto o Brandão estiver aqui, eu não jogo mais aqui. Eu vou embora. Vocês podem me mandar para onde vocês quiserem, só que com o Brandão, eu não fico mais aqui’. Ele costumava fazer isso com outros jogadores, então ele quis fazer comigo. Fez comigo. E foi danado. Então, saiu publicado em todos os jornais aqui da capital, a carteira [de poupança] de quanto eu ganhava, quanto eu tinha de depósito. Se tinha algum depósito naquela data. Aí, eu me queimei. Me queimei, e falei que enquanto ele ficava aqui, enquanto ele era o treinador, eu ia embora. Fui para o Bangu. Era para ir para o Vasco porque o Barbosa estava terminado de jogar, o Vasco. O Silveirinha me convidou: ‘Vai jogar no Bangu’. E o time do Bangu era bom. E eles pagavam direito”, recordou Cabeção, com uma ponta de remorso, pois preferia ter ido para o Vasco.

O ídolo do Corinthians e da Lusa colecionou títulos pelos dois clubes. Foi campeão paulista em 1951, 52 — quando foi reserva de Gylmar — e 54, todas as conquistas com o Timão. Conquistou também o Rio-São Paulo em 1950, 53 e 54, com Corinthians, e em 55, com a Portuguesa de Desportos, consagrando-se como o jogador que mais edições conquistou do torneio interestadual.

Nos tempos em que defendia o Corinthians, era fã de Zizinho e adorava cinema, sobretudo filmes estrelados por Gary Cooper, Elizabeth Taylor, John Wayne, Jean Simons, Gace Kelly e Ann Miller. Dos atores nacionais, sempre gostou do Anselmo Duarte e da Eliane Lage. Dizia-se devoto de Nossa Senhora da Penha e jamais dispensava uma macarronada.

Quando se aposentou como jogador, imediatamente tornou-se técnico. Treinou categorias de base do Corinthians e conquistou títulos ao longo de 20 anos, período em que revelou grandes craques para o Corinthians, como o centroavante Casagrande, o lateral-esquerdo Waldimir e os goleiros Ronaldo, Solito e Rafael Cammarota.

Em 1981, o grande arqueiro concedeu uma entrevista ao jovem repórter Fausto Silva, que anos mais tarde se tornaria simplesmente o Faustão, um dos mais bem sucedidos apresentadores da televisão brasileira. Cabeção criticava o futebol de então, comparando-o com o de sua época: “Não é saudosismo, não. Mas há cinco anos que não vou a um estádio de futebol. Prefiro ver pela televisão. Sinceramente, não está valendo a pena. Reconheço que o passado não diz nada, cada um tem que viver a sua época, mas a qualidade do futebol caiu […] Tive mais alegrias do que tristezas no futebol. E as mágoas, eu procuro esquecê-las logo. Mas a minha maior alegria foi em 1949, quando fomos campeões do pan-americano de juvenis no Chile.”

Cabeção, neto de italiano [vejam só…] corintiano que cresceu e viveu seus melhores dias no bairro do Brás, bem pertinho do Parque São Jorge, casou-se e teve um filho, professor de Educação Física e campeão de natação, que aos 30 anos morreu vítima de uma grave doença no cérebro. Cabeção largou tudo, inclusive o futebol, para dedicar-se exclusivamente ao filho. Precisou de treze mil dólares para operará-lo no Hospital Albert Einstein, recorreu a cartolas do Corinthians, especialmente o principal deles, Wadih Helu, que alegaram não ter o dinheiro. Um amigo do filho de Cabeção é quem ajudou com a quantia. O rapaz operou, mas o resultado não foi satisfatório. Permaneceu por mais cinco anos em cadeira de rodas. A mágoa com o futebol e com o Corinthians foi grande. Fora esta a segunda grande decepção após o episódio com a esposa. Não quis mais saber do futebol. Um trauma na vida do grande goleiro do passado.

Cabeção foi o único filho de Adolfo e Josefina. A vida é simples e tranquila ao lado da esposa. “Hoje, só vivemos eu e a esposa. Mais ninguém. Tem os parentes, mas são distantes. Mas vamos levando essa vida. Agora, com 81 anos, então, é assistir jogos pela televisão, que é mais fácil do que vir no estádio. E esta é a minha vida, agora.”

Mas Cabeção faz falta aos estádios. Pudera os deuses torná-lo eternamente jovem para nunca mais deixa os gramados. Pudera as gerações que não o viram jogar se deliciarem com os saltos acrobáticos, as “pontes” memoráveis e as defesas com a mão trocada executadas com maestria pelo Cabeção. Nos tempos em que jogava, o eterno ídolo costumava dizer que “de louco e de felino, todo goleiro tem um pouco”. É verdade…

DNA RUBRO-NEGRO

por Paulo Oliveira


Quantos clubes de futebol brasileiros tiveram quatro irmãos defendendo suas cores em campo, sendo todos eles torcedores desse time? Essa conjunção rara ocorreu entre o final da década de 1950 e todos os anos 1960, no Esporte Clube Vitória. A família Gonçalves cedeu Kleber Bubu, Romenil, Itamar e Carlinhos e fez história no rubro-negro baiano.

Ontem, o zagueiro Kleber Bubu, 78 anos, foi sepultado no cemitério Campo Santo, no bairro da Federação, em Salvador (BA). Ele morreu de insuficiência respiratório após sofrer por 19 anos com sequelas de um acidente vascular cerebral.

Bubu iniciou a carreira com breve passagem pelo Bahia, mas logo foi para o time de seu coração. Teve três passagens pelo clube na década de 1960, tendo se tornado campeão do Torneio Início, em 1961, quando tinha 19 anos. A última atuação ocorreu em 1968

Jogou ainda pelos dois times rivais de Ribeirão Preto (SP): Comercial e Botafogo. De volta a Salvador, atuou, em final de carreira, pelo Botafogo BA e pelo Monte Líbano, extinta equipe do subúrbio ferroviário.

Dos quatro irmãos, o que mais se destacou foi o também zagueiro Romenil Arestides Gonçalves Filho, 76 anos, considerado o maior zagueiro da história do rubro-negro baiano, e o único dos Gonçalves ainda vivo. Ele começou no time reserva do Leão, enquanto o irmão Carlinhos era da equipe titular.

Adoentado, Romenil não compareceu ao enterro de Kleber Bubu, que deixa viúva, um filho – o jornalista Kleber Leal, torcedor apaixonado do Bahia – e duas filhas.

Já o centroavante Carlinhos Gonçalves iniciou a carreira na divisão de base do Vitória. Posteriormente, atuou pelo São Cristóvão (BA), América (RJ), Bonsucesso (RJ), Fluminense (RJ), Internacional (RS), Galícia (BA), Sergipe e Botafogo (BA).

Carlinhos estava consagrado quando chegou ao Bahia em 1969. Dois anos depois, fez história, marcando um gol de cabeça, mesmo com ela enfaixada após um choque com um adversário. E, em seguida, marcou o gol da virada sobre o Botafogo (BA), que deu o título estadual ao tricolor. O atacante morreu em 2005, aos 65 anos, de diabetes.

O quarto irmão, o ponta esquerda Itamar morreu em acidente de automóvel. A assessoria do Vitória informou desconhecer outro clube por onde ele tenha passado.


TIRO DE META, UMA JOGADA EM EXTINÇÃO?

por Victor Kingma


O futebol, o esporte mais praticado no mundo, e que no Brasil se tornou uma paixão nacional, é formado por inúmeras jogadas, amplamente conhecidas e apelidadas pelos seus aficionados. Não só aquelas que acontecem com a bola rolando, como o drible, o passe ou o lançamento, mas, também,aquelas onde a bola é colocada novamente em jogo após ultrapassar os limites do gramado, como o corner (escanteio), arremesso lateral ou tiro de meta. 

Uma dessas jogadas, das que mais acontecem durante as partidas, é o popular “TIRO DE META”, que é a reposição da bola ao campo de jogo quando ela sai pela linha de fundo tocada pelo adversário.

Ficou popularmente conhecida por esse nome pois, originariamente, consistia em um “tiro” longo e forte, executado de dentro da área e próximo da meta, geralmente pelo goleiro, na direção do ataque. 

No passado, como a maioria dos campos tinham dimensões reduzidas e os times costumavam jogar com quatro atacantes, essa jogada era mortal. 

Não era comum o goleiro sair jogando, então, ele não precisava ter muita habilidade com a bola nos pés, bastava ter um chute forte para bater os tiros de meta.

Hoje, com a evolução tática do futebol, os melhores times do mundo são aqueles que ficam mais tempo com a bola nos pés, e dão menos chutões, escola implantada e difundida principalmente pelo Barcelona, de Pepe Guardiola.

E essa mudança chegou também aos goleiros, que passaram a ser mais um jogador na armação das jogadas.

Assim, no futebol atual, não basta aos “guarda metas”, como eram conhecidos antigamente, serem verdadeiros paredões para defender com as mãos as bolas chutadas ou cabeceadas contra o seu gol mas,também, precisam ter habilidade para iniciar as jogadas com os pés. 

Ao contrário do “Tiro Livre” ou “Tiro de Canto”, o velho e bom “TIRO DE META”, na sua concepção original, é cada vez menos executado durante os jogos.  E se tornou uma jogada quase em extinção.

CAMPEÃO DO MUNDO, À REVELIA

por Pedro Henrique Gomes

A extraordinária jornada do Bangu pelas terras do Tio Sam


Bangu, campeão do International Soccer League (1960). Fonte: https://www.bangu-ac.com.br/titulo-mundial-do-bangu-faz-58-anos/

Era 1960 e ninguém quis representar o Brasil num torneio internacional de Football sediado na cidade de Nova Iorque por medo de represálias das federações locais de futebol. Fluminense, Botafogo, Santos e Palmeiras renunciaram ao torneio e o Bangu, vice-campeão carioca em 1959, assumiu a missão de ser o embaixador do futebol em terras estadunidenses. Contra os interesses da federação de futebol do Rio de Janeiro e sob críticas dos jornalistas de plantão, Bangu mandou seu jovem time para o torneio e colocou a equipe de juniores para disputar o campeonato carioca daquele ano. O jovem Ademir da Guia e o clube proletário foram as sensações do torneio numa campanha invicta contra os grandes campeões do território europeu.

Para incentivar a prática futebolística nos EUA, o International Soccer League foi um Torneio Mundial de Clubes realizado em Nova Iorque e disputado entre 1960 e 1965. A primeira edição foi realizada durante os meses de maio, junho e julho de 1960. Autorizada pela FIFA e sob a supervisão de Stanley Rous, então presidente da Associação Inglesa de Futebol, secretário-geral e vice-presidente da FIFA, o torneio teve como referência a Copa do Mundo de Seleções e foi jogado por boa parte do campeões nacionais dos países que disputaram a Copa do Mundo de 1958, quando o Brasil se sagrou campeão pela primeira vez.

O texto que vos escrevo é uma tentativa de mostrar a trajetória de um campeão à revelia que encantou o público em terras estrangeiras, foi denunciado para a justiça desportiva e foi bastante criticado pela imprensa local. O Bangu, clube proletário e suburbano carioca, foi rebelde no cenário futebolístico em 1960. Por meio de notícias do Jornal dos Sports, tradicional periódico da cidade do Rio de Janeiro, será narrado alguns episódios da jornada heroica alvirrubra.

Uma viagem à revelia

Antes de qualquer coisa, vale explicar a mencionada infração do Bangu frente às determinações da Confederação Nacional de Desportos (CND). Na época, a CND proibia a participação dos clubes futebolísticos em eventos paralelos aos campeonatos locais e regionais. Não era permitido colocar o Campeonato Carioca e o Torneio Rio-São Paulo em segundo plano. Existia punição por meio de multa e o clube era julgado pela justiça desportiva para a definição de outras punições. O Bangu questionou as determinações, aceitou o convite para disputar o torneio e foi julgado.

Na época, leitores do Jornal dos Sports enviavam cartas com críticas ferrenhas ao clube proletário. Em duas delas, é possível entender parte das razões. Numa crítica publicada em 04/08/1960, na página 03, do referido periódico, intitulada O Medo de Punir, um leitor discutiu e defendeu a punição do Bangu em prol da valorização dos campeonatos locais e da ordem estabelecida na CND. Porém, reconhecia que dificilmente o clube seria punido em razão da elasticidade das leis desportivas. Segundo o leitor, “é preciso impedir que o fato se repita. Ou pela penalização severa do Bangu, que parece difícil em face da elasticidade do Código Brasileiro de Football ou pela proibição que existe mas sem punição prevista no regulamento da federação”.

Em outra crítica publicada no dia 05/08/1960, intitulada O Sentido do Campeonato, o leitor denunciava a desvalorização dos campeonatos locais pelos clubes em virtude das viagens para excursionar em vários países denominada por excursões caça-níquel. Tal atitude deixava os jogadores cansados nas vésperas da estreia nos campeonatos locais. Para o leitor, “o campeonato é a atividade sagrada dos clubes. Ou devia ser se fossem respeitados não só os regulamentos como, principalmente, o ideal do esporte”. De certa forma, a denúncia era fruto de uma preocupação dos torcedores e dirigentes num contexto marcado pela emergência do futebol brasileiro após a sua primeira conquista mundial com a seleção brasileira na Copa do Mundo de 1958. Os clubes brasileiros eram cada vez mais convidados para jogar fora do território nacional, o que gerava rendimentos financeiros para os mesmos, e isso poderia gerar a desvalorização dos tradicionais campeonatos locais. Para muitos, a atitude do Bangu foi considerada uma subversão do esporte, um desinteresse pela competição e o público local. Em razão disso, o clube foi julgado no dia 05/08/1960 e foi isento de culpa. O caso foi considerado um problema administrativo da federação e seu regulamento.

Na imprensa carioca, além das cartas enviadas pelos leitores, os colunistas do Jornal dos Sports travavam grandes debates sobre o acontecido. Muitos jornalistas consideravam que a aventura do jovem time do Bangu seria marcada por derrotas e prejuízos financeiros. Entretanto, outros reconheciam os feitos da equipe alvirrubra e elogiavam a campanha. Um exemplo era o jornalista Nelson Rodrigues. Apesar de críticas iniciais, Rodrigues publicou textos com destaques para a campanha do Bangu. No dia 04/08/1960, na coluna Dá Bom Dia, é publicado o texto intitulado A Estrela do Bangu, marcado por ideias ufanistas. A equipe do Bangu e sua vitoriosa trajetória representava, juntamente com o primeiro título mundial da seleção brasileira, o rompimento do complexo de vira-latas e a emergência do sentimento de valorização de ser brasileiro. Segundo Rodrigues, “é nas partidas internacionais que o sujeito sente a conveniência de ser brasileiro. Agora mesmo, amigos, agora mesmo! O Bangu está nos Estados Unidos representando o nosso football. E não apenas o nosso football: — representando o Brasil. A meu ver, um team patrício no exterior é a própria pátria de calções e chuteiras, é a própria nação dando botinadas. E justiça se lhe faça. O Bangu anda realizando milagres, lá fora”.

Uma campanha extraordinária


Extraído de Jornal dos Sports, 05/07/1960.

Diante do contexto de polêmicas e elogios, precisamos destacar a excelente campanha do clube proletário da Zona Oeste da cidade do Rio de Janeiro. A equipe teve cinco vitórias e um empate com a seguinte formação: Ubirajara, Joel, Darci Faria, Zózimo, Ananias, Nilton dos Santos, Luis Carlos, Zé Maria, Correia, Ademir da Guia e Beto. O craque do Torneio Mundial de Clubes foi o jovem Ademir da Guia com 18 anos.

A campanha iniciou-se no dia 04/07/1960 com uma sonora vitória de 4 x 0 contra a Sampdoria com dois gols de Zé Maria e dois gols de Luiz Carlos. Com a primeira rodada do torneio realizada, a imprensa local já colocava o Bangu e a Estrela Vermelha como os favoritos. O time de Belgrado também havia ganho o primeiro jogo com uma goleada de 5 x 2 contra o Rapid Viena, campeão austríaco de 1959/60.

Na segunda partida do grupo B do International Soccer League, o Bangu enfrentou o Rapid Viena no dia 10/07/1960. O jogo foi marcado pelo nervosismo da jovem equipe alvirrubra, ao levar um gol no início da partida. Com os nervos em ordem, o time virou o jogo com gols de Zé Maria, Luiz Carlos e Hugo e a defesa se manteve firme para garantir a vitória por 3 x 2. Essas duas primeiras vitórias rompem com o pessimismo do noticiário esportivo fluminense e despertam elogios para a campanha alvirrubra. Boa parte dos elogios são direcionados para o meia Ademir da Guia, o artilheiro impetuoso Zé Maria e a defesa segura de Zózimo. Além de vitórias e gols, o Bangu atraia grandes públicos para as partidas. Nas duas primeiras quase 40 mil pessoas presenciaram os feitos do time.


Extraído do Jornal dos Sports, 11/07/1960.

O terceiro jogo foi contra o vice-campeão português Sporting Lisboa. Em jogo disputado no dia 16/07/1960, o Bangu meteu uma saraivada de 5 x 1, com gols de Zé Maria (2), Luiz Carlos (2) e Beto. O time comandado por Tim jogou partida espetacular e teve Zé Maria como grande nome. O público novaiorquino ficou fascinado com o virtuosismo, as infiltrações esfuziantes e os dribles que deixaram a defesa portuguesa bem confusa. De certa forma, a partida representou uma batalha vencida contra o football viril e ríspido dos portugueses naquele momento. No dia seguinte ao jogo, a edição 4.469 do Jornal dos Sports estampava na capa a grandiosa vitória. Em comparação às vitórias anteriores, era a primeira vez que o periódico dava um destaque digno a campanha do Bangu na terra do Tio Sam. Um dado curioso da partida contra o Sporting de Lisboa foi a manifestação violenta do jogador português Hilario da Conceição após o quarto gol alvirrubro. Para os portugueses, o gol foi ilegal, mas confirmado pelo juiz. Imediatamente, o jogador chutou fortemente a bola em direção aos espectadores da tribuna e torcedores lusos invadiram o campo para pegar o juiz Ray Kraft. Com a polícia em campo, a partida foi restabelecida após alguns minutos para o Bangu completar o placar elástico.


Extraído da capa do Jornal dos Sports, 17/07/1960.

Ao longo das três partidas, Zé Maria e Luiz Carlos demonstravam grande poderio de ataque com gols em volúpia. O jovem Ademir da Guia orquestrava o time e deixava os adversários enlouquecidos com dribles e jogadas objetivas para o gol. Entretanto, é justo e verdadeiro colocar em evidência o comportamento da defesa composta por Joel, Darci Faria, Zózimo, Ananias e Nilton dos Santos. Em três jogos, três gols tomados. A imprensa do torneio destacava o lado sóbrio e a liderança de Zózimo no bloqueio das equipes adversárias. Se a defesa não segurava as investidas adversárias, o goleiro Ubirajara estava pronto para afastar o perigo e garantir o resultado da equipe alvirrubra.

Com três jogos disputados e três vitórias, o jovem esquadrão banguense era a verdadeira sensação do torneio em gols, em belas vitórias e por atrair grande público ao estádio Polo Grounds. O time iugoslavo do Estrela Vermelha acompanhava a campanha do clube proletário e era credenciado como o grande adversário do Bangu na competição. O confronto contra o Estrela Vermelha seria o último da primeira fase e era importante manter a pegada para enfrentá-los com moral. Mas, antes deles, o Bangu enfrentaria o grande campeão sueco IFK Norrköping. No dia 20/07/1960, no estádio Polo Grounds, o Bangu enfrentou a equipe sueca e teve o seu primeiro grande obstáculo no torneio. A partida terminou num 0 x 0, quebrou a série de grandes vitórias e levou a definição do finalista do grupo B para a última partida contra o Estrela Vermelha — grande esquadrão europeu e favorito nas apostas do torneio. No grupo A, já estava definido o finalista. O vice-campeão escocês Kilmarnock fez uma grande campanha e superou as dificuldades impostas pelos seus adversários — Burnley (campeão inglês), Nice (campeão francês), New York Americans (equipe anfitriã), Bayern de Munique (3º lugar no campeonato alemão) e Gievanon F.C. (Campeão Norte-Irlandês).


Extraído do Jornal dos Sports, edição 9.473, de 22/07/1960.

O jogo contra o campeão sueco foi marcado pela aplicação de um ferrolho viking, o que impediu o jogo mais alegre e técnico do Bangu. O grande destaque da partida foi o goleiro Ubirajara com uma série de defesas portentosas. O time sueco foi um grande adversário com uma defesa bem postada e com contra-ataques velozes. Para o Bangu, restou lamentar um pênalti mal cobrado por Décio Esteves, ratificando assim o empate.

Uma final antecipada

A expectativa era grande. Uma semana separavam o penúltimo jogo contra o IFK Norrköping e a última batalha da primeira fase contra os favoritos do torneio. Nesse intervalo, além do descanso, o Bangu aproveitou para ganhar uma grana e viajou para Montreal para enfrentar uma seleção local. 2 x 0 para encantar os canadenses. Enquanto isso, o Estrela Vermelha sapecava o time sueco com um 4 x 0 e chegava bastante confiante para a última rodada. Afinal, um simples empate garantia a sua vaga para a grande final. Eles tinham um saldo de gols acima do Bangu.


Extraído do Jornal dos Sports, edição 9.488, de 10/08/1960.

Chega o dia 30/07/1960. Dia do principal confronto do grupo B do International Soccer League. No entanto, chuvas torrenciais impedem a realização da partida, agora transferida para o dia seguinte — 31/07/1960. Em disputa, os dois grandes favoritos do torneio: Estrela Vermelha e Bangu, com campanhas impecáveis até o momento. Para a imprensa do torneio, o Bangu deveria temer o esquadrão iugoslavo. Afinal, eles foram campeões nacionais em seis oportunidades nos últimos 10 anos e tinham os melhores jogadores da seleção nacional.

Com 20.107 espectadores, o Bangu alcançou a vitória sobre os iugoslavos por 2 x 0 com gols de Décio Esteves e Zé Maria. O primeiro gol alvirrubro foi uma redenção para o jogador Décio após perder horrorosamente um pênalti no final do último jogo. A partida foi bastante disputada e aguerrida com momentos de conflitos entre jogadores de ambos os times. Para o clube proletário, um dos desafios foi jogar sem o seu principal jogador. O jovem Ademir da Guia não atuou na partida. Para a imprensa internacional, a vitória alvirrubra foi o grande acontecimento internacional do futebol naquele momento. Em crônica internacional publicada na edição 9.481 do Jornal dos Sports, em 02/08/1960, o jornalista Albert Laurence intitulou a sua notícia: Football brasileiro conquista mais um triunfo de relevo mundial com as proezas do Bangu no Torneio de Nova York. No mesmo dia e jornal, em coluna do jornalista Luiz Bayer, a campanha vitoriosa em Nova Iorque é valorizada, porém, é lembrada a polêmica do campeonato carioca disputada por uma equipe de aspirantes.

Extraído do Jornal dos Sports, edição 9.481, de 02/08/1960.

Enquanto o Bangu dava show em terras estrangeiras, a equipe de jogadores aspirantes disputavam o campeonato local com uma péssima campanha. O clube proletário suburbano era indiciado pela justiça desportiva e sofria pressões de outros clubes cariocas. Por exemplo, o Madureira pedia a punição do Bangu com a justificativa de abandono da competição e solicitava indenização pelo baixo público em jogo disputado semanas atrás. Já o Flamengo o apoiava e trabalhava nos bastidores para adiar a partida para uma data após o retorno da equipe banguense.

A Grande Final


De 4 a 31 de julho de 1960, o Bangu Atlético Clube disputou seis jogos com grandes potências futebolísticas do mundo, alcançando 5 vitórias e um empate. Com 14 gols pró e 3 contra. Uma campanha impecável com um ataque fulminante liderado por Zé Maria e Luiz Carlos; um meio de campo habilidoso com o jovem Ademir da Guia e experiente com Décio Esteves; e uma defesa segura liderada por Zózimo e sob a guarda do bom goleiro Ubirajara. O futebol do Bangu encantou os norte-americanos, levando milhares de pessoas ao estádio Polo Grounds. A equipe chegava a final como favorita contra o descansado Kilmarnock, vice-campeão escocês na temporada 1959/60. Sim, descansado. A equipe escocesa tinha disputado a sua primeira fase entre os meses de maio e junho de 1960 e só aguardava o seu adversário para a grande final.

A imprensa brasileira valorizou a campanha banguense e rumou para as terras da América do Norte para cobrir o acontecimento histórico. Mais do que a final de um torneio, a primeira edição do International Soccer League representava o sucesso popular do “soccer” numa grande nação que, até aquele momento, não tinha demonstrado interesse no esporte mais praticado no mundo. De certa forma, as equipes participantes foram os embaixadores do football nos Estados Unidos e arredores. A seguir, podemos assistir alguns lances da grande final.

No dia 06/08/1960, Bangu e Kilmarnock decidiram a final da primeira edição do International Soccer League. Nesse jogo, o Bangu sagrou-se campeão com uma vitória tranquila de 2 x 0. Os gols foram assinados pelo atacante Valter. Cerca de 25 mil pessoas presenciaram uma bela partida e se encantaram com o futebol alvirrubro. Na final, a equipe foi formada por Ubirajara, Joel, Zózimo, Darci Farias, Ananias, Nilton dos Santos, Correia, Zé Maria, Décio, Décio Esteves, Valter e Beto. Apesar da expectativa antes da final, os jogadores Ademir da Guia e Luiz Carlos não foram para o jogo por estarem machucados.


Extraído da capa do Jornal dos Sports, edição 9.486, de 07/08/1960.

Segundo a cobertura esportiva da final, o Bangu iniciou o jogo atacando cerradamente com passes curtos e rápidos, colocando o adversário na roda. Logo, aos 3 minutos de jogo, o atacante Valter faz o primeiro gol após uma jogada espetacular de Décio Esteves. Nem o ferrolho suíço com passes longos do time escocês foi suficiente para brecar as investidas do Bangu. De alguma forma, o empate sem gols contra o IFK Norrköping foi um aprendizado para superar o futebol-força dos europeus. Apesar de ter sido a vedete do torneio, na final, a torcida apoiava o time escocês e se irritava com o amplo domínio brasileiro. Numa jogada isolada do Kilmarnock, o juiz James Mclean marca um pênalti contestável contra o Bangu. Porém, os escoceses foram parados pelas mãos de Ubirajara. O penalidade animou os escoceses e eles fizeram alguma pressão durante o segundo tempo do jogo. No entanto, o goleiro Ubirajara garantiu o resultado na defesa e o atacante Valter voltou a aprontar no final do jogo com um forte tiro no fundo das redes escocesas. Valter foi decisivo com seus gols, mas o craque da partida foi o meia Décio Esteves, capitão do time. No final do jogo, Bangu é campeão do mundo e o jogador Décio recebe a taça e comemora nos braços dos jogadores escoceses, que reconhecem a supremacia do clube proletário suburbano do Rio de Janeiro. O jogo final foi sensacional com as duas equipes jogando para vencer e levando a loucura os torcedores presentes. Infelizmente, um dos torcedores chamado Alfredo Suarez, de 46 anos, não suportou a emoção e veio a falecer após um ataque cardíaco.


O feito do Bangu recebeu destaque na imprensa da época.

Após seis batalhas contra grandes times europeus, a sua glória estampava as capas do New York Times e de outros jornais dos EUA. O radialista Orlando Batista viajou para Nova Iorque e transmitiu a partida pelas ondas do rádio para o território brasileiro através da Rádio Mauá. Na sua cobertura, Orlando Batista destacava o comportamento aguerrido e técnico do Bangu para alcançar a glória. Certamente, a impressão deixada pela equipe em terras do norte contribuiu para a ascensão do futebol por lá.

O Jovem Ademir


Extraído do Jornal O Globo Digital.

Eleito o craque da primeira edição do International Soccer League por um juri de jornalistas e dirigentes, o jovem Ademir reforçou a estrela da família Da Guia no clube proletário da Zona Oeste carioca. Sua permanência no Bangu foi curta, mas deixou um legado para os futuros torcedores do time. Do Bangu foi para o Palmeiras e se tornou um grande jogador da seleção brasileira. Em 2017, além da lembrança do título mundial, o jogador foi homenageado com o lançamento de uma camisa retrô do Bangu, uma edição comemorativa pelo título mundial de clubes alcançado em 1960. Uma ação importante para homenagear os guerreiros que lutaram pelo título e para manter a chama viva da memória banguense nos antigos e novos torcedores. Em 1960, na chegada dos campeões ao Rio de Janeiro, Ademir falava sobre a experiência: “Estou feliz, pois além de ter colaborado com meu clube, ganhei um prêmio que qualquer colega poderia ter ganho”, em entrevista para o Jornal dos Sports. Domingos da Guia, presente na recepção, não escondia tamanha admiração e entusiasmo com o filho — mais um Da Guia a fazer história no clube proletário.

A recepção dos heróis da Zona Oeste


Extraído do Jornal dos Sports, edição 9.489, de 11/08/1960.

Toda uma recepção foi preparada para receber a delegação do Bangu. A chegada em território brasileiro e carioca estava marcada para o dia 10/08/1960, quarta-feira, com desembarque no Galeão. No entanto, os primeiros a chegar no Rio de Janeiro foram o atacante Luiz Carlos e o radialista Orlando Batista. Segundo a imprensa carioca da época, os campeões do mundo receberam um bicho respeitável, cerca de 30 mil cruzeiros de prêmio pelo brilhante título.

Numa pegada ufanista, a imprensa carioca glorificou o resultado do Bangu como a primeira grande ação do futebol brasileiro no mundo após a campanha vitoriosa da seleção brasileira na Copa do Mundo de 1958. Após a chegada no aeroporto do Galeão, os campeões do mundo foram recebidos pela torcida e saíram em cortejo até a estação de Guilherme da Silveira. Uma grande festa foi realizada na Fábrica Bangu. Na capa do Jornal dos Sports, de 11/08/1960, era estampada a alegria dos torcedores na chegada da equipe. A empolgação tomou conta dos corações alvirrubros. Era felicidade pura. Luiz Bayer, colunista do Jornal dos Sports, assim escreveu no dia seguinte: “A cidade recebeu com todo afeto e com grande entusiasmo os jogadores do Bangu campeões da primeira taça da América. Foi uma acolhida simpática, justa porque o Bangu honrou o football brasileiro mostrando aos norte-americanos um estilo bonito que foi suficiente para demonstrar grande superioridade sobre grandes equipes do football europeu”.


Cortejo para os campeões na Avenida Brasil. Extraído de Jornal dos Sports, edição 9.489, de 11/08/1960.

Como pode ser visto, a recepção e a comemoração foi quilométrica, passando por diferentes bairros e esquinas da nossa cidade. Os campeões do Bangu tiveram um reconhecimento digno da torcida, do Galeão até a estação Guilherme da Silveira. O capitão Décio Esteves era novamente carregado, agora, pelos torcedores do clube proletário que sentiam viva emoção. Cercado por amigos e familiares, o técnico Tim, visivelmente emocionado, bradava no cortejo: “o Bangu é uma coqueluche!”.

Tim e o troféu de campeão. Fonte: https://www.futbox.com/blog/clubes/bangu-1960.

Na Fábrica Bangu, os jogadores foram recebidos por dirigentes, torcedores, operários da fábrica e moradores das cercanias para comemorar o título com banda de música, bandeiras e flâmulas. O patrono do Bangu, Dr. Guilherme da Silveira, assim descreveu o sentimento naquele dia: “Estou feliz, feliz pelo brilho do meu Bangu. Honramos em todos os setores o nosso football. Pela técnica e pela disciplina voltamos de cabeça erguida. Honra aos atletas e ao próprio football da nossa terra”, em entrevista para o Jornal dos Sports.

Para entender o efeito do Bangu campeão mundial naquele momento, recomendamos ler atentamente as homenagens escritas elaboradas pelos jornalistas Nelson Rodrigues, Luiz Bayer e Vargas Neto no dia da chegada do Bangu ao Rio de Janeiro. Em nossa análise, uma equipe necessária para romper com o complexo de vira-latas que ainda era dominante no imaginário do futebol brasileiro naquele momento.


Extraído do Jornal dos Sports, de 10/08/1960.


Extraído do Jornal dos Sports, de 10/08/1960.


Extraído do Jornal dos Sports, de 10/08/1960.

Por fim, o reconhecimento!


Graffiti no muro do Estádio Proletário Guilherme da Silveira, popularmente conhecido como Moça Bonita. Créditos: https://www.facebook.com/BanguCampeaoMundial/

Reconhecer histórias é construir memórias que aproximam, emocionam e criam novos caminhos. Considerando a extraordinária história do Banguzão, é de extrema importância a luta do clube e dos seus torcedores pelo reconhecimento do campeonato mundial de 1960 junto a FIFA. Todo o movimento de criar camisas comemorativas, estampar seus muros é importante para manter a história viva. Brigar pelo reconhecimento nas instituições responsáveis pelo futebol no mundo significa criar novos canais para fortalecer o poder de memória da nação banguense.

Créditos

O texto é fruto da pesquisa de um curioso torcedor do futebol carioca apaixonado pelos clubes do subúrbio e sua relação com seus respectivos bairros. As torcidas do Bangu inspiraram a elaboração dele, especialmente a Banfiel e a Castores da Guilherme — fanáticas pelo clube proletário. Para a sua produção, alimentamo-nos de diferentes textos e vídeos disponíveis na internet e listados a seguir.

Página do Bangu Atlético Clube: https://www.bangu-ac.com.br/titulo-mundial-do-bangu-faz-58-anos/

Liga dos Palpites (Texto): https://medium.com/@ligadospalpites/o-bangu-foi-campe%C3%A3o-mundial-20479ad4f94a

Liga dos Palpites (vídeo): https://youtu.be/6YCx8-a4Z0A

Matéria do Sportv: https://youtu.be/7r7DNFJtbpI

Matéria do Lance: http://blogs.lance.com.br/gol-de-canela-fc/voce-sabia-que-o-bangu-ja-foi-campeao-mundial-entenda-historia/

Ludopédio: https://www.ludopedio.com.br/arquibancada/campeao-mundial-de-1960-bangu-bangu-bangu/

Última Divisão: https://www.ultimadivisao.com.br/os-mundiais-de-clubes-alternativos/

Página BANGU CAMPEÃO MUNDIAL: https://www.facebook.com/BanguCampeaoMundial/