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A Pelada Como Ela É

A PRIMEIRA

por Sergio Pugliese


Na foto, Sylvio Amaro, o homem que jogou o camarão para o alto

Eduardo perdeu a direção quando tentou uma manobra ousada e ficou entalado num canteiro. Foi ultrapassado pelo amigo e bufou quando ele seguiu rindo, e ainda deu tchauzinho pelo espelho interno. PC Bonfim saiu de uma festa com o sol raiando e para não arriscar foi direto ao Campo do Agrião. Dormiria no carro a uma hora e meia que faltava. Chegando lá, foi surpreendido por outros dois malucos com a mesma ideia. Mauro Maidantchik acorda todo sábado às cinco da matina para garantir a vaga, no Jamelão. Fernando Coimbra teve acesso de fúria quando viu a pelada iniciar sem ele e, inconformado, jogou duas dúzias de tangerina no campo do Country Clube de Niterói. A mesma atitude irada teve Sylvio Amaro, do Bate Boca, na Barra. Arremessou 10 quilos de camarão para os ares e melou o jogo. Quem é peladeiro sabe. Vale tudo para não ficar fora da primeira. 

– Se a pelada é mágica, a primeira exerce um fascínio inexplicável. Ganhar, então, é garantia de uma resenha paradisíaca! – define Tico, da Pelada do Surdos e Mudos, em Laranjeiras. 

A equipe do A Pelada Como Ela É sabia disso tudo mas se impressionou com certas atitudes, todas insanamente divertidas. Na Asbac, do Estácio, foi demais! 

– Faltam quantos para fechar? – perguntou Luiz Flávio, o DJ, pelo rádio, em tom de pânico, ao organizador Porquinho. 

– Um – respondeu, com a tranquilidade de quem tinha a vaga garantida. 

DJ é um cidadão pacato, do bem, excelente professor de Educação Física, amado pelas crianças, mas a resposta de Porquinho fez com que ele pisasse fundo, avançasse dois sinais, quase atropelasse uma velhinha e lembrasse seus tempos de campeão de kart. Minutos depois o pessoal da concentração ouviu o som de carro cantando pneu e, em seguida, freando bruscamente. 

– O que foi isso? – perguntou Fino, assustado. 

– DJ chegou – disse Porquinho, com a experiência dos monges budistas. 

Estava certo. DJ entrou tropeçando e respirou aliviado quando ouviu Porquinho gritar “fechou!”. Exultante, contou sobre suas manobras ousadas e contabilizou o valor das multas que deve receber por avanço de sinal, mas vibrava por estar na primeira. Dez segundos depois, Fabinho Surfista entrou como um raio querendo saber se estava dentro. 

– Fechou, otário! – disse Porquinho, vibrando de prazer. 

– Tá todo mundo em dia com a mensalidade? São todos efetivos? – apelou Fabinho, tentando uma última cartada. 

Só restava lamentar. 

– O que me quebrou foi aquele sinal da Presidente Vargas. 

A loucura para não perder a primeira chega a níveis tão elevados que Joãozinho, da Pelada do Clube dos Macacos, adquiriu uma técnica ninja de trocar de roupa dirigindo. Certa vez estava na Lagoa apenas de cueca quando foi parado por um motoqueiro da PM. Desceu o vidro apenas alguns centímetros e passou a habilitação. Desconfiado, o policial o mandou descer. Então, abriu totalmente o vidro e revelou suas condições. 

– Você sempre dirige assim? 

– Vou trocando de roupa para não perder a primeira pelada – confessou, constrangido. 

O PM se apoiou no carro para rir e mostrou-se totalmente solidário. 

– Nossas mulheres nunca nos entenderão! Também faço isso e olha que tirar a farda não é mole. E a bota? Tenho que aproveitar os sinais fechados. Amigo, vai em frente, não quero lhe atrasar. Mas cuidado com os radares! 

E Joãozinho partiu. Mas perdeu preciosos minutos. Na verdade, ganhou. Empresário renomado, achou divertido ele e um PM agirem da mesma forma. Mais cara de pelada, impossível! Pelo rádio, um amigo avisou que a primeira fechara. 

– Parei numa blitz – explicou. 

– PM querendo tomar grana? 

– Não, PM que dirige de cueca como eu. 

O amigo estranhou a resposta, mas preferiu não entrar em detalhes. Sem chances para a primeira, Joãozinho relaxou e foi a 20 quilômetros. A cena era melancólica. Terno amassado no banco do carona, um dos sapatos jogados no painel, vidro aberto, de cueca, meião, cotovelo para fora da janela e peito nu para sentir a brisa da noite. O PM estava certo. As mulheres nunca entenderão tanta poesia.


Texto publicado originalmente na coluna “A Pelada Como Ela É” em 18 de dezembro de 2010.

“É PRA VOCÊ, MEU VELHO”

por Sergio Pugliese


Na estrada para Búzios, a notícia impiedosa, cruel, definitiva…o pai de Marcelo Grisalho morrera. O vazio foi imediato, o peito se esfacelou. Curvou-se na poltrona do ônibus e chorou amparado pelo filho Gabriel. Seu Isaltino estava doente há tempos, mas a família ainda acreditava numa recuperação milagrosa. Vascaíno roxo, prestigiava as peladas do filho e assistiu, no Grajaú Tênis Clube, alguns treinos do talentoso neto. 

– Força, pai! – incentivou o menino.

Na rodoviária, a mulher de Marcelo, os aguardava. Os três se abraçaram longamente e, juntos, voltaram ao Rio para regularizar a documentação e providenciar o enterro. No fim de tudo, Marcelo estava do avesso e resolveu acompanhar Jô até Macaé, onde ela venderia camisas esportivas. Lá tinha parentes e grandes amigos, e seria a chance de relaxar. À noite, saiu para caminhar. Estava mergulhado em lembranças do pai quando foi despertado pelo peladeiro Alex, na beira do campo.

– Marcelão, vai jogar? 

Totalmente desinformado da situação, Alex também enfrentava um problemão: completar a pelada. Marcelo foi pego de surpresa. Olhou para o campo e viu parceiros de muitos anos. Todos estavam próximos quando ele perdeu o emprego, o filho teve problemas na escola e o pai ficou doente. Foi correndo atrás da bola que exorcizou todos esses fantasmas. Os amigos da pelada, sempre eles! Marcelo estava confuso, o olhar ia longe e Marquinhos foi direto ao assunto.

– O que houve? Parece que viu um fantasma!

Marcelo balançou a cabeça como se fosse bobagem.

– Não foi nada. Vou pegar o material.

A mulher Jô, crítica ferrenha da pelada semanal, na verdade tri-semanal, não se surpreendeu com a decisão. Marcelo e Jô perderam a conta das brigas feias por conta da bola. Dessa vez, ela ficou em silêncio enquanto o maridão lentamente calçava a chuteira. Na porta, pela primeira vez o incentivou.

– Boa pelada, amor!

Ele saiu de casa com várias pulgas atrás da orelha. Seria pecado jogar pelada no dia do enterro do pai? Decidiu ir em frente!

Jogou chorando. Correu por todas as partes do campo, gritou com os companheiros, chutou de todas as distâncias, extravazou como pôde e no final ainda marcou um golaço. Comemorou ajoelhado, apontando para o céu.

– É para você, meu velho!

O filho invadiu o campo e os dois choraram abraçados. Só naquele momento os amigos souberam da morte de Seu Isaltino. E como não podia deixar de ser, o incentivaram. Da forma deles.

– Vamos pro jogo! Vamos pro jogo! – gritou Alex.

Marcelo foi, afinal, a pelada não pode parar!

A ALEGRIA DO POVO

Hoje, 28 de outubro, é aniversário de Garrincha, o maior criador de “joões” da história do futebol! Mas o parceiro Josafá Almeida nos alertou que existe uma polêmica em relação ao dia exato. Para seu biógrafo Rui Castro (“Estrela Solitária”), ele teria nascido no próprio dia 28. Autor de diversos livros sobre futebol, o jornalista Roberto Assaf, no entanto, afirma que o dia correto é 18 de outubro. Parabéns, onde estiverem suas pernas tortas…

Em homenagem a um dos maiores craques do futebol mundial, resgatamos um texto muito bacana da coluna “A Pelada Como Ela É”, publicado em 26 de outubro de 2013.

CATA-CATA DE AFONSINHO

por Sergio Pugliese


Há dez dias, Afonsinho, cracaço botafoguense, estava na Itália quando recebeu a ligação do amigo Edson José de Barros, o Edinho, presidente do Esporte Clube Pau Grande, com uma missão para lá de especial: levar um time para enfrentar a seleção local, em comemoração aos 80 anos de Garrincha, maior ídolo da história do Botafogo, morto em 1983. Afonsinho, claro, topou, mesmo sabendo das dificuldades, pois chegaria ao Brasil dois dias antes da festa, em Magé. Mas jogar no campo onde Garrincha deu seus primeiros dribles é emoção até para vascaínos, tricolores e flamenguistas, imagine para os alvinegros!

A turma da coluna “A Pelada Como Ela É” chegou cedo e encontrou o presidente Edinho, indócil, na porta do centenário clube. Casa cheia, cervejas no freezer, churrasco no ponto, mesas arrumadas, grama aparada, time adversário completo e nada de Afonsinho, o criador da Lei do Passe Livre, o rebelde, o engajado, o politizado, o barbudo que sacolejou a cabeça e abriu os olhos de toda uma geração, na década de 70. Um cara desses não vai deixar furo, mesmo tendo desabado um temporal no dia anterior e o trajeto Paquetá-Magé não ser dos mais animadores. Apesar dos pesares, Guilherme Careca Meireles, fotógrafo de nossa equipe e botafoguense supersticioso, assinou embaixo:— Cheguei em Paquetá e iniciei o cata-cata — divertiu-se ele, sábado passado, na concorrida resenha pós-jogo.

— Com esse não tem erro, ele vem!


Pedimos uma gelada para relaxar e brindamos por Garrincha! Estávamos na terra do homem, era o mínimo! Na mesa, Guilherme me perguntou baixinho: “Será que o Afonsinho vem mesmo?”. Caímos na gargalhada, mas nos concentramos quando Edinho se aproximou com um senhorzinho em plena forma, segundo ele “o maior especialista em Garrincha”. No envelope pardo, fotos do amigo e parceiro de ataque do Palmeirinha, primeiro time do infernal camisa 7. Ali, naquele campo oficial, bem na nossa frente, Genarino Cozzolino, o Bacalhau, hoje com 82 anos, fez muitos gols com passes do maior ponta-direita do planeta. Do time, Valdair, Cico Militão, Gido Lobo, Cico Peixinho, Zé Mergulhão, Ivo, Zé Baleia, Ari Morte, Tião Morfeia, Diquinho, Bacalhau, Garrincha e Irineu, só ele continua na área e se derrubar é pênalti! —Deus vem me mantendo aqui, talvez para continuar contando essa história tão bacana! — brincou ele, capitão de mar e guerra.

Do fundo do bar, alguém gritou “Olha o Afonsinho, aí!” Edinho benzeu-se, Guilherme Careca também! Afonsinho realmente chegou, mas e o time? Ele foi logo se explicando. Muita gente viajando, outros tantos machucados, alguns com medo de chuva, dezenas trabalhando, centenas incomunicáveis, grande parte vetado pela mulher, mas deu para o gasto. Os adversários vibraram com a presença do ídolo e foram ao delírio com a chegada da arma secreta e outro gênio botafoguense, Nei Conceição, o Nei Chiclete, apelido por grudar a bola no pé. Cara de sono, explicou que fora convocado em cima da hora e só conseguiu uma chuteira emprestada, algumas horas antes, de madrugada, num samba na quadra da União da Ilha. Mais Nei Conceição, impossível! O escrete de Afonsinho também contou, entre outros, com o talento do inquestionável Betinho Cantor, Macaco, ídolo de Americano, Rio Branco e São Bento, Otávio, zagueiro estiloso, e, sim…. Guilherme Careca Meireles. Faltou um e sobrou para ele!


Guilherme Careca posa ao lado da imagem de Garrincha.

— Nei Conceição, Afonsinho e eu formaremos um trio insuperável — profetizou, orgulhoso. Em campo, um desastre! O Esporte Clube Pau Grande, bem treinado por Paulinho Fluminense, ganhou tranquilamente por 4×1. Nei saiu rouco de tanto reclamar. Afonsinho fazia a bola rolar fácil, mas, sempre que procurava alguém para tabelar, não aparecia uma alma. Numa das vezes, olhou para a ponta-direita, imaginou Garrincha e lançou com a maestria habitual, mas era Guilherme Careca Meireles. A bola chegou macia e Afonsinho ainda tentou incentivá-lo: “Parte para cima deles!”. Mas eram quilômetros de campo, mal dava para ver o gol adversário, e o lateral lhe roubou a bola facilmente. Nei, desgostoso, balançou a cabeça, Afonsinho, arrasado, colocou a mão na cintura e Guilherme, realizado, sentiu-se o Anjo das Pernas Tortas num dia ruim.

 

O BOTEQUIM DO ALFREDINHO

por Sergio Pugliese


Campos de pelada e botequins são almas gêmeas. Populares, democráticos, palcos de prazer e frustrações, títulos e rebaixamentos. Normalmente maltratados, esburacados e sujos não cogitam plástica, afinal quanto pior, melhor! Bem resolvidos, complementam-se harmoniosamente: um desgasta a rapaziada e o outro abastece o corpo e a alma. Nesses três anos de coluna nos dividimos felizes da vida entre esses dois espaços e na quarta-feira passada não foi diferente. Nossa equipe, quebrada, saiu de um racha direto para o Bip Bip, em Copacabana, reduto de boêmios e dos melhores músicos do pedaço. Alfredinho, o dono, estava lá, cercado de fotos dos bambas Aldir Blanc, Roberto Ribeiro, Nelson Sargento e Carlos Cachaça.

– Jogava bola, Alfredinho? – provocou Ian Sena, pontinha atrevido do A Pelada Como Ela É.

– Tá brincando, menino? Era o camisa 10 do Bossa Nova – devolveu. 

Nascido em Santa Cruz e criado em Cosmos e Bangu, claro que o botafoguense Alfredo Jacinto Melo era bom de bola. Desfilou o talento como meia-armador e ponta-esquerda, no campo do Rosita Sofia. Nessa época atendia por Russinho. O dono do time, Walter Jararaca, vibrava com os seus dribles. Baixinho, entortava os gigantes do principal rival, o Esquina do Pecado. Mas seus companheiros Tião, Dito, Pedro Rola, Orlando Silva, Jorge Farrapo, Jabuti, Hélio Muquira, Totonho e Fefeu também eram ensaboados. Quantas vitórias comemoradas com carne de gato!

– Tempo bom, mas o futebol profissional acabou – desabafou.

Para Alfredinho, mesmo após a goleada para o Bayern, o Barcelona continua sendo o melhor do mundo. E só. Os clientes concordaram e ele emendou reclamando das novas arenas, do beach soccer, do futsal. Quer de volta o Maracanã com a geral, o futebol de praia, o futebol de salão. Mesa de bar é para isso! Os compositores Paulinho do Cavaco e Luis Pimentel pediram os botequins de volta, mas em forma de canção: “…o porre, a paquera, conversa fiada. E a dor de corno que virou piada. Nos meus botequins a vida era engraçada….o ovo colorido enfeitando o balcão. A cerveja gelada tirando o juízo. E os sonhos cobrindo a serragem do chão. E no alto São Jorge matando o dragão…”. A galera delirou! O artilheiro Ian batucava na latinha de cerveja e o quarto zagueiro Pimentel, no tantan.

– Depois de arrasar no jogo, nada melhor do que colher os louros – tirou onda, Ian.

O moleque realmente deitou e rolou na partida contra o escrete de Mangueirinha, colega de trabalho. Fez três gols e distribuiu lençóis e canetas. Alfredinho sente uma pontada no peito quando ouve essas histórias. Estava no infanto do Bangu, dirigido por Domingos da Guia, quando precisou trocar a carreira no futebol por uma corretora de câmbio. Alugou um apartamento em Copacabana com quatro amigos e as noitadas nunca mais o abandonaram. Em 1984, assumiu o Bip Bip, fundado em 1968. É o quarto dono. Era um antigo sonho reunir amigos em resenhas futebolísticas e musicais. Carismático, transformou um espaço de 18 metros quadrados em atração turística internacional. Não tem garçons. Os próprios clientes pegam suas latinhas de cerveja no freezer e cortam o queijo no balcão, o oposto da canção de Paulinho Cavaco e Pimentel sobre a invasão dos botecos de grife: “…é point da moda, não sai dos jornais, cheio de frescuras e artistas globais….”. 

– O Bip Bip é a casa de todos – resumiu, Alfredinho.

Ian Sena estava feliz como pinto no lixo, soltinho como nas quatro linhas. E filosofou citando um pensamento do teólogo Leonardo Boff: “Boteco é um estado de espírito. É uma metáfora da comensalidade sonhada por Jesus, lugar onde todos podem sentar à mesa e celebrar o convívio fraterno e fazer do comer, uma comunhão”. A frase retratava fielmente o momento vivido pela rapaziada. Ian também lembrou do boleiro José Neto, cria do Aterro, e seu blog Drinks & Kibe, no mesmo conceito, bar e bola. Já era tarde. Daphne, namorada de Ian, ligou cobrando presença. Ainda tinha o terceiro tempo! Hora da foto! Alfredinho abraçou a bola e fez cara de sério: “Deixa com o craque!”. Paulinho do Cavaco e Pimentel ajeitaram as golas. Click! Ian partiu quicando a redonda enquanto Alfredinho apontava a geladeira para um turista italiano que ainda não sabia como a banda tocava por ali.

Texto publicado originalmente na coluna A Pelada Como Ela É no dia 27 de abril de 2013.

A URNA

texto: Sergio Pugliese | ilustração: Claudio Duarte


Convocado pela Justiça Eleitoral para exercer a função de mesário, Aranha respirou fundo e tentou manter o controle emocional. Ele não merecia isso, não naquele dia. Brasileiro, cumpridor dos deveres, impostos em dia, excelente aluno e filho de advogado famoso, o estudante de Economia era considerado um menino prodígio em Petrópolis. Agregador, ainda organizava uma pelada sagrada, paixão de sua vida, no Campestre, e durante meses liderou uma campanha pela reforma do campinho do clube, totalmente esburacado. E o xis da questão era justamente esse: a reinauguração da nova arena estava marcada para o mesmo dia da eleição, no fim da tarde. Aranha tinha a exata noção da importância dos mesários, representantes do povo participando da construção da democracia, mas a obrigação cívica o transformou num jovem alucinado, rebelde e disposto a qualquer loucura para não ficar fora do racha.

– Lutei muito para reformar o campo e não existia a menor possibilidade de ficar fora da festa – lembrou Aranha, que suplicou para não ser identificado porque até hoje, 30 anos depois, o desfecho da história ainda lhe rende severas críticas familiares.

Também pudera, a estratégia usada por Aranha foi a pior possível. Até hoje ele nunca revelou o mentor do desastrado plano e prefere assumir sozinho o estrago. No dia da eleição precisou madrugar porque não era apenas mesário, mas o presidente da seção. Tinha 18 anos, estava de ressaca e seu vice era um senhorzinho invocado. Reuniram a equipe, passaram as últimas coordenadas e abriram a porta da escola aos eleitores.

– O plano era encerrar a seção vinte minutos antes e desaparecer – contou.

O movimento foi grande durante a manhã. Da porta, Aranha sinalizava para as pessoas entrarem logo e na sala organizava a fila e tirava dúvidas. Só faltava bater palmas para os indecisos votarem mais rápido. Estava visivelmente tenso, olho vidrado no relógio. O campo, em Nogueira, ficava a 10 quilômetros da escola, no Retiro, e os amigos já estavam avisados de sua presença na primeira partida. O grande problema seria convencer o vice, homem sério, aposentado do Banco do Brasil, a encerrar a votação às 16h45, 15 minutos antes do previsto. Só na marra, lançando mão da autoridade de presidente.

– Quando a sala deu uma esvaziada falei para a equipe ir desmontando o acampamento – disse, às gargalhadas.

Claro, ninguém entendeu nada. Ainda faltavam 40 minutos, mas o objetivo era preparar o terreno. Adiantou o relógio e rezou. Dois companheiros da pelada entraram para votar e no final o alertaram para não se atrasar. Atirou-se sobre a dupla antes que falassem demais. Alguns minutos depois, iniciou o show. Aproveitou a sala vazia e começou a gritar “encerrou!”, “liberados!”. Alguns mesários não pensaram duas vezes e viraram fumaça, outros exigiram explicações e o vice precisou de água com açúcar. 

– Fechei a casa, coloquei a urna no Fusca e me mandei para o jogo – falou.

Os amigos Flavinho Botelho, Salim, Edmundo, Maurinho, Bocão e o saudoso Tony não entenderam nada quando Aranha entrou correndo no clube, carregando uma urna. Ofegante, ele convocou Benildo, o faz tudo do clube, e mais um grandalhão para tomarem conta do “saco”. Deu R$ 15 para cada e foi jogar, olho no padre e outro na missa. O campo estava um tapete e Aranha deixou o seu, de placa, logo aos cinco minutos. No fim da segunda partida, tomou banho e se mandou para entregar a urna no SESC, onde acontecia a apuração. 

– A contagem estava atrasada por minha causa e chegando lá quase fui preso – lamentou.

Após horas de confusão e a presença do pai, irado, constataram que a urna estava intacta. Aranha alegou problemas gástricos, enjoo e fortes dores de cabeça. Foi liberado e levou a maior bronca da vida. Completamente arrependido, ficou sozinho, encostado no Fusca. Arrasado, precisava de ombros amigos. E sabia onde encontrá-los! Entrou no carro, acelerou e ainda chegou a tempo do churrascão no Campestre.