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A PRIMEIRA

16 / novembro / 2016

por Sergio Pugliese


Na foto, Sylvio Amaro, o homem que jogou o camarão para o alto

Eduardo perdeu a direção quando tentou uma manobra ousada e ficou entalado num canteiro. Foi ultrapassado pelo amigo e bufou quando ele seguiu rindo, e ainda deu tchauzinho pelo espelho interno. PC Bonfim saiu de uma festa com o sol raiando e para não arriscar foi direto ao Campo do Agrião. Dormiria no carro a uma hora e meia que faltava. Chegando lá, foi surpreendido por outros dois malucos com a mesma ideia. Mauro Maidantchik acorda todo sábado às cinco da matina para garantir a vaga, no Jamelão. Fernando Coimbra teve acesso de fúria quando viu a pelada iniciar sem ele e, inconformado, jogou duas dúzias de tangerina no campo do Country Clube de Niterói. A mesma atitude irada teve Sylvio Amaro, do Bate Boca, na Barra. Arremessou 10 quilos de camarão para os ares e melou o jogo. Quem é peladeiro sabe. Vale tudo para não ficar fora da primeira. 

– Se a pelada é mágica, a primeira exerce um fascínio inexplicável. Ganhar, então, é garantia de uma resenha paradisíaca! – define Tico, da Pelada do Surdos e Mudos, em Laranjeiras. 

A equipe do A Pelada Como Ela É sabia disso tudo mas se impressionou com certas atitudes, todas insanamente divertidas. Na Asbac, do Estácio, foi demais! 

– Faltam quantos para fechar? – perguntou Luiz Flávio, o DJ, pelo rádio, em tom de pânico, ao organizador Porquinho. 

– Um – respondeu, com a tranquilidade de quem tinha a vaga garantida. 

DJ é um cidadão pacato, do bem, excelente professor de Educação Física, amado pelas crianças, mas a resposta de Porquinho fez com que ele pisasse fundo, avançasse dois sinais, quase atropelasse uma velhinha e lembrasse seus tempos de campeão de kart. Minutos depois o pessoal da concentração ouviu o som de carro cantando pneu e, em seguida, freando bruscamente. 

– O que foi isso? – perguntou Fino, assustado. 

– DJ chegou – disse Porquinho, com a experiência dos monges budistas. 

Estava certo. DJ entrou tropeçando e respirou aliviado quando ouviu Porquinho gritar “fechou!”. Exultante, contou sobre suas manobras ousadas e contabilizou o valor das multas que deve receber por avanço de sinal, mas vibrava por estar na primeira. Dez segundos depois, Fabinho Surfista entrou como um raio querendo saber se estava dentro. 

– Fechou, otário! – disse Porquinho, vibrando de prazer. 

– Tá todo mundo em dia com a mensalidade? São todos efetivos? – apelou Fabinho, tentando uma última cartada. 

Só restava lamentar. 

– O que me quebrou foi aquele sinal da Presidente Vargas. 

A loucura para não perder a primeira chega a níveis tão elevados que Joãozinho, da Pelada do Clube dos Macacos, adquiriu uma técnica ninja de trocar de roupa dirigindo. Certa vez estava na Lagoa apenas de cueca quando foi parado por um motoqueiro da PM. Desceu o vidro apenas alguns centímetros e passou a habilitação. Desconfiado, o policial o mandou descer. Então, abriu totalmente o vidro e revelou suas condições. 

– Você sempre dirige assim? 

– Vou trocando de roupa para não perder a primeira pelada – confessou, constrangido. 

O PM se apoiou no carro para rir e mostrou-se totalmente solidário. 

– Nossas mulheres nunca nos entenderão! Também faço isso e olha que tirar a farda não é mole. E a bota? Tenho que aproveitar os sinais fechados. Amigo, vai em frente, não quero lhe atrasar. Mas cuidado com os radares! 

E Joãozinho partiu. Mas perdeu preciosos minutos. Na verdade, ganhou. Empresário renomado, achou divertido ele e um PM agirem da mesma forma. Mais cara de pelada, impossível! Pelo rádio, um amigo avisou que a primeira fechara. 

– Parei numa blitz – explicou. 

– PM querendo tomar grana? 

– Não, PM que dirige de cueca como eu. 

O amigo estranhou a resposta, mas preferiu não entrar em detalhes. Sem chances para a primeira, Joãozinho relaxou e foi a 20 quilômetros. A cena era melancólica. Terno amassado no banco do carona, um dos sapatos jogados no painel, vidro aberto, de cueca, meião, cotovelo para fora da janela e peito nu para sentir a brisa da noite. O PM estava certo. As mulheres nunca entenderão tanta poesia.


Texto publicado originalmente na coluna “A Pelada Como Ela É” em 18 de dezembro de 2010.

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