por André Felipe de Lima
O bairro da Saúde, na zona portuária do Rio, presencia hoje merecida revitalização. Foi lá, nos tempos em que foi reduto da boemia e da malandragem carioca, em que nasceu no dia 7 de agosto de 1930 o cidadão Caetano Silva, que anos depois ficaria conhecido como Veludo, apelido que recebeu em 1947 do escritor e imortal da Academia Brasileira das Letras Otávio Faria. Foi com o mesmo apelido que se consagrou no futebol brasileiro, especialmente no Fluminense. Foi, sem dúvidas, mesmo sendo a “sombra” do magistral Castilho, um dos melhores goleiros da história do Tricolor. Tanto é verdade que o seu talento, mesmo sendo reserva de Castilho, garantiu-o na seleção brasileira que embarcou para a Suíça, sede da Copa do Mundo de 1954. “Não ganhei nada com o futebol, apenas injúrias”, lamentava-se no final da carreira. A amargura teve começo, meio e fim. Era, portanto, justificada por uma vida muito difícil antes mesmo de o futebol entrar em sua vida.
Veludo perdera o pai ainda bem pequeno e teve, ainda adolescente, de trabalhar na estiva para sustentar a mãe, dona Joana, e os irmãos Jerônimo, Paulo Roberto, Neusa e Júlia. Ora carregava sacos mais pesados que o próprio corpo, ora era o goleiro titular do Harmonia, time de peladeiros da Saúde. Na final do campeonato de peladas do bairro, contra o Atilia, um camarada conhecido como “Espanhol” insistiu para que Veludo fosse com ele às Laranjeiras para um teste. Veludo foi. Newton Cardoso, que era o técnico dos juvenis, gostou dele. Ficou por lá mesmo.
Orgulhava-se apenas do filho Anselmo Perdomo Silva. Jamais da carreira. Tinha verdadeira paixão pelo menino. “Quero ser jogador do Flamengo”, dizia o garoto para o pai. “Seja centroavante, meu filho. A posição de goleiro não é mole”, aconselhava sabiamente Veludo.
A vida sorriu marota para o grande goleiro. E isso é verdade. Viveu o céu e o inferno. Negro, sofreu com o preconceito. Superava isso com a bravura nos gramados. Um genuíno herói. Fora dele, era sempre muito mais difícil lidar com os graves e hipócritas desníveis sociais. Jamais soube lidar com esse injusto e imoral desafio, que representa o racismo.
Igualmente grande escritor como Otávio Faria, Luis Fernando Veríssimo esboçou uma digressão sobre o racismo de que fora vítima Veludo: “Cresci ouvindo dizer que o melhor goleiro do Brasil era Veludo. Reserva do Castilho no Fluminense e tão bom que era reserva do Castilho na seleção. Só não era o titular, diziam, porque era negro […] estereótipos racistas sobre agilidade e elasticidade até favoreciam uma tese inversa, a de que o negro mais confiável do que o branco no gol. Mas quando o Barbosa deixou passar aquela bola de Ghiggia, em 50, o preconceito, até então disfarçado, endureceu e virou superstição.”
Veludo sofreu talvez até mais que Barbosa com racismo tupiniquim. Mergulhou em profunda depressão no começo dos anos de 1960. Decidiu abandonar tudo em 1963, quando jogava no Renascença, de Belo Horizonte. Didi e João Saldanha chegaram a convidá-lo para treinar no Botafogo. Mas era tarde demais. Veludo fora engolido pela atormentada alma.
O amado filho jamais teve tempo de responder ao pai em que posição decidira efetivamente jogar. Veludo, vítima da diabetes, acentuada por conta do alcoolismo, não resistiu. Castilho, de quem foi grande amigo, presidia a Fundação Garantia do Atleta Profissional (Fugap). Ajudou-o com internações e o acompanhou até o fim, em outubro de 1970.
Partira Veludo para o andar de cima. Mas deixou uma história singular. Foi um ídolo, e como todos os grandes, merecidamente amado e injustamente odiado. Um gigante do futebol e uma personagem singular que nem mesmo o mais trágico dos poetas ousaria entortar a prosódia ao decantá-lo em prosa e verso. Veludo tem história.
Me lembro bem do veludo. Era um goleiro fantástico, digno da camisa 1 do Fluminense sendo uma verdadeira sombra para o mito Castilho. Descansou em paz.