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SORRIR É O MELHOR REMÉDIO

2 / julho / 2017

texto: Marcos Vinicius Cabral | foto e vídeo: Guillermo Planel | edição de vídeo: Daniel Planel

– Alô, é da casa do País? – perguntei com receio de ter ligado para o número errado.

– Sim, é da casa dele. Quem está falando? – perguntou uma voz feminina.

– Aqui é o Marcos Vinicius, do Museu da Pelada.

– Oi Marquinhos, vou chamá-lo, mas ele está muito triste. Um instante – disse dona Maria Lúcia, sua esposa, sem dar tempo de perguntar o motivo da tristeza.

– Oi amigo, é amanhã que a gente vai pegar minhas fotos? – me indagou uma voz aveludada. 

– Isso mesmo, estou ligando para avisá-lo que amanhã às 14h, irei te pegar com a equipe do Museu da Pelada, para irmos no Largo do Machado buscar seu álbum digitalizado, como prometido.

– Amanhã te espero e obrigado pelo que estão fazendo comigo! – exclamou sem saber o real motivo da nossa ida à cidade maravilhosa.

 – Ok querido, “tamu junto”! – me despedi respeitando sua tristeza.

Na manhã seguinte, na sexta-feira (16), ao ir trabalhar, fiquei imaginando quais motivos deixariam o grande goleiro País tão para baixo a ponto de não mostrar a mesma alegria que nos recebera, no início do mês, quando estivemos em sua casa, fazendo uma entrevista com ele.

Diferentemente daquele dia, percebi que algo estranho estava presente por trás dos minúsculos óculos, que escondiam a tristeza em seu olhar.

Parei o carro em frente ao número 4.497, na rua Marajó, no Boa Vista, liguei o pisca alerta do veículo e fui tocar a campainha de sua casa.

Ao abrir o portão, dona Maria Lúcia, sua esposa há 43 anos, me disse para ter um pouquinho de paciência com ele, pois estava muito emocionado com a partida do Bil, com quem conviveram por 12 maravilhosos anos, desfrutando da mais sincera lealdade numa amizade.

– Marquinhos, o Bil morreu ontem e estamos arrasados – disse com lágrimas nos olhos.

Dei um abraço nela e tentei passar uma energia boa com a perda, mesmo ainda sem saber quem era o Bil.

Antes de entrar no carro, cheguei o banco do carona para trás – por ter quase dois metros de altura – imaginei que seus joelhos ficariam encostados no painel e isso lhe causaria um incômodo desnecessário.

Ao entrar no carro, recebi do País um abraço tão apertado, que com a emoção destinada naquela ação, conseguiu destravar o cinto de segurança que havia colocado ao me sentar para dirigir.

Demos tchau em um ato ensaiado, e pegamos a BR-101, sentido Rio de Janeiro.

Liguei o rádio na 97,5 (Melodia) e coloquei bem baixinho esperando pelo ex-arqueiro do América-RJ puxar assunto, já que sempre limpava os óculos que estavam embaçado pelo choro incontido, pela lembrança do Bil.

Fomos até a subida da ponte, sem trocar uma palavra.

O sentimento era de um silêncio fúnebre, enlutado pela tamanha perda.

Ao chegar no vão central da Ponte Presidente Costa e Silva, popularmente conhecida como Ponte Rio-Niterói, liguei para o cinegrafista Guillermo Planel, que estaria já nos esperando com o (suposto) álbum digitalizado.

Entre gaivotas dando rasantes e alternando belos mergulhos, naquele magnífico céu azul com sol refletindo nas águas da Baía de Guanabara e reluzindo nos vidros dos carros a nossa volta, País observava com olhos marejados e atentos, tipo criança quando vai a algum lugar pela primeira vez. 

Depois de quase 20 minutos sem trocar uma palavra sequer, nossa parada técnica – termo usado para designar uma pausa nas partidas de futebol e também hidratar os atletas – foi com um comentário que hidratou a partir de então, nossa conversa.

 – Sabe de uma coisa, Marquinhos? Certos animais não deveriam morrer nunca. E o meu cachorro era um deles – desabafou o goleiro, que iniciou a carreira profissionalmente em 1971 e assumiu a camisa número 1 do Mequinha em 1974.

Concordei, balançando a cabeça positivamente e tentando estancar aquela dor, que era igual a de 1977, quando o presidente do América-RJ, senhor Wilson Freire Carvalhal, se negou a vendê-lo para o Atlético de Madrid, após uma atuação épica na vitória por 1 a 0, dentro do Vicente Calderón (na época, chamado de Manzanares), no torneio Teresa Herrera.

– Hoje eu vivo com uma aposentadoria que dá para sobreviver mas se eu fosse vendido para fora, estaria em melhor situação – confidenciou.

Contudo, se no final da década de 70, a chance de fazer a independência financeira não se concretizou, restou como consolo ser um dos melhores goleiros do Brasil, sendo inclusive, posteriormente, convocado por Cláudio Coutinho para a seleção brasileira que iniciava a preparação para a Copa do Mundo na Argentina, em 1978.

Mas se nossa conversa se restringiu a fatos tristes, chegando no Largo do Machado, uma surpresa o esperava.

Sem revelar a verdade – pois ele acreditava que iria buscar o material dele com fotos, recortes de jornais e revistas todo digitalizado – ele estava sendo aguardado pelos ídolos rubro-negros e seus companheiros no Fla-Master, Adílio e Júlio César Urigeller, no consultório do nosso querido Dr. Lulinha, para iniciar seu tratamento dentário.

Portanto, chegando lá, foi recebido com todo carinho e voltou a mostrar para os que o conhecem, o sorriso, que ao lado de sua generosidade, são duas marcas características do grande ser humano que é. Sua dor deu lugar a um respiro, ainda que fraquinho, de alegria pela surpresa e esse respiro ínfimo me encheu da mais pura alegria, ao ver novamente o sorriso bonito do nosso número 1.

 

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