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O MENINO E A BOLA

por Victor Kingma

O menino joga bola
No pequeno terreno baldio
No recreio da escola
No campo, na beira do rio

Chuta bola no jardim
Quebra o galho da roseira
Até o jogo chegar ao fim
No espinho da trepadeira

Joga bola na praça
Chuta a bola no canteiro
Às vezes quebra a vidraça
Do vizinho encrenqueiro

Chuta bola na calçada
Joga bola na rua
Com o pé faz embaixada
No braço, o ídolo tatua

Como joga esse menino
Debaixo de chuva ou de sol
Que lhe reserve o destino
Ser um jogador de futebol

NÃO SUBESTIMEM UMA LENDA

por Zé Roberto Padilha

Se não fosse a idolatria que o cerca, conquistada dentro de campo pelo talento e obstinação, ninguém prestaria a atenção em Portugal.

Sua seleção, modesta, representa o pouco interesse que seu campeonato nacional desperta na imprensa internacional. De tão pouca repercussão, não foi capaz de seduzir nenhum grande craque a atuar no Porto, Sporting ou Benfica.

Portugal não ganhou nenhuma Copa do Mundo. Um jogador seu, porém, ganhou a Bola de Ouro da Fifa por cinco vezes. Nao há precedentes. Com exceção de Eusébio, nenhum outro foi sequer lembrado pelo bronze. Não é pouca coisa.

Tudo isso incomoda, causa ciúmes, beicinhos nos anonimatos.

Agora, para aparecer debaixo dos holofotes que só ele, Messi, Mbappe e Neymar são capazes de atrair, seu treinador o coloca no banco de reservas diante de uma seleção limitada tecnicamente, como a Suíça. E goleia.

Mais do que isso, com 4×0 no placar, aos 20 do segundo tempo não atende aos apelos do estádio, do mundo, das crianças que só assistiam essa pelada de luxo por sua causa. E só o coloca nos minutos finais com a intenção de puni-lo.

Esse cidadão, treinador de Portugal, não está punindo Cristiano Ronaldo. Está vendendo um show dos Beatles sem o Jonh Lennon porque este insurrecionou. E pune não a ele, mas os amantes da boa música, do bom futebol, que estão cansados da mesmice e das limitações das novas gerações.

Depois dos que torceram contra a Argentina e para que a contusão do Neymar fosse mais séria, a mais idiota das atitudes tem sido torcer para que a Copa sofra a ausência de um das suas maiores atrações.

Um ídolo não se faz da noite para o dia. Muito menos, conseguem apagar seu brilho da noite para o dia.

Essa Copa do Mundo ainda vai falar muito pouco sobre Portugal. Mas sobre Cristiano Ronaldo, motivado e mordido, vão ter que reservar muito espaço para lhe exaltar.

E pedir desculpas.

BETO FUSCÃO

por Paulo-Roberto Andel

Chegou a hora. É assim para todos nós.

Eu vi Beto Fuscão uma vez no Maracanã de antigamente, de muito tempo atrás, 1979. Não era jogo do Fluminense, mas meu pai me levou ao Maracanã e nos sentimos bem, em meio a uma turma de verde. Nós, espremidos por verdadeira multidão de flamengos.

Aconteceu uma das maiores partidas da história. Eram dois timaços, mas o Palmeiras, com sua camisa verdona linda, nocauteou sem dó. Fez 4 a 1 e se classificou para a semifinal do campeonato brasileiro. Meu pai ria, que saudade. À beira do campo, o treinador era um símbolo do Fluminense: Telê Santana, o mestre.

A goleada mudou o futebol brasileiro. A partida do Palmeiras foi tão espetacular que levou Telê para a Seleção Brasileira. O resto já se sabe: o Brasil viveu dois anos e meio de sonho com o escrete que encantou o mundo, exceto os idiotas da objetividade.

Gilmar, Rosemiro, Beto Fuscão, Polozzi e Pedrinho; Pires, Mococa e Jorge Mendonça; Jorginho, Cesar e Baroninho. Depois entrou Zé Mário, que inclusive fez gol. Daquela tarde de sonhos, foram embora o Mococa e o Jorge Mendonça, que jogaram aqui no Rio, mais o Beto Fuscão. Meu pai também foi embora, assim como muitos torcedores que viram ao vivo aquele jogo espetacular. Eu, que continuo por aqui, reitero: foi uma das maiores partidas da história do Maracanã. Antes disso, o Beto foi Seleção em 1977.

Beto Fuscão, muito obrigado por ter existido. Pessoas como você me trouxeram até aqui. Aquele domingo à tarde de 1979 é imortal.

@pauloandel

ZICO E UM CERTO FLA-FLU

por Marcos Vinicius Cabral

Por conta dos altos custos com o Maracanã, Flamengo e Fluminense preferiram sair do Rio de Janeiro e jogar o clássico em Juiz de Fora.

Ainda no vestiário, Zico, faltando poucos minutos para as equipes entrarem em campo, sabendo que as cortinas estavam prestes a serem fechadas e que o público não assistiria sua arte, pediu:

Não quero homenagens. O melhor presente é jogar com garra. Este vai ser o agradecimento que eu quero receber de vocês.

Atentos, Zé Carlos, Josimar, Júnior, Rogério, Leonardo, Ailton, Luis Carlos, Renato Gaúcho, Bujica e Zinho ouviram o pedido e selaram ali um acordo de que não comprometeriam a despedida do camisa 10 em partidas oficiais pelo clube.

Era Campeonato Brasileiro de 1989. Tanto Flamengo e tanto Fluminense iam mal das pernas.

Os tricolores na rabeira do grupo em que estava e os rubro-negros sem forças para alcançar o São Paulo por uma vaga na decisão.

O momento de ambos, prometia um jogo insosso. Uma partida em que as duas equipes, sem pretensões nenhuma, não poderiam oferecer nada aos 13 mil pagantes que estiveram presentes no Estádio Municipal Mário Helênio, naquele 2 de dezembro de 1989.

Mas um pedido de Zico é uma ordem. E assim foi na vitória por 5 a 0.

O primeiro gol nasceu da genialidade do Chaplin dos campos, que sem dizer uma só palavra – como fazia o gênio do cinema mudo – aplicou uma caneta desconcertante em Donizeti, antes de ser parado com falta.

Se preparando para a cobrança, os olhos aflitos do goleiro Ricardo Pinto buscavam solução para algo insolucionável: como deter aquele chute de Zico?

Ricardo Pinto voou e tentou em vão, mas a bola foi na gaveta, sem que o camisa 1 tricolor conseguisse evitar mais uma pintura de gol.

Já nos 45 minutos finais, outro lance magistral do camisa 10. Zico descolou de bicicleta um lançamento fabuloso para Renato Gaúcho, que arrancou e resolveu.

Era o suficiente ao veterano de 36 anos, que coincidentemente, aos 36 minutos, foi substituído por Valdir Espinosa e deixou o campo logo depois disso. Luis Carlos, Uidemar e Bujica fecharam a goleada.

Há 33 anos, não há mais Fla-Flus como os que Zico jogava.

Contra o Fluminense, o Galo era impiedoso e muito, muito malvado.

Ao final do clássico, Zico não disfarçava a emoção, já que receberia, merecidíssima nota 10 dos jornais que cobriram o jogo.

Pouco mais de dois meses depois, 100 mil pessoas estiveram na despedida grandiosa que o genial 10 rubro-negro realizou no Maracanã, em fevereiro de 1990.

Até hoje, depois de 33 anos sem ver o maior camisa 10 do Flamengo em campo, me pergunto: haverá um outro Zico?

Pelo menos alguém merecedor de, como dizem os boleiros, “carregar as chuteiras” do Zico?

Zico foi arco e flecha. Zico foi semente plantada na Gávea, regada por muitos treinos, que cresceu, frutificou, fez sombra e as raízes permanecem firmes até hoje, no coração de nós, rubro-negros.

Zico já saiu de cena do futebol e mantém-se simples e humilde com todos, bem diferente do jogador altivo que foi enquanto esteve em campo fazendo peraltices como uma criança levada.

Ah, Zico… quantas saudade!

HISTÓRIAS DE PC CAJU

por Péris Ribeiro

Nos tempos de Flamengo, Paulo Cézar chegou a ser apontado pelo próprio Pelé como o seu sucessor na Seleção Brasileira

Para todos os efeitos, foi um diálogo, no mínimo, inusitado.

– Você é de que rádio?

– Mauá

– Não tem entrevista.

– Por quê?

– Ora, porque ela não dá Ibope!

Em pleno ar, foi assim que, certo dia, o intempestivo Paulo Cézar Caju resolveu despachar um jovem repórter da simpática rádio Mauá do Rio. Aquela mesma do folclórico narrador de 10 Copas do Mundo, Orlando Baptista – que gostava de se autointitular, com o garbo de sempre, “ o mais laureado “.

Arrogância pura? Máscara sem tamanho? Ou um temperamento em que os anjos e demônios do seu espírito viviam a travar, sem trégua, uma briga de foice em pleno escuro?

De certo mesmo, o que havia era que, desde um controvertido episódio das bermudas coloridas, em que PC saiu correndo pela sede do Botafogo, com o presidente alvinegro Althemar Dutra de Castilho no seu encalço, tudo em sua vida parecia projetar sempre ares os mais diferentes. Às vezes, era como se fosse dia de chuva fina, com o sol radiante se abrindo logo depois. Outro tanto, era noite de céu estrelado, transfigurando-se, inesperadamente, em tempo de tenebrosa tempestade.

É que, além do episódio com o jovem repórter da rádio Mauá, não dava para esconder alguns novos atritos com turbulentos grupos que faziam parte da própria imprensa. Também havia comentários, sobre determinadas rixas com companheiros dos times em que atuara. E, a bem da verdade, nunca deixara de existir uma espécie de luta de luvas brancas, de Paulo Cézar com os quase sempre inescrupulosos dirigentes do pesado ambiente do futebol. Sem contar, é claro, o folclórico episódio com o presidente Dutra de Castilho – que odiava, de fato, as incontáveis bermudas psicodélicas do indigitado Caju.

A bem da verdade, porém, justiça se lhe faça: com a bola nos pés – particularmente o direito –, era daquele tipo raro do craque total. Absoluto. Sem igual para a sua época – e olha que era uma época repleta de craques!

Dotado de uma habilidade fantástica, tinha um estilo elegante mas, ao mesmo tempo, esfuziante. E um fôlego que o fazia tanto ir à linha de fundo, pela ponta-esquerda, como o trazia de volta para compor o meio-de-campo com Gérson, Carlos Roberto ou Afonsinho – ou ainda Nei Conceição – num Botafogo de sonhos, bicampeão carioca e da Taça Guanabara nos anos de 1967/68.

Com apenas 19 anos, a realidade é que já cultivava um senhor cartaz internacional. E que iria se multiplicar ainda mais, depois das soberbas atuações contra a Inglaterra – Brasil 1 a 0, gol de Jairzinho – e a Romênia – Brasil 3 a 2 -, pela Copa do México, em 1970. O que o fez reivindicar o direito, já do alto da condição de campeão do mundo, de deixar de vez a ponta-esquerda – que sempre odiou – para ir mostrar as suas inúmeras habilidades no meio-de-campo.

Quem resolveu atender-lhe o desejo foi o Flamengo. E Paulo César, então, procurou retribuir da melhor maneira que conhecia. Jogando ao lado do gringo Doval, fez do rubro-negro da Gávea supercampeão carioca – justo no ano do Sesquicentenário da Independência do Brasil (1972). E, ainda como uma espécie de amostra maior de sua gratidão, eis que o genial PC ainda levaria aquele mesmo Flamengo – que vivia a superlotar os estádios – a um inédito título de bicampeão da Taça Guanabara (1972/73).

Porém, já corroído pelo espírito cigano, achou que era hora de rodar clubes mundo afora. Mas um novo brilho só veio a acontecer de verdade no Fluminense, ao lado de Rivelino – bicampeão carioca – e no Grêmio Portalegrense – campeão mundial interclubes, tendo como parceiros Mário Sérgio e Renato Gaúcho. Se bem que também valha a pena, levar em conta um bicampeonato gaúcho, conquistado com o Grêmio (1979/80) e o título de campeão da Copa da França ( 1974/75 ), com o Olympique de Marselha.

Amante das boates de luxo e da companhia de louras tão esfuziantes quanto o seu futebol, o certo é que Paulo Cézar acabou gastando mais do que ganhou – se bem que não tenha ganhado pouco.

Mesmo assim, continuou a cultivar alguns velhos hábitos, como o de beber o seu chope no Leblon e frequentar a praia de Ipanema. Ainda mais que, as academias de ginástica que possuía com o irmão adotivo, Fred e o dinheiro bem aplicado em alguns negócios, eram o suficiente, àquela altura, para lhe conferir uma aposentadoria até certo ponto tranquila. E ainda havia um prazer todo especial, que era o de frequentar o elitizado futebol – society no campinho de Chico Buarque de Hollanda, duas vezes por semana – onde ele era, por sinal, uma das grandes atrações.

No entanto, como que levado por um indomável vendaval, eis que Paulo Cézar se viu arrastado, de uma hora para outra, para bem longe do barco dos seus prazeres. Tudo por conta de um vício – jamais programado – com drogas pesadas e bebidas as mais variadas. Um pesadelo que parecia, naquele inferno em que se autodestruía, que jamais iria embora de sua vida. Até que, de maneira quase inacreditável – e cerca de dez anos depois -, todo o horror e toda a aura de maldição, desapareceram como que por encanto. Em um passe de magia.

Para alguns personagens especiais, que acompanharam de perto todo o seu drama, a reviravolta só aconteceu por questões meramente espirituais – algo assim, como se fosse uma espécie de milagre real. Já para outros, no entanto, houve o poder da fé, sim. Muita fé! Mas o jogo só virou, graças a um grupo de amigos incansáveis, que se dedicaram heroicamente à completa recuperação de Paulo Cézar. Gente como o produtor cinematográfico Luiz Carlos Barreto, sua filha Paula e o genro, o ex-jogador Cláudio Adão, o advogado Nélio Machado, o ex-presidente do Fluminense, Francisco Horta, o cantor Agnaldo Timóteo, e o ex-técnico Zagallo.

Também foram importantes, os campeões do mundo Carlos Alberto Torres, Gérson, Rivellino, Tostão, Brito, Marco Antônio, Edu, Piazza e Clodoaldo. E, fundamentalmente, um grupo de amigos que começaram com ele, nos juvenis, e depois, já entre os profissionais, foram campeões jogando tantas vezes juntos, no encantador Botafogo da segunda metade da década de 1960. Craques do quilate de Jairzinho, Roberto, Afonsinho, Carlos Roberto, Rogério, Ney Conceição, Zé Carlos e Moreira.

Renascido, com a autoestima lá em cima, e sentindo-se o mesmo Paulo Cézar confiante dos velhos bons tempos, eis que, logo depois, voltou a gerir de novo a própria vida. E mais: tomou as rédeas dos próprios negócios, que continuaram a lhe proporcionar um bom rendimento financeiro.

Perfeitamente integrado ao universo das redes sociais, pode ser apontado, hoje, como um dos cinco melhores analistas de futebol da praça. Porém, é seguramente o mais incisivo em suas críticas – o que pode ser conferido mensalmente na última página da revista “Placar“. Ou semanalmente no Blog do “ Museu da Pelada”.

Porém, o seu grande momento – e que marcou definitivamente a sua recuperação para a vida -, ocorreu em 2006. É que, naquela temporada, o cidadão Paulo Cézar Lima recebeu das mãos do presidente da França, François Hollande , a maior condecoração do país: a Comenda Nacional da Legião de Honra, criada em 1802, pelo Imperador Napoleão Bonaparte.