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DENÍLSON, O ‘LÍBERO BOSSA NOVA’ DO NELSON RODRIGUES

28 / março / 2020

por André Felipe de Lima


As portas das Laranjeiras pareciam brilhar diante daquele rapaz. Parara enfrente dela e imaginava que sua vida mudaria após passar pelo portal de cimento pintado de branco, verde e grená. O porteiro o barrou na entrada. Mas o jovem o convenceu de que estava ali apenas para jogar bola com o técnico Zezé Moreira, sim o grande Zezé, ex-jogador dos bons e treinador do escrete brasileiro na Copa do Mundo de 1954. Destemido, o rapaz superara seu primeiro desafio, o mesmo de muitos garotos quando um dia desejam jogar bola no clube que amam: o porteiro. Superado o cidadão da roleta, o garoto sagaz abordou Zezé Moreira: “‘Seu’ Zezé, eu sou jogador de futebol e quero treinar aqui”. O ímpeto juvenil prevaleceu. Zezé impressionou-se com a determinação do garoto. Começara a nascer ali um dos maiores ídolos da história do Fluminense: Denílson, cujo sonho de conhecer Castilho, Pinheiro e Altair, verdadeiros monstros sagrados das Laranjeiras, foi muito além.

“Sempre gostei de chutar bola e o futebol era o esporte de que eu mais gostava. Assim, aos 13 anos de idade já jogava minhas peladas lá no Galitos. Durante quatro anos fiquei sem interessar a ninguém até que recebi um convite do Madureira para integrar o seu time de juvenis e, não tive dúvidas, aceitei prontamente. Disputei o campeonato de 1961 por aquele clube, mas já no ano seguinte, 1962, portanto, passei para o outro tricolor. Foi ‘seu’ Antoninho e Válter Vasconcelos que me fizeram o convite (para ingressar no Fluminense). Achei a troca vantajosa e vim para a as Laranjeiras. Porém, como estava servindo ao Exército (no Rec Mec), joguei poucas vezes naquele ano. Não podia manter minha melhor forma, pois o quartel é em Campinho e a distância de lá até o Fluminense é bem grande. Em 1963 fiz umas 13 partidas na equipe de aspirantes, embora não conseguisse chegar a ser titular da posição. No início deste ano (a entrevista aconteceu em 1964), em março, o Fluminense interessou-se em me contratar e assinei contrato por um ano, ganhando 60 mil cruzeiros mensais. Agora que me tornei titular, fui aumentado para 120 mil. Dobrei o ordenado, o que foi ótimo.”

Tim sabia como poucos o que realmente acontecia entre as quatro linhas do gramado. Sabia até mais que os próprios jogadores da verdadeira capacidade que tinham e em que posição melhor jogariam. Denílson, o ‘Rei Zulu’ do Nelson Rodrigues, vestia a camisa oito, mas Tim disse a ele que se jogasse como volante seria mais efetivo, mais útil ao tricolor. Poderia às vezes armar as jogadas, revezando-se com Joaquinzinho (que era o ponta de lança efetivo), mas tinha de ajudar o Oldair, que jogava ainda mais recuado. E foi como um verdadeiro cão da intermediária do Fluminense que Denílson se tornou um dos maiores ídolos da história do clube das Laranjeiras. Uma espécie de líbero daqueles tempos em que se vivia a bossa nova e se exalava cultura por todos os poros, porém, na política, começamos a viver sob o longevo e desconfortável regime militar.

Cidadão de Campos, no norte do estado do Rio de Janeiro, Denílson é filho de Manoel Agostinho Custódio e de dona Andina, um casal que deu seis irmãos ao ídolo do Fluminense. Quando veio para o Rio, trouxe os pais com ele. No começo, eles moravam em uma casa alugada próxima à estação de trem em Riachuelo, na zona norte do Rio. Alguns anos depois, Denilson compraria um apartamento no Engenho Novo, bairro colado em Riachuelo.

Além do Denílson, o irmão dele Derci também jogava bola (como volante, igualmente ao irmão mais famoso) e foi inclusive campeão infanto-juvenil de 1963 e ex-jogador do Flamengo.

O ídolo tricolor era fã do Zito, bicampeão mundial (1958/62) com a seleção brasileira, e de Altemar Dutra, o cantor. O estilo em campo era definido como algo “novo” para o volante. O destro Denílson era combativo, não dava chance ao adversário para “pensar” a jogada. Desarmava-o sem dó. Atuava mais como um líbero ao estilo europeu que propriamente como um volante.

“O meu forte sempre foi, realmente, a destruição. No início da minha carreira, ou melhor, quando comecei a jogar futebol, eu atuava igual a todo volante, apoiando e destruindo. Sempre trabalhei melhor, rendendo mais, quando defendendo. Assim era no infantil do Galitos, no Madureira e no Fluminense, logo que cheguei. Sempre atuei pelo lado direito do campo e só mudei quando Tim mandou que eu fizesse e me fixasse nessa posição (lado esquerdo). Disse, também, que eu me preocupasse mais em destruir os avanços dos adversários, deixando a função de armar nossas jogadas a outro.”

Denílson era uma unanimidade na crônica esportiva. Tinha até aprimorado lançamentos e passes graças aos treinos com Telê Santana. “Denílson era igual ao padeiro que vai entregar pão pela primeira vez. Entregava tudo errado. Hoje é quase perfeito”, disse uma vez Orlando Pingo de Ouro, também ídolo inesquecível do Fluminense.

Denílson foi, sem dúvida, um companheiro inigualável dentro e fora de campo.

Um dia Assis — o grande zagueiro e capitão tricolor — machucou-se. A diretoria pressionou Telê para que não escalasse o ídolo Altair, já veterano, no lugar do ainda jovem Assis. “Se eu não lançasse Altair estaria terminando com sua carreira. Fiquei desesperado e na hora do jogo dei a camisa ao Altair. Chamei Denílson e expliquei o drama: se Altair falhasse eu perderia o emprego. Denílson disse-me apenas: ‘Deixa comigo’. Durante o jogo ele se multiplicou, na frente e atrás de Altair, que esteve perfeito. Mas Denílson deu um exemplo de grandeza e companheirismo”, lembrou Telê.

Com o merecido cartaz, Denílson acreditava que iria à Copa de 70. Ambicionava superar o fiasco da seleção na Copa anterior, em 1966, da qual o Rei Zulu participou. Fiava-se na tese de que João Saldanha o convocaria para integrar o rol de “feras” que preparava para o mundial do México. O treinador cogitava a possibilidade. Mas Saldanha caiu e Zagallo assumiu o comando das “feras”. O sonho de Denílson terminara sem alegria. Seu nome, e de forma injustificável, sequer foi incluído na lista de 40 jogadores selecionáveis que a antiga CBD entregou à Fifa. Confessara aos mais íntimos que o fracasso de 66 poderia ter influído na decisão de Zagallo. “Fizeram uma injustiça com Denílson. Ele entra em qualquer seleção que se formar”, argumentara Telê. Mas Denílson conformou-se.

“Eu esperava, sim (ser convocado). Mas minhas esperanças eram maiores quando Saldanha era o técnico, pois eu vinha bem na Taça de Prata e fazia por merecer a convocação. Isso são coisas do futebol e a gente deve saber encará-las. O negócio é esquecer essa e sair para outra.”

Foi o que fez o ídolo tricolor. “Saiu” dali para ser um dos maiores nomes do Fluminense em todos os tempos.

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