por Victor Kingma
O futebol era a grande atração da pequena Sotéria do Norte. Aos domingos, a cidade parava para assistir às acirradas disputas que se realizavam no “Estádio Caveirão”. O nome vinha da proximidade do
campo com o cemitério local.
No passado dois coronéis da região, vizinhos de terra e arqui-inimigos políticos, viviam às turras. Um deles, eleito prefeito e sabendo que o vizinho detestava futebol, construiu o estádio bem na divisa das fazendas,
só para provocar o inimigo.
Tempos depois, com a mudança do comando político no lugar, o outro vizinho vingou-se de seu desafeto: doou à Prefeitura o terreno para construção do novo Cemitério Municipal, exatamente nos fundos do campo, a grande obra da administração do rival.
A cidade até se divertia com a briga. Um dos times locais passou a se chamar Caveirinha, em clara alusão ao cemitério. Os locutores do local, acostumados com a situação, quase sempre soltavam pérolas do tipo:
– O chute saiu torto! E a bola caiu lá no túmulo da beata Carlota!
Ou então:
– A redonda bola passou rente ao ângulo e explodiu na torre do necrotério!
Às vezes, porém, surgia imprevistos, como ter que parar o jogo para que passasse algum enterro.
Havia, porém, algumas conveniências. Por exemplo: Zé Coveiro um sujeito magro, que cultivava uma longa barba, e cujo nome denunciava a profissão, nos dias de jogos fazia um extra trabalhando como gandula. Era
extremamente útil. Ainda mais quando a bola caia no seu local de trabalho. Sempre devolvia rapidamente a bola, conhecedor que era do seu terreno.
Naquele dia, entretanto, em que o Caveirinha enfrentaria o time de Sobradinho, cidade vizinha, Zé Coveiro, porém, não apareceu. Com o Caveirão lotado a peleja começa. Sem gandula.
Quando a bola saia pela linha de fundo (onde ficava o cemitério) eram os próprios jogadores que tinham que buscá-la. E a tardinha ia caindo…
Foi então que num chute mais forte de um atacante do Caveirinha a bola transpôs o muro do cemitério e sumiu.
Os jogadores do time visitante, que perdia o jogo, apressam em pegar a bola para recomeçar a partida. Entrando pelo portão central do cemitério, acabaram perdidos em meio ao matagal e ruínas de sepulturas. E nada da bola…
Eis que de repente, ouve-se um barulho! A tampa de uma tumba se abre e de dentro dela surge Zé Coveiro, sem camisa, cabelos despenteados e barba revolta, na maior ressaca do porre da véspera:
– Quanto tá o jogo companheiros? – Perguntou com voz pastosa e arrastada.
O time inteiro do Sobradinho saiu em disparada! E o jogo não acabou por absoluta falta de jogadores.
Parabéns Victor.