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O DIVINO ADEMIR DA GUIA: ENFIM, O PALMEIRAS

6 / abril / 2020

por André Felipe de Lima


Chamar um jogador de bonde é, dependendo das circunstâncias, uma indelicadeza. Chamar um craque, um gênio  como Ademir da Guia de bonde é crime de lesa pátria. É pecado amoral, diria Nelson Rodrigues. E o cartola do Bangu Mauricio Cesar Buscácio cometeu este desatino, sem direito a sursis ou qualquer coisa que o valha. Depois do sucesso estrondoso de Ademir no torneio internacional de Nova Iorque conquistado pelo Bangu, em 1960, e na edição seguinte, em 1961, quando a imprensa divulgava que o Barcelona pagaria 16 mil dólares para tê-lo, o presidente do Bangu mandou redigir em ata ter “vendido um ‘bonde’ para o Palmeiras por três milhões e oitocentos mil cruzeiros”. 

Mas a rusga do cartola não era, propriamente, com Ademir e sim com o pai do jovem craque. “O presidente do Bangu, naquela época, não me olhava com muito carinho. Outros dirigentes achavam que o Ademir não se firmaria na equipe principal. Eu tinha vontade de levá-lo para outro time”, confessou Domingos da Guia a Kleber Mazziero, biógrafo do filho. Até enterro simbólico do presidente do clube de Moça Bonita a torcida banguense fez na porta da sede do Bangu. Tudo em vão. Ademir iria mesmo embora.

Domingos deu a notícia ao filho: o destino é o Palmeiras. No dia 7 de agosto de 1961, Ademir assinara o contrato com o novo clube. Receberia um salário mensal de 35 mil cruzeiros. O pai, naturalmente, emendou alguns conselhos, o principal deles de que o futebol de Ademir era “de berço” e que, portanto, deveria se cuidar no campo, durante os contratos e na vida pessoal. “Nada de farras”. Ademir, ao longo de uma das mais brilhantes carreiras de um jogador de futebol, seguiu as recomendações do pai rigorosamente à risca.

Embora a animosidade entre os Da Guia e a diretoria do Bangu fosse explícita, o próprio Ademir reconheceu a ajuda financeira que o clube carioca ofereceu: “O Bangu me premiou com 300 mil cruzeiros, em sinal de gratidão pelos anos que o defendi, e o Palmeiras me deu, a título de luvas, um milhão e quinhentos e quarenta mil cruzeiros”. Há, contudo, uma contradição quanto ao valor das luvas. O jornal O Globo, em edição do dia 8 de agosto de 1961, afirma que Ademir recebeu de luvas 540 mil cruzeiros e não os mais de um milhão de cruzeiros, como afirma o próprio jogador, segundo informou a Gazeta Esportiva.

Levaria, no entanto, um tempo até Ademir se firmar no Palmeiras. Na posição de meia-atacante havia Chinesinho e na de centromédio, Zequinha. Ademais, um incômodo problema dentário atrapalhava sua performance e retardava sua estreia. “Além de não me encontrar em perfeitas condições físicas, estou fazendo um tratamento dentário que tem prejudicado sobremaneira minha recuperação.”

Em 1961, Ademir disputou apenas um jogo amistoso, contra a Associação Esportiva Promeca, em Jundiaí, no dia 10 de dezembro. Venceu por 2 a 0 sob o comando de Rubens Minelli. Como Chinesinho fora vendido para o futebol italiano, ficaria, em tese, mais fácil para Ademir da Guia assumir a vaga de titular, mas Hélio Burini, oriundo da Itália, também disputava a posição. A ascensão foi paulatina. Mas era flagrante que deixavam-no numa “salmoura” e a imprensa paulista já questionava se teria valido a pena pagar “milhões” pelo passe de um garoto que sequer era escaldo para amistosos. “Se algum outro clube o pretender, terá que pagar caro, embora a hipótese seja remotíssima. Afinal, quem vai se interessar por um craque que, até o momento, só se exibia nas colunas dos jornais?”

No dia 8 de abril de 1962, Ademir vestiu, enfim, a camisa 10 pela primeira vez na vitória de 4 a 2 sobre o Esporte Clube Paulista, em Santa Bárbara d’Oeste. A primeira partida oficial com o Verdão aconteceu, contudo, no dia 14 de julho, no Pacaembu, contra o Taubaté em jogo válido pelo campeonato paulista. Ademir jogou com a camisa seis e o Palmeiras venceu de 5 a 1.

Ademir, cujo primeiro apelido no clube era “Formigão”, por comer muito nas concentrações, teve de atuar em várias posições naqueles primeiros momentos em que vestiu a camisa do Palmeiras. Foi de centroavante a volante. E não foi somente no time de profissionais. Jogava também no time de aspirantes, tanto que conquistou o campeonato paulista da categoria em 1963. Naquele ano, a tão esperada chance aconteceu. O técnico Geninho o escalou como titular e a resposta viria com o título de campeão paulista para o “Palestra”. Uma conquista memorável que interrompeu a saga de títulos estaduais do Santos de Pelé e Coutinho, que “graças” ao Palmeiras de Ademir não se tornou tetracampeão.

Ademir sempre manteve um relacionamento profícuo com os treinadores que passaram pelo banco do Palmeiras. O “mago” Oswaldo Brandão foi um deles. Com o novo técnico, que chegou ao clube em 1972, o elenco foi reduzido e surgiu a segunda “Academia” palmeirense depois do sensacional esquadrão da década de 1960. 

Ademir esteve nas duas “Academias”. É o maior símbolo de ambas.

GOL E TÍTULO INESQUECÍVEIS


Escolher o gol mais bonito da carreira de Ademir da Guia é tarefa das mais complicadas. Foram muitos. Mas o craque acredita ser o mais genial o que assinalou em 1964, contra a Prudentina, no Parque Antarctica. O jogo terminou 4 a 1 para o Palmeiras. “O Ademar entrou pela direita e atrasou a bola para mim, na altura da intermediária do time deles. Matei a bola no peito e resolvi entrar sozinho. Tive sorte. Driblei o primeiro zagueiro e, em seguida, o zagueiro da sobra. O goleiro Glauco saiu e eu tive de driblá-lo com uma finta seca, que me fez perder o ângulo. Não me afobei e voltei uns passos. Quando tive um ângulo melhor, chutei no alto.” 

Em clássico contra os grandes paulistas, Ademir balançou a rede diversas vezes. Contra o São Paulo, apenas Evair o supera em gols pelo Palestra, com nove tentos. Ademir marcou oito. Contra o Santos e o Corinthians, fez sete e quatro, respectivamente.

Dos títulos com a camisa do Palmeiras, o mais vivo na memória de Ademir é o conquistado em 1974 numa das partidas mais difíceis do alviverde contra o Corinthians, que aguardava o título paulista há 20 anos. O time do parque São Jorge era o favorito porque lá estava o reizinho Rivelino. Se eles tinham um “rei”, o Palmeiras tinha o “Divino”. 

Na série de reportagens “Meu jogo inesquecível”, publicada pela revista Placar , Ademir conta sobre a inesquecível partida contra o Corinthians: “O nervosismo que tomava conta dos jogadores, no entanto, denunciava: a partida era muito especial. O Corinthians não ganhava um titulo desde de 1954. Por isso, entrou em campo como se partisse para uma guerra […] Subimos os degraus que dão acesso ao gramado do Morumbi e, quando concluímos a caminhada, avistamos a multidão. Eram 120 mil torcedores, 70% dos quais torciam pelo Corinthians. Pior, todos estavam enlouquecidos para ver o alvinegro voltar e ser campeão […] uma cobrança de falta violenta do Rivelino acertou a cabeça do Dudu, na barreira. Ele caiu desmaiado e saiu de campo. Poucos minutos depois, estava de volta […] O cruzamento do Jair Gonçalves encontrou Leivinha, que subiu mais do que toda a defesa e cabeceou. A bola caiu exatamente no pé direito do Ronaldo. O chute saiu forte, indefensável, no canto esquerdo de Buttice, goleiro argentino do Corinthians. […] Uma emoção incalculável. Prova disso é que vários atletas foram ao Parque Antártica comemorar junto com a torcida mais um título para o Palmeiras. Eu preferi ficar em casa. A noite ainda assisti o videoteipe da partida. Tudo funcionava como se eu acabasse de participar de apenas mais uma, entre as muitas partidas da minha vida. A vitória contra o Corinthians, a faixa de campeão e tudo o que se passou dentro do campo, no entanto, garantiam que aquele tinha sido o melhor de todos os jogos.”

Amanhã, no quarto e penúltimo capítulo da série “O Divino Ademir da Guia” você recordará os títulos inesquecíveis do maior ídolo do Palmeiras em todos os tempos. Até lá.

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