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O DIA QUE O MARACANÃ PAROU DE RESPIRAR

16 / março / 2018

por Lucas Nogueira Garcia

Foi no dia 21 de abril de 1957.


Um rapaz chamado Eugênio Teodoro Filho, também conhecido como sr. Eugênio ou “Seu Geníco”, estava ansioso. Afinal, era dia de decisão. Não qualquer decisão. Seria disputado o último jogo válido pelas Eliminatórias da Copa do Mundo de 1958. As equipes eram o Brasil (que ainda não era esse Brasil todo) e o Peru (que ainda não era o modesto Peru). Naquela época as eliminatórias eram disputadas de maneira diferente. As nove seleções do continente sul americano ficavam divididas em três grupos de três times e apenas os primeiros colocados se classificavam para o mundial. No Grupo A ficaram o Brasil, o Peru e a Venezuela (que desistiu). Já no Grupo B ficaram a Argentina (classificada), a Bolívia e o Chile. Por fim, no Grupo C ficaram o Paraguai (surpreendentemente classificado), o Uruguai (surpreendentemente desclassificado) e a Colômbia. Por conta da desistência da Venezuela, o jogo do Brasil contra o Peru havia se transformado numa final em dois jogos. A primeira partida havia sido dificílima. Cerca de 42 mil testemunhas se apertaram no Estádio Nacional José Diaz, em Lima, para empurrar a seleção da casa. O Peru saiu na frente aos 37 minutos do primeiro tempo com gol de Alberto Terry. A seleção brasileira vinha de fracassos recentes (1950 e 1954) e estava desacreditada. Pensou-se em mais uma tragédia. Entretanto, Índio, craque do Flamengo, empataria a partida aos 4 minutos do segundo tempo para desespero dos peruanos que sonhavam com a classificação. Naquela oportunidade, a seleção brasileira (que ainda era treinada por Osvaldo Brandão) jogava num antiquado 3-2-5, sistema tático muito recorrente no final dos anos 1940 (isso seria mudado posteriormente por Vicente Feola, que adotaria o recente 4-2-4). Terminada a partida no Peru. O placar de 1×1 deixava a decisão aberta para o jogo de volta.

Assim, “Seu Geníco” deixou sua casa em Nilópolis e pegou um trem para a cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro. Tinha cabelos negros, um bigode grosso, olhos azuis (herdados de sua ascendência húngara) e um belo porte físico (havia servido durante a Segunda Guerra Mundial aqui no Brasil). Seu jeito era do interior (e assim foi até o final de sua vida). Havia nascido em Iúna no Espírito Santo. Era uma pessoa muito divertida e gostava de contar histórias (sobretudo histórias futebolísticas). Quando se mudou para o Rio de Janeiro no final dos anos 1950, descobriu o Maracanã, o futebol, o Garrincha, o Botafogo e muitas outras coisas, como o trabalho pesado. Mas naquele dia ele só tinha cabeça para o futebol.

Quando chegou no Estádio Jornalista Mário Filho, viu uma multidão de 120 mil pessoas que tiveram a mesma ideia que ele naquela tarde. Logo percebeu que seria muito difícil entrar no Maracanã. Mas, com muito sacrifício, todos entraram (não existia “Padrão FIFA” ainda). O estádio estava APINHADO de gente. As arquibancadas tremiam e a impressão era que elas iriam desabar a qualquer momento. Não tinha como sentar, pois haviam mais bundas do que concreto. Agora o jeito era esperar o início do jogo.


O Brasil vinha escalado com Gylmar (goleiro), Djalma Santos, Bellini, e Nilton Santos (defensores), Zózimo e Roberto Belangero (meias), Joel, Evaristo de Macedo, Índio, Didi e Garrincha (atacantes). A seleção peruana era formada por Rafael Asca (goleiro), Víctor Benítez, Dante Rovay e Guilhermo Fleming (defensores), Luis Calderón e Carlos Lazón (meias), Juan Seminário, Alberto Terry, Miguel Ángel Rivera, Máximo Mosquera e Óscar Gómez Sánchez (atacantes). O árbitro era do Uruguai e se chamava Esteban Marino. Seus assistentes eram peruanos e respondiam por Bert Cross e Erwin Hieger. As equipes entraram perfiladas, conforme o protocolo, e o capitão Didi trocou flâmulas e bandeiras com o capitão peruano. Tudo estava pronto. As equipes se posicionaram, o juiz levou o apito a boca e deu início a partida.

Como previsto, novamente o jogo foi muito difícil. Muita marcação, poucas chances, muitas faltas. O Brasil que nunca havia ficado de fora de uma Copa do Mundo tentava de tudo. Seus atacantes se desdobravam para tentar criar qualquer diabrura que furasse a defesa andina. Pressão total. O Peru sequer passava do meio de campo. Passe pra lá, drible pra cá… falta para o Brasil. A falta foi assinalada na entrada da área. Um pouco para o lado esquerdo, favorecendo quem batia de perna direita. Foi nesse momento que Didi exerceu sua autoridade de capitão e disse: “eu vou bater!”.


Já era de conhecimento dos cariocas (e principalmente dos torcedores do Botafogo e do Fluminense) que o “Príncipe Etíope” sabia bater muito bem na bola. Era um exímio cobrador de faltas. Assim, a torcida começou a ter esperanças. Sr. Eugênio, que estava soterrado no meio da multidão, sabia que aquele seria um momento crucial e dificilmente o Brasil teria outra chance na partida. Didi tinha que fazer o gol de qualquer jeito. A torcida gritava “Brasil! Brasil! Brasil!” a plenos pulmões. O Mestre pegou a bola e a posicionou no lugar indicado pelo árbitro. Deu alguns passos pra trás e colocou as mãos na cintura. Levantou a cabeça e olhou para o gol. O suor escorreu em seu rosto e ele respirou fundo. Correu pra bola e chutou. Nesse momento o Maracanã inteiro prendeu a respiração. O silêncio era tão grande que foi possível escutar o som da bola cortando o ar. O lance pareceu durar dois milênios. Lentamente a bola subiu e passou por cima da barreira. A trajetória indicava que ela iria pra fora. Algumas pessoas chegaram a beira de um ataque cardíaco. Será que não seria gol? Como que por um milagre a bola parou no ar. Parecia ter sido interceptada por alguma força estranha desconhecida até então nos campos de futebol. Quando a bola estava quase saindo pela linha de fundo ela caiu. Caiu no ângulo direito da meta defendida por Rafael Asca. O goleiro nada pode fazer. Estava paralisado pelo absurdo e encantado pela genialidade. Não pode impedir o que já estava escrito nas estrelas. Gol do Brasil.


A torcida explodiu e o Maracanã quase veio abaixo. Diz a lenda que a cidade inteira tremeu naquele momento como se tivesse acontecido um terremoto de grandes proporções. De fato aconteceu. Seu nome era Didi, que ficaria conhecido pelos gringos como “Mr. Football”. O que ocorreu na sequência não se sabe. O êxtase do gol foi tão grande que acredita-se que a partida tenha terminado ali mesmo, aos 11 minutos do primeiro tempo. O fato é que o Brasil venceu o Peru por 1×0 e se classificou para a Copa do Mundo da Suécia. A imprensa no dia seguinte batizou o gol com o nome de “Folha Seca” (muito apropriado). Um ano depois o Brasil viria a conquistar o seu primeiro título mundial. Título este que começou a ser conquistado naquele longínquo dia 21 de abril de 1957, dia de Tiradentes e um dia antes do Descobrimento do Brasil.

Obs: Alguns fatos foram deliberadamente aumentados/romanceados/inventados por mim devido a falta de informações. “Seu Geníco”, que era meu avô, morreu em 2009 quando eu ainda tinha 17 anos. Em seus últimos anos de vida ele sofria de alzheimer. Essa história me foi contada alguns anos antes. Eu era novo demais para fazer as perguntas certas, mas, com sorte, consegui extrair algumas das informações mais importantes. Sinto muitas saudades de suas histórias. Herdei isso dele.

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