por Rubens Lemos
Viajei encantado pelas ondas futebolísticas do rádio por duas décadas (1970/80). Quando não existia TV por assinatura, internet nem as redes sociais e sua neurose, no velho e pequeno rádio de pilha onde fluíam meus sonhos, surgiam os desenhos criados pelo fascínio, dos gols que ouvia e só assistiria em imagens chuviscadas do Globo Esporte do dia seguinte.
A vinheta é o som que bate fundo no peito nostálgico quando é inesquecível. “Rádio Globoooooo!”, era o grito diário e noturno anunciando as resenhas esportivas ou os clássicos aquecidos pelas multidões fanáticas, pelo povo em estado puro e desdentado, feliz e acotovelado nas extintas gerais do Ex-Maracanã, que vi e vivi maior do mundo, gigante a receber 180 mil pessoas em decisões antológicas.
No aplicativo do telefone, é impessoal e bem diferente de ouvir o noticiário com o saudoso repórter Loureiro Neto anunciando – eu fazendo ginástica na cama para dominar o velho Philips quase de bolso – a volta de Dinamite ao Vasco em 1980, para fazer cinco gols na reestreia contra o Corinthians, a contratação do talentoso Jorge Mendonça e do insuportável genial Paulo César Caju, que formaram um time luminoso no futebol de botão e decadente no estrelismo.
Roberto Dinamite, Jorge Mendonça – vendido três meses depois de trazido do Palmeiras – e Paulo César Caju, rebelde que trombou com o segundo ele, “desagradável” Eurico Miranda, ainda um jovem diretor de futebol, enfrentaram sem medo o Flamengo de Zico, Adílio, Júnior, Tita e Carpegiani.
Na decisão do Campeonato Carioca -, o Flamengo perdeu o tetracampeonato, a vaga na decisão ficou com o Vasco. Que enfrentava um jovem time, um “timinho”, como chamávamos, eu e meu pai, de aparelho de TV ligado no volume zerado.
Era o Fluminense liderado pelo zagueiro Edinho – autor do gol do título – e o centroavante andarilho Cláudio Adão. Edinho bateu uma falta na linha lateral, o chute saiu forte na grama molhada, o goleiro Mazarópi falhou e prevaleceu o 1×0 tricolor e o quarto vice-campeonato consecutivo do Vasco, já naqueles anos um perdedor resignado em finais.
A voz anasalada de Waldyr Amaral assim narrou: “Indivíduo competente o Edinho, que chutou um bólido. Mazarópi engoliu o galináceo e o Fluminense administra a peleja para comemorar seu surpreendente campeonato”. Pela Rádio Globo, Nelson Rodrigues, o escritor e fantasma, escutava seu clube ser campeão pela última vez. Morreria dias depois.
O rádio nos permitia a familiarização com seus protagonistas. Em Natal, éramos cúmplices e amigos dos campeões de audiência da Rádio Cabugi. Na Globo, a equipe era escalada como o escrete de Telê Santana: Waldyr Amaral e Jorge Cury na locução, Washington Rodrigues, o Apolinho, nos comentários com Gerson Canhota e a dupla Kleber Leite puxando a brasa para o Flamengo e Loureiro Neto defendendo o Vasco.
Da Rádio Nacional, veio o melhor em todos os (meus) tempos: José Carlos Araújo. No auge da independência vascaína na segunda metade dos anos 1980. “Geovani, lançou para Romário, falhou Leandro, saiu Zé Carlos, olha o lençol, Romário, de cabeça, entrou”.
Vasco 2×1 em 1988, descrição perfeita da sintonia fina de dois baixinhos hábeis sucessores de Roberto Dinamite: Geovani e Romário desbancaram o Flamengo de Zico, cansado, oferecendo pinturas de admirável técnica a um clube marcado pela garra e a desigualdade na elegância diante do rival rubro-negro.
Os gols de Zico formam o grande cancioneiro do rádio meu contemporâneo. A cobrança de falta no segundo gol contra os chilenos do Cobreloa na decisão da Taça Libertadores de 1981 é um épico de cinema falado no berro uivante de Jorge Cury: “Goool, Zicão! Camisaaa número 10”.
Nada jamais apagará da memória o toque marcial e glorioso, anunciando transmissões, escalações e trazendo, para o quarto humilde de minha casa, o excluído delírio do povo no templo Maracanã das imaginações adolescentes.
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