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Rádio

LEMBRANÇAS DA COPA DO MUNDO

por Jorge Eduardo Faria

Em 1962 eu tinha sete anos completos. Morava num pequeno prédio de quatro andares perto do Campo de São Bento em Niterói, que era o nosso grande quintal, meu e da minha turma, a “Turma dos Sete”, como a do programa da antiga TV Record (canal 7), nossos ídolos. Eu era o Juca. 


Domingo, dia 29 de junho, depois do almoço, a turma se reuniu na portaria do prédio para ouvir o jogo. Mas faltava uma coisa muito importante. O rádio. E agora? O jogo iria começar às 15h, e a gente tinha que arrumar um rádio. Foi então que o “Chuvisco” chegou, e avisou que o pai do Mauro tinha colocado o rádio em cima do muro da casa para todo mundo ouvir. Foi uma correria só. Lembro-me que o Serginho levava no bolso um amarrado de chilenas e uma cabeça de nego. 

A casa do Mauro era do lado da padaria do Seu Antonio. O pai dele tinha colocado um fio longo lá de dentro da casa até o radio, um poderoso Mullard de seis válvulas e três faixas de ondas, que imponente, e cheio de estática, nos fazia ouvir a voz de Fiori Gigliotti anunciando o inicio do jogo: Brasil x Tchecoslováquia, diretamente de Santiago do Chile. 

A turma ainda tentava se arrumar na calçada quando Masopust, considerado o melhor jogador da Europa, marcou o primeiro gol dos Tchecos. Foi uma ducha de água fria. A gente já não tinha Pelé, e ainda levava um gol no comecinho do jogo. Não dava pra acreditar. 

De onde eu estava não conseguia escutar direito o rádio, então entrei na casa do Mauro, passei com cuidado por baixo do fio que ligava o rádio e subi no muro, me sentando bem do lado daquela caixa enorme com três faixas de onda. Não demorou muito para o João, o cara metido a mau da rua, chamar a minha atenção.

– Se derrubar o rádio vai levar uns cascudos!

 Fingi que não escutei e fiquei lá, que nem pardal no final da tarde, quietinho, empoleirado, tentando ouvir o jogo. E não demorou quase nada, Amarildo empata o jogo. Me jogo lá de cima no meio da galera. A turma toda se abraçou e comemorou junto. Aí eu falo. Todo mundo para o lugar que estava, que deu sorte. E corri de volta para o muro. E novamente o João Valentão falou comigo.

– Ô guri, já não te falei pra não ficar aí? 

E o pai do Mauro, que o tempo todo tinha acompanhado a minha peripécia, bateu o martelo da cadeira da varanda.


– Deixa ele aí. Deu sorte. Todo mundo no lugar que estava na hora o gol.

Aí eu estufei o peito que nem pombo, cheio de moral. O meu lugar, a partir de agora, era do lado do rádio. 

O primeiro tempo acabou 1 a 1. A turma correu para a padaria do Seu Antônio para tomar um suco de groselha bem gelado, servido naqueles copinhos cônicos de papel e suporte de plástico. O Serginho então tirou uma chilena do bolso, acendeu e jogou do lado do gato que, preguiçosamente, cochilava em cima de um saco de batatas (sim, naquela época padaria também vendia batata). Saímos correndo e ficamos de longe esperando a explosão e o susto do gato dorminhoco. Serginho fazia a contagem regressiva. O pavio vai se aproximando do papel. A turma toda põe a mão nos ouvidos. Serginho diz …. “é agora” … e puff … a bomba falhou. Nem precisou esperar mais, todo mundo caiu de molho no Serginho.

– Vai começar! – gritou o Mauro, e a turma voltou, cada um pro seu canto, pra ouvir o segundo tempo.

Era a época do rádio, e a voz do locutor nos levava pra dentro do estádio, imaginando os nossos craques lutando pra virar aquele jogo. E os locutores passavam toda a emoção na narração. Seu olhos eram os nossos sonhos de um dia estar vendo de perto uma final da Copa do Mundo. E aos 25 do segundo tempo Amarildo faz um estrago pela esquerda e centra na cabeça de Zito. Era o gol da virada. Era o gol do Bi. E a turma toda estava abraçada de novo, pulando juntos, até o óculos do Alfredo cair no chão e quebrar. Para tudo. O Alfredo faz cara de choro imaginando a bronca que ia levar da mãe, mas a turma é solidaria e diz pra ele que todos juntos íamos à casa dele explicar que o óculos quebrou por acidente, e ele não teve culpa. A partir daí resolvemos ficar todos juntos, ao lado do Alfredo (o Sabe-Tudo). 


Mas a tristeza não durou muito. Aos 34 minutos Vavá, depois de uma pixotada do goleiro Tcheco, só teve o trabalho de empurrar a bola para dentro do gol. Brasil 3 a 1. Os rojões se ouviam por todo o bairro, e não queriam parar mais. O Brasil era Bicampeão Mundial de Futebol. E a turma toda junta, abraçada, voltava para o prédio cantando.

– A Copa do Mundo é nossa. Com brasileiros, não há quem possa!

Na portaria do prédio nos divertíamos com uma chuva de papel picado, confetes e serpentinas. Serginho então tira do bolso todas as suas bombinhas, chilenas, e junta tudo com uns pedaços de serpentina no canto da calçada da portaria, e prepara uma fogueira de bombas. Não satisfeito, pega a cabeça de nego, acende e enfia por baixo de tudo.


Quando a galera viu aquilo, nem precisou ninguém mandar. Saiu todo mundo correndo. Ia ser a nossa super explosão em comemoração ao título do Brasil. De longe a gente só vê aquela fumacinha subindo … subindo … subindo… e parou. Caramba, falhou novamente? Corremos todos para lá pra ver o que tinha acontecido, e na hora que a galera colocou a cara bem pertinho da fogueirinha de bombinhas, ela explodiu. Me lembro que fiquei com os ouvidos apitando por um bom tempo. Mas não importava nada. O Brasil era campeão. 

Essas são as lembranças da minha primeira Copa do Mundo, e desde aquela época até hoje, sempre que vai começar uma nova Copa, eu me lembro deste episódio, e me lembro dos meus amigos. Alguns eu encontro até hoje, outros já se foram, a maioria eu nunca mais vi. Mas eles estão vivos na minha lembrança, a Turma dos Sete, de uma época em que ouvia a Copa do Mundo e se sonhava estar em campo com os nossos heróis.

Bons tempos … bons tempos!

NAS ONDAS DO RÁDIO E DO TEMPO

por Rubens Lemos


Viajei encantado pelas ondas futebolísticas do rádio por duas décadas (1970/80). Quando não existia TV por assinatura, internet nem as redes sociais e sua neurose, no velho e pequeno rádio de pilha onde fluíam meus sonhos, surgiam os desenhos criados pelo fascínio, dos gols que ouvia e só assistiria em imagens chuviscadas do Globo Esporte do dia seguinte.

A vinheta é o som que bate fundo no peito nostálgico quando é inesquecível. “Rádio Globoooooo!”, era o grito diário e noturno anunciando as resenhas esportivas ou os clássicos aquecidos pelas multidões fanáticas, pelo povo em estado puro e desdentado, feliz e acotovelado nas extintas gerais do Ex-Maracanã, que vi e vivi maior do mundo, gigante a receber 180 mil pessoas em decisões antológicas.

No aplicativo do telefone, é impessoal e bem diferente de ouvir o noticiário com o saudoso repórter Loureiro Neto anunciando – eu fazendo ginástica na cama para dominar o velho Philips quase de bolso – a volta de Dinamite ao Vasco em 1980, para fazer cinco gols na reestreia contra o Corinthians, a contratação do talentoso Jorge Mendonça e do insuportável genial Paulo César Caju, que formaram um time luminoso no futebol de botão e decadente no estrelismo.


Roberto Dinamite, Jorge Mendonça – vendido três meses depois de trazido do Palmeiras – e Paulo César Caju, rebelde que trombou com o segundo ele, “desagradável” Eurico Miranda, ainda um jovem diretor de futebol, enfrentaram sem medo o Flamengo de Zico, Adílio, Júnior, Tita e Carpegiani.

Na decisão do Campeonato Carioca -, o Flamengo perdeu o tetracampeonato, a vaga na decisão ficou com o Vasco. Que enfrentava um jovem time, um “timinho”, como chamávamos, eu e meu pai, de aparelho de TV ligado no volume zerado.

Era o Fluminense liderado pelo zagueiro Edinho – autor do gol do título – e o centroavante andarilho Cláudio Adão. Edinho bateu uma falta na linha lateral, o chute saiu forte na grama molhada, o goleiro Mazarópi falhou e prevaleceu o 1×0 tricolor e o quarto vice-campeonato consecutivo do Vasco, já naqueles anos um perdedor resignado em finais.

A voz anasalada de Waldyr Amaral assim narrou: “Indivíduo competente o Edinho, que chutou um bólido. Mazarópi engoliu o galináceo e o Fluminense administra a peleja para comemorar seu surpreendente campeonato”. Pela Rádio Globo, Nelson Rodrigues, o escritor e fantasma, escutava seu clube ser campeão pela última vez. Morreria dias depois.

O rádio nos permitia a familiarização com seus protagonistas. Em Natal, éramos cúmplices e amigos dos campeões de audiência da Rádio Cabugi. Na Globo, a equipe era escalada como o escrete de Telê Santana: Waldyr Amaral e Jorge Cury na locução, Washington Rodrigues, o Apolinho, nos comentários com Gerson Canhota e a dupla Kleber Leite puxando a brasa para o Flamengo e Loureiro Neto defendendo o Vasco.

Da Rádio Nacional, veio o melhor em todos os (meus) tempos: José Carlos Araújo. No auge da independência vascaína na segunda metade dos anos 1980. “Geovani, lançou para Romário, falhou Leandro, saiu Zé Carlos, olha o lençol, Romário, de cabeça, entrou”.


Vasco 2×1 em 1988, descrição perfeita da sintonia fina de dois baixinhos hábeis sucessores de Roberto Dinamite: Geovani e Romário desbancaram o Flamengo de Zico, cansado, oferecendo pinturas de admirável técnica a um clube marcado pela garra e a desigualdade na elegância diante do rival rubro-negro.

Os gols de Zico formam o grande cancioneiro do rádio meu contemporâneo. A cobrança de falta no segundo gol contra os chilenos do Cobreloa na decisão da Taça Libertadores de 1981 é um épico de cinema falado no berro uivante de Jorge Cury: “Goool, Zicão! Camisaaa número 10”.

Nada jamais apagará da memória o toque marcial e glorioso, anunciando transmissões, escalações e trazendo, para o quarto humilde de minha casa, o excluído delírio do povo no templo Maracanã das imaginações adolescentes.

A IRMANDADE DO RÁDIO

por Claudio Lovato


Isto começou a acontecer há muito tempo e continua até hoje.

São quatro amigos que moram em uma pequena cidade do interior. Uma cidade cercada de morros, quente como uma fornalha no verão, fria como uma geleira no inverno.

Uma cidade pequena que tem um clube de futebol que fez e continua fazendo estragos e história entre os grandes.

Em todos os dias de jogo, os quatro amigos – Renê, Lauro, Francisco e Cléber – se reúnem no bar do primeiro para ouvir pelo rádio a transmissão do jogo daquele time que é do coração de todos eles.

Só os quatro – porque quando é dia de jogo Renê fecha as portas do bar, e ninguém ousa bater; todo mundo sabe que em dia de jogo o Renê fecha a birosca.

As narrações. É tudo por causa delas.

Renê, Lauro, Francisco e Cléber só ouvem os jogos com a narração feita por uma certa pessoa, numa estação que só eles conhecem.

O narrador é Jairo, Jairão, irmão deles todos.

Tudo por causa das narrações do Jairão.

Tentando explicar: as narrações do Jairão são capazes de transportar o ouvinte não apenas para dentro do estádio, mas para dentro do próprio campo de jogo.

Fazem o ouvinte escutar o jogo de pé, de tanta vibração que aquela voz é capaz de transmitir; aquela voz é adrenalina e paixão puras e concentradas.

Tentando explicar: as narrações do Jairão misturam descrição técnica minuciosa com poesia delirante; leitura tática precisa com a fantasia mais viajante.

Levam o ouvinte para um outro estágio da experiência de acompanhar o jogo pelo rádio; fazem o ouvinte viver uma experiência transcendental, mística, religiosa.


As narrações do Jairão são aquilo a que se chegou de mais perfeito em termos de manifestação física do amor pelo futebol.

E lá estão eles de novo, os quatro, nesta quarta-feira à noite de chuva, vento e frio, sentados em torno da mesa que fica no meio do boteco, tomando suas cervejas e suas pingas, fumando seus cigarros, olhos marejados, sempre marejados, como velhos marujos à deriva, ainda assim felizes por estarem no lugar ao qual pertencem mais do que a qualquer outro.

Estaria tudo isso dentro de uma certa normalidade se não fosse um fato que tornaria tudo incompreensível e inaceitável e inacreditável e bizarro para os que dele tivessem conhecimento fora daquele grupo de amigos-irmãos; o fato que tornou tudo mais triste na vida deles, mas que, ao mesmo tempo, deu origem a essa celebração que acontece em cada dia de jogo do time e que os fez enxergar a vida (e a morte) de uma nova forma, de um jeito que não conseguem explicar – nem querem.

Não, Jairão não está mais entre eles. Sim, Jairão sempre esteve entre eles, e continua e sempre estará, a cada novo jogo nessa estação de rádio que só eles conhecem e que se encarrega de mantê-los unidos, aconteça o que acontecer.

DIA DO RADIALISTA

Embora também seja comemorado no dia 7 de novembro, hoje é o Dia dos Radialistas! Por isso, o Museu da Pelada relembra duas matérias com grandes nomes dessa profissão! Aqueles que já transmitiram e continuam transmitindo muitas emoções para os ouvintes!

A primeira matéria é com José Carlos Araújo, o Garotinho! Você sabia que antes de se tornar radialista, o craque era um grande goleiro nas peladas? 

A segunda matéria, mas não menos importante, é com outros dois grandes nomes da profissão: Luiz Penido e Edson Mauro. Recentemente, os dois protagonizaram e narraram um duelo sensacional de futebol de botão, na Rádio Globo! O resultado dessa resenha é imperdível!!