por Rubens Lemos
O Botafogo foi assaltado escandalosamente nas semifinais do Brasileirão de 1981. O árbitro Bráulio Zanoto (PR) tungou o bravo time comandado por um criativo em solidão. Mendonça simbolizava a poesia de um amante não correspondido. Jogava demais, ganhava nada. Seguia em sua marcha elegante de obstinado.
A morte de Mendonça, quixote do jogo sofisticado, doeu na alma. Vi Mendonça jogar e ele entra na galeria daqueles injustiçados de olhar triste e destino idem. Mendonça acendia a estrela solitária nos caquéticos anos de jejum.
Morumbi, 26 de abril de 1981. Botafogo havia vencido a primeira no Maracanã por 1×0 e jogava pelo empate num terreno hostil. Mataram um torcedor do Botafogo no ônibus da torcida.
O estádio fervilhava com 100 mil pessoas. O São Paulo de Getúlio, Oscar, Dario Pereyra, Marinho Chagas, Renato Pé-Murcho e Zé Sérgio era chamado de “Máquina Tricolor” e, na teoria, único a encarar o Flamengo de Zico.
Do Flamengo, cuidou Mendonça, destroçando a soberba rubro-negra com um drible gafieiresco sobre Júnior e um chute venenoso que matou Raul. Botafoguenses de catacumba vestiam suas camisas mofadas de tristeza. Alegria de naftalina, cantando o passado, como fazemos hoje nós, os vascaínos.
A pressão do segundo jogo contra o tricolor não assombrou o Botafogo de Mendonça. Que fez 1×0 e chegou ao segundo com ele, batendo em simetria com o quicar da bola, após cruzamento do falecido lateral Perivaldo.
Mendonça bateu de primeira. Jogar de primeira é arqueologia de pelada de rua, campo de várzea, morro em desafio íngreme. Mendonça era de primeira.
O árbitro começou a autópsia do Botafogo ao validar gol mandrake de Serginho Chulapa, aquela aberração da Copa de 1982. Depois, um pênalti escalandoso levou o São Paulo ao empate. Mais gol e a luta desigual do Botafogo acabaria.
Foi quando um meia chamado Ewerton, ao aproveitar um rebote da defesa sufocada do Botafogo, encheu o pé, de peito, bola direto no ângulo do goleiro Paulo Sérgio. Ewerton bateu de primeira, garantindo lindamente uma vitória injusta de 3×2.
De primeira, primeiríssima. Júnior bateu contra a Alemanha Ocidental em 1982 recendo de Adílio, o Neguinho da Cruzada, num Maracanã lotado e explodindo como orgasmo dos amores impactantes.
Mendonça, Ewerton, Júnior, Bebeto contra a Argentina, de voleio e corpo suspenso no ar, Romário contra a Holanda, 1994, trocando a mira do pé em pleno voo baixo, Zico e Roberto Dinamite, foram mestres da alegria inesperada. De repente, de bate-pronto, sem ensaio, sem expectativas.
A vida só vale pena se for de primeira. Jogar (e arrematar) de primeira é arte, feitiço, encanto. Que só os craques sentiam sem pressentir, pois neles o coração se transformava em petardo. Indefensável.
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