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CACÁ, UM ÍDOLO BOTAFOGUENSE, PARTIU

8 / junho / 2017

por André Felipe de Lima


(Foto: Reprodução)

Carlos de Castro Borges, o lateral-direito Cacá, esteve próximo de realizar um sonho para qualquer jogador de futebol: defender a seleção brasileira em uma Copa do Mundo. Em abril de 1958, o técnico Vicente Feola preparava a lista que de craques que iriam à Suécia para defender o escrete. Cacá era nome certo, mas, na última hora, Feola desistiu de levá-lo e convocou De Sordi e Djalma Santos. Até hoje o motivo para corte de Cacá não ficou muito claro. João Havelange, que à época era o mandachuva da seleção, mostrou-se surpreso com a saída de Cacá e acreditava, num primeiro momento, que o jogador é quem pedira para sair: “Todo atleta deve se sentir honrado em vestir a camisa da entidade que representa a sua pátria. Eu, quando fui convocado para as seleções de natação e water-polo, sempre me senti orgulhoso de ver o meu nome dentre os convocados. É estranho que um jogador de futebol procure fugir a um chamado para o qual ele, mais do que nunca, devia estar disposto a dar o máximo de sua capacidade física, técnica e mental.”

A pinimba de Havelange com Cacá pode ter origem no fato de o craque ter sido o precursor da luta pelo “passe livre” no futebol brasileiro. Bem antes do grande Afonsinho, com a sua luta pelo passe livre no começo dos anos de 1970, Cacá já peitava a cartolagem para ter os seus direitos preservados. Exigia sempre cláusulas que lhe garantissem o passe livre após o término dos contratos. Isso aconteceu com o América, seu primeiro clube, e de forma traumática. Cacá incomodou [e muito!] os cartolas de sua época ao se recusar a voltar ao América, em setembro de 1955, mesmo com o clube exigindo juridicamente seu passe e ignorando a cláusula contratual que facultava ao atleta o passe livre.

De 1950 a 1954, Cacá permaneceu como amador do América, que defendia desde os juvenis, no final dos anos de 1940. Tentara ingressar nas divisões de base do Botafogo, clube que ficava próximo de sua casa e da praia, onde também jogava bola. Mas o Botafogo não o quis. “Eu sempre fui torcedor do Botafogo e, por isso, frequentava o Clube com o meu pai, antes mesmo de começar a minha carreira de jogador. Como eu conhecia o Octávio Morais, ex-jogador, eu tinha contato com alguns jogadores do Botafogo da época, entre eles o Nilton Santos”. No América, pelo menos, conseguia conciliar os jogos do time amador e com os da praia, dos quais não abria mão de jeito algum.

Em 1952, Cacá vivenciou uma fase muito boa no América sendo, inclusive, convocado para compor a seleção brasileira que se preparava para disputar os Jogos Olímpicos, em Helsinque. Mas, surpreendentemente, Cacá pediu dispensa da seleção. Não teve culpa alguma no imbróglio. Se houve culpada, foi a diretoria do América que o requisitou, agora como profissional, para um jogo — o primeiro jogo oficial da carreira de Cacá — contra a toda poderosa seleção do Uruguai, bicampeão mundial, em Montevidéu. 

Cacá era vítima das manobras dos dirigentes, que fazem o que bem entendem com os jogadores. Ali, o jogador começou a ficar mais atento com os cartolas. Afinal, ele era um exemplo de jogador e, mais: um jovem craque, com um potencial para ser ídolo da torcida. Mal iniciara sua carreira profissional no América do Rio, em outubro 1954, quando assinou seu primeiro contrato, Cacá foi agraciado com o prêmio Belfort Duarte pela sua desportividade em campo.

Mesmo sendo exemplo dentro e fora dos gramados, Cacá não foi respeitado pela diretoria do América. Em setembro de 1955, após uma renhida negociação com os cartolas para que liberassem o seu passe para o Fluminense, que sinalizara querer contratá-lo, Cacá vencera, enfim, uma guerra jurídica contra o América. Não foi fácil. A diretoria do América recorreu de todas as formas para mantê-lo no clube. O Ministério do Trabalho chegou a intimar a antiga Confederação Brasileira de Desportos [CBD] e a antiga Federação Metropolitana de Futebol [FMF], em vão, para que decidissem sobre o caso “Cacá”, mas ninguém quis interferir para não melindrar a cartolagem. Cacá estava prestes a perder a causa de forma injusta e lastimável.

Naquele período conturbado de sua vida profissional, Cacá, que era o capitão do time, cursava o segundo ano da faculdade de engenharia na antiga Escola Politécnica da Pontifícia Universidade Católica, na qual se formaria em dezembro de 1958. Teve de, provisoriamente, trancar a matrícula para tentar resolver a situação com o América. “Eu não podia mais permanecer no clube. Depois de combinar um encontro com os diretores para reformar o contrato, e eles faltarem sem uma palavra de justificativa, vi que estava sobrando e que o melhor seria procurar outro ambiente. Na verdade, o América nunca mostrou interesse por mim. Do contrário teria concordado em procurar-me […] Não estou lutando por dinheiro, mas por convicção”, disse ao jornal O Globo, no auge da tensão com os cartolas, que tentaram de todas as formas prejudicar a imagem de Cacá para forçá-lo a permanecer no clube.

Cacá tinha direito ao passe livre por acordo e cláusula assinada logo expirasse o contrato. Além do passe livre, outro fator garantia a ele defender outro clube em 1955: Cacá, até outubro, não havia disputado uma única partida pelo América por conta de uma cirurgia de apêndice. Mas ele estava decidido e, desiludido, não mais desejava defender o América: “Juro por minha fé de ofício, pelo prêmio de disciplina que me foi conferido — o prêmio ‘Belfort Duarte’ — que jamais tive intenção de fugir aos meus compromissos legais, como algumas pessoas do América pretendem insinuar, alegando até, o que é inteiramente absurdo, que forcei a operação do apêndice só para ganhar tempo e não jogar mais este ano, de maneira que ficasse livre para me transferir… É falso. Vou contar o que houve. Tenho um músculo distendido desde o dia 9 de julho. Machuquei-me em S.Paulo, ao enfrentar o Corinthians pelo Torneio Charles MIler. Nesse ínterim, fui operado. A 5 de agosto, deixei a Casa de Saúde e retornei aos treinos. Somente depois que o médico declarou que eu não estava restabelecido da distensão e que precisava continuar o tratamento, foi que comecei a faltar aos exercícios. Mas ainda não estou bom. Tanto que continuo tomando aplicações no Fluminense. Por causa da operação, permaneci apenas vinte dias inativo. No entanto, os que me acusam em Juízo, falam em dois meses de ‘ausência premeditada’.”

A indignação de Cacá com o América por pouco não o fez abandonar a carreira de jogador. O craque ameaçou pendurar as chuteiras caso os órgãos esportivos competentes ou mesmo a Justiça do Trabalho proferissem decisão favorável ao América.


(Foto: Reprodução)

No fim de outubro, a pendenga foi resolvida e Cacá estava livre para defender o novo clube, que tinha no comando o treinador Gradim. Foi o técnico, aliás, quem sugeriu aos diretores do Fluminense que o contratassem após descobrir, durante um almoço informal, que Cacá estava com o passe livre. Gradim procurou Augusto Borges, pai de Cacá, e disse estar interessado em levá-lo para as Laranjeiras. O pai de Cacá conversou com o filho e expôs a situação. Cacá, já bastante indignado com a desgastante relação com o América, aceitou desde que as cláusulas que lhe garantissem ser dono do próprio passe e o de poder estudar mesmo em dias de jogos, se assim fosse exigido pela Universidade. Os diretores do Fluminense aceitaram as condições impostas por Cacá talvez para evitar briga futura com um jogador bem informado e convicto dos seus direitos profissionais. Começava a mudar, ali, com Cacá, a relação dos clubes com seus atletas.

No Fluminense, Cacá jogou como zagueiro, substituindo Píndaro, que formava a zaga com o goleiro Castilho e o zagueiro Pinheiro, este último um dos grandes amigos que Cacá teve após abandonar o futebol. Foram 123 jogos e o título de campeão do Torneio Rio-São Paulo, em 1957, com o Fluminense. Um período em que conquistou muito prestígio. Mas o melhor estava por vir, no Botafogo, onde aportou em março de 1958, no auge e convocado para a seleção brasileira que se preparava para a Copa do Mundo. Foi, infelizmente, cortado, mas a trajetória que construiria no Alvinegro, que um dia o rejeitou, seria a mais auspiciosa de sua carreira.

Em General Severiano, Cacá brilhou ao lado do centromédio Pampolini, goleiro Manga, do lateral-esquerdo e grande amigo Nilton Santos, do lateral Rildo, do magistral Garrincha, do mestre Didi, do artilheiro Quarentinha, do “formiguinha” Zagalo, do “possesso” Amarildo e do “trombador” Paulo Valentim. Dois destes craques foram grandes amigos de Cacá: Pampolini e Nilton Santos, este último, uma amizade que começou em 1955, quando ambos defendiam um selecionado carioca. Ademir de Menezes, ídolo vascaíno, também foi amigo de Cacá, que era o titular absoluto da lateral direita do Botafogo até 1961, quando uma insistente contusão na coxa o tirou do time na campanha do título carioca daquele ano. Abriu-se, portanto, a vaga para o jovem Rildo, mas Cacá, enfim, conquistara seu primeiro campeonato. Em 1957, perdera a final para o mesmo Botafogo, quando defendia o Fluminense, após a acachapante goleada de 6 a 2.

Em 1964, Cacá foi contratado pela Portuguesa de Desportos em um período de êxodo de cariocas para o Canindé. Muitos craques seguiram para lá, como o lateral Jair Marinho [ex-Fluminense], o grande amigo de Cacá, o meia Pampolini, o centroavante Henrique Frade [ex-Flamengo] e o extraordinário Dida [ex-Flamengo]. Dois anos depois, Cacá decidiu pendurar as chuteiras.

Carioca, de Botafogo, bairro da zona sul, Cacá nasceu no dia 31 de agosto de 1932. Sua fama de líder dentro e fora dos campos sempre foi notada e devidamente reconhecida pelas torcidas do Fluminense e do Botafogo. Muitas décadas após deixar os gramados, tornou-se amigo inseparável de Nilton Santos. Quando este foi internado em 2007, Cacá o visitava todos os sábados, o que se sucedeu até o dia da morte de Nilton Santos, em 27 de novembro de 2013.


Cacá não fez fortuna com o futebol, mas não teve do que se queixar com o que o esporte lhe proporcionou. Tornou-se um bem sucedido engenheiro civil e manteve uma vida tranquila. Foi um dos poucos craques de sua época que não insistiram com o futebol, mas como treinador: “O futebol foi o trampolim que eu soube explorar para ter sucesso na vida”. E a sua primeira obra como engenheiro foi a construção da casa do amigo Didi, na Ilha do Governador, em 1959, um ano após se formar. Da engenharia da bola para a dos prédios, Cacá foi um craque que deu certo.

Na quarta-feira, dia 7 de junho de 2017, vítima de câncer, Cacá partiu, e deixou tristes os botafoguenses e, sobretudo, nós, que amamos o futebol de verdade.

#Ídolos #DicionáriodosCraques #BotafogoFR

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