por Zé Roberto Padilha
Somos o que lemos, já disse um dia o poeta. Ou foi o profeta? Pouco importa, eles estavam certos. Porque nos anos 70 o país do futebol prendia e torturava seus filhos e não teve um só ídolo de chuteiras a levantar a voz e tirar seu torcedor socialista do pau-de-arara. Saíram às ruas os estudantes, entraram em greve os metalúrgicos, os ferroviários, todos os operários, mas nenhum Pelé ocupou o show do intervalo para denunciar a tortura. O sumiço do Herzog. Em meio a esta pavorosa omissão, Democracia Corintiana, Afonsinho e Movimento Passe Livre foram focos isolados de resistência prontamente abafados pelos cartolas.
Nas concentrações dos clubes de futebol os jogadores não liam Movimento, Pasquim ou Opinião. Eles liam Contigo, Jornal dos Sports, Tio Patinhas e Manchete. Não a de variedades, política e sociedade do Arnaldo Bloch. Mas a esportiva que só continha futebol. Tão violento foi o descaso da minha classe que o ditador da vez, Emilio Garrastazu Médici, teve a petulância de trocar o comando da seleção porque João Saldanha era comunista. Em seu lugar imporia a CBF um treinador que levasse Dadá Maravilha ao México. Era um bom atacante, cabeceava bem, tinha passadas largas e um certo domínio de bola, masna época era o melhor ópio do povo que o futebol concebia nas tardes de domingo. O que distraia as massas enquanto as bombas explodiam no Riocentro.
Nosso país, hoje, encharcado de corrupção e desmandos, também reflete o que seus filhos lêem: enquanto a Bíblia Sagrada vende apenas 500 mil exemplares por mês, segundo a Sociedade Bíblica do Brasil, a tiragem da revista Caras bateu 860 mil em janeiro. E a Quem Acontece chegou a casa dos 650 mil. De um lado o livro mais vendido no mundo, a cartilha da fraternidade que desde o primeiro exemplar tem orientado a humanidade a dividir o pão e o vinho. De outro, uma exposição da vida das celebridades, riqueza e ostentação dos que vivem a esconder o pão e colecionar vinhos. Para ficar bonito na capa, aplicam botox e trocam a fiel escudeira por uma Joelma mais nova que vai aparecer deslumbrante em suas páginas ostentando um vestido Dior.
Eike Batista não leu a Bíblia. Ele é a cara, e o mau exemplo, de quem acontece em nosso país. Deu uma Ferrari para o filho e não lhe deu educação para dirigir, preferiu investir em uma banca de advogados e subornar o radar da reta oposta da Washington Luis. Seus companheiros de cela, que não tiveram oportunidade de estudar, não entendem como aquele homem foi parar ali. Ter uma mansão com dez suítes e defecar de cócoras sob o olhar do deboche. Ter no cardápio lagostas e medalhões do Copacabana Palace e comer bóias requentadas que o estomago não reconhece.
A vida é mesmo assim. Somos o que somos. E o que lemos. Mas quando o homem, e a mulher, se dedicam apenas a serem lidos, vistos e admirados, e para tal precisam negociar valores éticos e morais, corromper e serem corrompidos, chegou a Lavo Jato a hora de pegar o manual da humildade. Ao trocar a Ilha de Caras pelas celas de Bangu, Eike, Cabral, Eduardo Cunha e Cia vão ter tempo de sobra para rever conceitos e ler a Bíblia emprestada do detento ao lado. Que Deus os perdoe e nos proteja.
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