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zé roberto padilha

nesse palco iluminado

por Zé Roberto Padilha

Certa noite, no Maracanã, o ano era de 1973, tinha 21 anos e entrava em campo pelo Fluminense para enfrentar a Ponte Preta. Ninguém me contou, mas deu para perceber o olhar de alguns jogadores paulistas admirando, um pouco assustados, toda aquela imensidão.

O Maracanã, quando você sai do túnel e entra em campo, fecha um ciclo da sua vida. Ao pisar em seu gramado, um sonho foi realizado. Quantas peladas foram precisas, quantas partidas disputadas na Rua Bariri, no Ítalo Del Cima, em Moça Bonita para você alcançar o Teatro Municipal da Bola?

Três décadas depois, a Ponte Preta cresceu, seus jogadores já não sentem tanto o peso e o Maracanã se modernizou. Quanto ao Fluminense…por ali será sempre o Fluminense.

Sua camisa, carregada de glórias conquistadas, suas três cores, que tornam aquele palco iluminado ainda mais admirável e charmoso, quando entra em campo deixa uma lembrança muito forte ao mundo do futebol.

De que eles, Maracanã e Fluminense, são cúmplices. De momentos históricos. Foi no apagar de suas luzes que Assis recebeu de Delei e tocou por baixo das pernas do Raul.

São amantes. Minutos antes de seu maior rival conquistar o título do seu centenário, Renato Gaúcho, após Aílton tirar Charles Guerreiro para dançar, cedeu seu ventre para que a bola encontrasse suas redes. E nos levasse a alcançar um outro orgasmo esportivo.

Nos perdoe quem nos enfrenta quando o tomamos por inteiro. Quando bandeiras se espalham, as camisas mais lindas unem palco e plateia, uma força estranha paira sobre cada adversário.

Quem sabe um recado inconsciente a todos domina e, por instintos, percebem que ali à sua frente tem mais que um time. Tem um dono.

Não foi por dinheiro que Marcelo quis reviver todo o magnetismo que foi criado e muito cedo deixou para trás. Ele poderia escolher qualquer time do mundo para defender.

Ele voltou porque são poucos os que tem a chance de poder amar duas vezes a mesma mulher.

CARTA ABERTA AO PRESIDENTE DA FERJ

por Zé Roberto Padilha

Caro amigo Rubens Lopes, posso dizer assim, já que na última vez que nos vimos você disse: “Meu ponta esquerda…”

Gostaria que você assistisse a primeira fase da Copa do Brasil, o mais democrático campeonato de futebol do país. Aquele que ainda conserva as mais puras raízes do nosso glorioso futebol.

Asa de Marabá x Goiás foi mais emocionante do que a final da Champions League. Toda uma cidade ocupou seu querido estádio para torcer pelo seu time. Nada de Canal Premiere, TV Cazé, quem mais pagou os direitos de transmissão.

Tinha cheiro da grama, alambrado colado ao campo, e os filhos pedindo aos seus pais que queriam entrar na escolinha. São eles, os associados, o roupeiro que recupera o seu emprego, toda uma cidade envolvida em prol do esporte que renascera por uma noite.

Sob sua longínqua gestão, fechados foram a maioria dos estádios do interior do estado do Rio. O América FC, onde meu pai jogou e eu dei os primeiros passes, está cheio de buracos. O Entrerriense FC, onde meu avô dedicou parte da sua vida, vive à míngua da contribuição de poucos associados.

Pela primeira vez os Lopes e Padilhas não vão ter um jogador para revelar ao futebol brasileiro. E não foram poucos. Ligas fechadas, competições idem, ou meus filhos vão pra noite, estudam ou se afastam do esporte, que tanta saúde e orgulho deu à nossa família.

Peço em nome de todos os 82 municípios do nosso estado que conceda anistia a todos os clubes endividados não por má gestão, mas por falta de jogos e oportunidades.

Comece promovendo um campeonato de seleções, seria uma retirada do pó das arquibancadas, um toque na pele de uma paixão esquecida e um recomeço de tudo.

A partir deste toque de alvorada, os clubes iriam se reestrurando com a volta dos torcedores aos estádios.

Faça isso pelos meus netos. Porque meus filhos, e muitas gerações, tiveram que desperdiçar uma vocação, em forma de arte, que Deus colocou no mundo para encantar um país.

Conto com você.

NA VOLTA REDONDA DE UM RESULTADO QUADRADO

por Zé Roberto Padilha

Não é fácil ser o técnico Rogério Corrêa, após ser goleado pelo Fluminense. Sei o que está passando pois há quase três décadas vivi um drama parecido.

Colocamos o Entrerriense FC entre os oito finalistas do estadual 95 e voltamos da Gávea, num domingo pela manhã, com 6×0 nas costas.

Ninguém no ônibus de volta olhou para trás para exaltar o quanto nos custou chegar entre os oito melhores do estado. No ônibus, nas redações, nas cabines de transmissões só se respira o resultado presente. A memória do futebol é maior apenas que a razão que sobrou de cada fanatismo. É fraca, mas como dói.

Romário, um ano após ser tetra, marcou três gols, era o Cano de hoje. Sávio, que embarcaria pro Real Madrid, fez dois. E Edmundo, então na seleção brasileira, fechou o caixão.

O Volta Redonda, que merece nossos aplausos, não compra quem seu técnico gostaria. Pega uma sobra daqui, uma aposta no Itaboraí Profute dali, revela um da base cujo pai não conseguiu lugar em Xerém e vai montando o time.

Rogério Corrêa não tem nem o direito de ter no elenco um William Bigode, que no Fluminense está no banco de reserva. Marcelo, então, nem nos seus sonhos mais delirantes. Leva a campo quem pode e faz dos que podem guerreiros audaciosos que foram tão brilhantes a ponto de deixar o Botafogo fora das semifinais. Ou esqueceram que enquanto o Fluminense descansava eles travaram, e venceram, uma batalha durante a semana contra um grande do futebol brasileiro?

Deixe-me, então, sentar espiritualmente na poltrona do ônibus que levará os jogadores do Volta Redonda nessa volta quadrada pra casa. Pedir a palavra e dizer a eles que todos nós, aqui em Três Rios, que sobrevivemos à goleada, com o tempo tivemos nosso feito reconhecido.

A cidade não esquece que um dia Túlio, Renato Gaúcho, Joel Santana, pisaram nossa grama, Gerson e Januário de Oliveira ocuparam as cabines, a explicar a todo o país que cidade audaciosa era essa de se intrometer entre os grandes.

Quanto orgulho sentem, hoje, em relação à vergonha momentânea provocada por aquela goleada.

Volta Redonda, se o tempo adiantasse e a razão se sobreposse à emoção, estaria agora em festa, esperando vocês para um desfile em carro aberto do Corpo de Bombeiros.

Vocês mereciam. Mas o futebol no seu tempo presente é cruel, muito cruel….assim narrava Januário de Oliveira. Certo, Gerson?

À ESPERA DOS ROYALTIES DA “TOQUEIRA”

por Zé Roberto Padilha

Trabalhei em Xerém de 1987 a 1990. Foi minha primeira experiência como treinador. Comecei no Sub-15 e sua base vinha toda do Futsal do Fluminense.

Logo percebemos que seus dribles curtos, espaços reduzidos e nem um só chutão constratavam com a imensidão de um campo de futebol. Como adaptá-los em um espaço três vezes maior?

Embora ralasse como todo mundo, embarcasse de Três Rios no ônibus das 5h30 e retornasse no das 14h30, tinha na volta, pela inspiradora Serra das Araras, duas horas para elaborar uma solução. Que treinador teria essa paz para raciocinar e buscar saídas?

Dia seguinte, pedi para que fosse pintada duas linhas intermediárias paralelas ao meio campo, dividindo aquela imensidão a três quadras que deveriam ser ordenadamente ocupadas.

Todos próximos e as ocupando com suas habilidades sob o comando dos números 5 e 10. Era bonito de ver a “toqueira”, assim falavam, que davam nos adversários.

Na quadra central, era obrigatório dar dois toques para quando a linha ofensiva fosse alcançada a liberdade de criação respeitada. Aí nascia a base do Tic Tac, dez anos antes do Guardiola e trinta anos antes do Dinizismo.

A “Tríplice Ocupação com Dupla Função” foi o fascículo inicial, que acabou no trabalho tático 5 5 Reversível, publicado pela Secretaria de Cultura do Estado do Rio de Janeiro. E realizamos palestras de lançamento no Salão Nobre do Fluminense.

Depois de levantar os títulos estaduais Sub-15, 87, Sub-17 em 89, e próximos da Taça São Paulo, de 90, de apresentar a novidade em uma cobiçada vitrine, fomos demitidos. A gestão Arnaldo Santiago não era de vanguarda como a de Mario Bittencourt.

Nossas testemunhas são das safras 72, 73, 74 e 75. Habilidosas cobaias, como Renatinho, Mário Alexandre, Vlamir, Nilberto, Magaldi, Wallace e Cia. não querem discutir se foram os Irmãos Wright ou Santos Dummont que colocaram os aviões no ar.

Querem saber quando seu treinador, hoje servidor público municipal, vai receber os royalties por bolar um sistema tático que colocava seus adversários na roda?

Saudades de um fla x flu

por Zé Roberto Padilha

Jogar futebol e não jogar um Fla x Flu, no Maracanã, é como ser um dançarino que nunca pisou no palco do Teatro Municipal. Vai ser feliz na sua profissão, disputar até a final da Libertadores, mas sem um Fla x Flu…

Vai precisar ler Nelson Rodrigues para entender melhor o que esse clássico representa. Nosso maior dramaturgo nunca entrou em campo, mas foi quem mais captou, como tricolor, a essência dessa obra de arte, ao vivo, que quarta-feira vai ter mais um recital.

Tenho muito carinho por essa foto, Taça Guanabara 74, onde o Fluminense foi vice-campeão. Nela, estão estampados, ao meu lado, três dos seus maiores personagens, Doval, Geraldo e Cleber, que precocemente nos deixaram, e que engrandeceram cada Fla x Flu com sua arte.

Espero que torcedores não briguem, não se hostilizem, como no domingo. Porque clássicos como esse é preciso subir a rampa de joelhos, erguer os braços para os céus e agradecer a Deus por ser ainda disputado aqui.

Porque se descobrirem, alcançarem o seu fascínio, vão levá-lo não para Brasília, mas para Londres, Paris ou Madrid. Aí sim, o último a sair apague os refletores porque o futebol brasileiro, no dia em que perder o Fla x Flu, definitivamente terá chegado ao fim.