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ABC, TERMÔMETRO SENTIMENTAL DE UM POVO

29 / junho / 2018

por Rubens Lemos


O Palmeiras da Segunda Academia ganhou o Campeonato Brasileiro de 1972 no bailado em câmera lenta de Ademir da Guia. Quando veio a Natal para jogar contra o ABC, dia 3 de dezembro, estava classificado por antecipação para a segunda fase e poupou quatro dos seus principais astros.

Ademir da Guia ficou descansando em São Paulo e o destaque era na artilharia para o meia-atacante Leivinha e o controvertido artilheiro César Lemos, o César Maluco, irmão de sangue dos também goleadores Caio Cambalhota e Luisinho Tombo, um dos principais ídolos do América do Rio de Janeiro.

Natal recebeu com indignação provinciana a decisão tomada pelo clube palestrino, hospedado no Hotel Internacional dos Reis Magos diante do mar da Praia do Meio.

O Palmeiras era campeão paulista e tivera três titulares entre os convocados para a seleção brasileira campeã da Minicopa, realizada naquele ano com jogos no recém-inaugurado Estádio Castelo Branco, o Castelão.


O público feminino tentava invadir o hotel, hoje aos escombros, pela boate Bambelô, brigando por um mero aceno do goleiro Emerson Leão, titularíssimo do gol do Brasil e dono, segundo a mídia especializada, do par de pernas masculinas mais bonito do país. Sua imagem em
propaganda de cueca aparecia em outdoors espalhados de Boa Vista a Porto Alegre.

Leão, conhecido pela antipatia pessoal, proporcional ao talento debaixo das traves, desceu à piscina de óculos escuros, estirou-se nas cadeiras para o bronzeado, olhou sem sorrir para as fãs, respondeu entrevistas aos monossílabos e voltou ao seu quarto.

O mais tranquilo era o veterano Dudu, remanescente da primeira versão da Academia, no início dos anos 1960, quando entrou no time para substituir o pernambucano Zequinha, campeão mundial na reserva da seleção brasileira na Copa do Chile.

Dudu era o ponto de apoio para os solos de Ademir da Guia. Carregava o piano para o craque de aspecto dispersivo e afinado como um violino Stradivarius. Ademir da Guia usava o cérebro em contraponto ao fôlego e a partida adaptava-se ao seu ritmo, não o contrário.

Dudu estava escalado junto a outro volante, Zé Carlos, seu conformado reserva, numa formação aparentemente defensiva, mas com quatro homens no ataque: Os dois insinuantes e dribladores pontas Edu e Nei, mais dois atacantes de área, o argentino Madurga e Fedato, que jogaria no Náutico de Recife quatro anos depois.

Para o lugar de Luís Pereira, o mítico técnico Osvaldo Brandão, discreto em suas caminhadas esguias, escolheu o jovem João Carlos, revelado pela Portuguesa Santista e de conteúdo oposto ao do titular. Era força e garra, nada do requinte e da vocação ofensiva de Luís
Chevrolet.

O ABC esperava se despedir com dignidade. Havia sido suspenso por dois anos de competições nacionais pela escalação irregular contra o Botafogo (RJ) do zagueiro Nilson Andrade e do lateral-esquerdo Rildo, expulsos contra o Ceará e do meia Orlando, sem autorização da CBD.

Os jogos do alvinegro motivaram Natal. O Castelão revelava-se o palco digno para os desfiles de Alberi, o rei da cidade, com atuações exuberantes que o levariam à conquista da Bola de Prata da revista Placar como melhor de sua posição no Brasileiro.

Uma atuação convincente aos jurados diante do Palmeiras seria crucial para a vitória na disputa contra Tostão do Vasco, Jairzinho do Botafogo, Palhinha do Cruzeiro e Doval do Flamengo, seus concorrentes diretos.

A cidade, que havia parado quatro dias antes para ver Pelé em discreta atuação na vitória por 2×0 sobre o representante potiguar, especulava sobre o interesse do Fluminense por Alberi, contratação que chegou a ser tratada pelo representante do clube em Natal, jornalista
Aluizio Menezes, e não concretizada.


Com a bola rolando, Leão perdeu a pose. Alberi queria o duelo com Ademir da Guia e adorou a solidão do brilho. Deslocou-se como pantera pelos dois lados e procurando tabela com o centroavante Petinha. Aos 25 minutos, caiu nas costas de Dudu e deu de cara com o zagueiro João Carlos.

Aplicou-lhe um drible seco e bateu rasteiro, com força, no canto esquerdo da trave voltada para a direita das cabines de rádio. Leão esticou-se e segurou sem rebote. Alberi dominou o primeiro tempo jogando por ele e pelo seu companheiro de criação, o meia-armador
Danilo Menezes, ausente por problemas médicos.

O Palmeiras abriu o placar aos 3 minutos do segundo tempo com Zé Carlos chutando fraco de fora da área. Falha do goleiro Tião. Em jogada individual, Madurga enganou a defesa alvinegra e chutou sem chances para o goleiro espigado e contratado ao Bonsucesso(RJ) para
caprichar em erros capitais ao longo da campanha do ABC.

No seu pragmático tático, Brandão recuou Madurga ao meio, o Palmeiras fechou-se e passou a tocar a bola para passar o tempo. Faltou apenas combinar com Alberi. Em nova arrancada, aos dribles, o Negão fintou João Carlos que cometeu pênalti. Alberi bateu forte e Leão foi buscar
no fundo das redes.

O ABC acordou e a Frasqueira eletrizou o estádio de arquitetura impecável. Alberi pediu bola. Recebeu na entrada da grande área. Vieram o humilhado João Carlos e o quarto-zagueiro Alfredo Mostarda. Numa finta, passaram os dois. Alberi  tentou driblar Leão, os dois se
enroscaram e a bola sobrou para Maranhão, que chutou fraco demais.


Bola de Prata/1972: Aranha (Remo), Marinho Chagas (Botafogo), Figueroa (Inter), Beto Bacamarte (Grêmio) e Piazza (Cruzeiro). Osni (Vitória), Alberi (ABC), Zé Roberto (Coritiba) e Paulo Cézar (Flamengo)

O lateral-direito Eurico tratou de empurrar para as próprias redes. O empate por 2×2 fez Leão cumprimentar e aplaudir Alberi. O encontro com Ademir da Guia só aconteceu durante a entrega da Bola de Prata (foto), que os dois receberam, cada um na sua posição. Alberi, guia do show do dia sem Ademir, eterna inspiração aos súditos de 46  anos depois. Viva o ABC, 103 anos do termômetro sentimental de Natal.

PS.Nesta sexta-feira(29 de junho), o ABC, recordista brasileiro de títulos estaduais(55), faz aniversário e a lembrança de seu craque maior é homenagem merecida.

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