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VOZES DA BOLA: ENTREVISTA ROBERTO DINAMITE

23 / agosto / 2020


Muitas vezes, fazer sucesso no futebol é uma questão de sorte. São milhares de atletas em busca de reconhecimento de seu talento. Em muitos casos, eles não têm a oportunidade de provar suas qualidades nas ‘peneiras’, os famosos testes promovidos por escolinhas de clubes, e acabam se tornando os ‘craques que nunca foram’. 

Esse não é o caso de Carlos Roberto de Oliveira, o Roberto Dinamite, que saiu da Baixada Fluminense, aos 15 anos, para navegar por ‘mares navegados’. 

Moleque, ainda frequentando as aulas de catecismo, Roberto trocou um ‘santo’, o São Bento, time amador de Duque de Caxias, onde costumava fazer os adversários pagarem seus pecados em forma de muitos gol sofridos, por outro, São Januário, símbolo e padroeiro do Vasco da Gama, que completou 122 anos recentemente.  

‘Marinheiro de primeira viagem’, Roberto não sabia que ali começava uma jornada de 21 anos por mares nunca navegados, onde assumiu como capitão o leme da ‘nau vascaína’, e lá, viveu muitos momentos de glória, mas também teve que sobreviver a naufrágios. 

Recordista em ‘número de viagens envergando a farda vascaína’ (1.110 partidas disputadas pelo mesmo clube); maior artilheiro da ‘Colina’, com 708 tentos marcados (752 no total, contando os 44 marcados por outros ‘navios piratas’); principal artilheiro de São Januário (184 gols); maior marcador de gols na história do Campeonato Brasileiro (190 gols), o ‘timoneiro’ Roberto Dinamite ‘ancorou’ na redação do ‘Museu da Pelada’ para dar seu testemunho para a série ‘Vozes da Bola’. 

Terra à Vista, Almirante!         

Por Marcos Vinicius Cabral 

Como começou sua relação com o Vasco? Você veio da Baixada, onde jogava no São Bento, de Duque de Caxias, não é?

É. Mas, antes, é bom contar que tive uma infância muito difícil. Com 7 anos fiz uma cirurgia e com 12 tive que fazer outra por um problema na perna esquerda, já atuando na escolinha do São Bento. Mas, graças a Deus consegui superar tudo isso, me tornar um atleta e, sem sombra de dúvidas, um bom jogador de futebol.

É verdade que seu pai e seu irmão jogaram mais bola que você?

É verdade. As pessoas lá de Caxias, até hoje dizem que meu pai e meu irmão, jogaram mais do que eu. No entanto, eu fui profissional e eles não, mas foram pessoas importantes que me incentivaram e sempre estiveram do meu lado. Mas é isso, é a vida e que eles jogaram muito, eu sei, meu pai era goleiro e meu irmão era ponta e depois passou a ser goleiro também. Então, como eu era goleador, não teria como não dar certo.

De onde vem o apelido Dinamite?


Vem do meu primeiro jogo no Maracanã, com 17 anos, com a camisa do Vasco, no time principal, no Brasileiro de 1971. Entrei no segundo tempo da partida, contra o Internacional, no Campeonato Brasileiro e fiz um gol num chute forte de fora da área. Desse gol surgiu o apelido Dinamite. No dia seguinte o Jornal dos Sports colocou na primeira página: ‘O garoto Dinamite explode no Maracanã’. Isso foi criado pelo jornalista Eliomário Valente e foi importante naquele momento, no início da minha carreira.

Em 1973, você enfrentou o Santos de Pelé no Maracanã e fez um belo gol de voleio, sendo inclusive elogiado pelo ‘Rei’ ainda em campo. Você imaginava que aquele garoto de Duque de Caxias chegaria tão longe?

Ter recebido o elogio de Pelé foi motivo de orgulho. Mas depois tiveram outros jogos importantes, outras conquistas, como o Brasileiro de 74, onde o Vasco se tornou o primeiro carioca a ganhar o título da competição. Sem falar que fui o artilheiro. Mais à frente conquistamos os títulos cariocas de 82, 87 e 88, além da marca de artilheiro das competições. É realmente uma coisa fabulosa.

Quem foi sua referência no futebol?

Quando era criança, com 12, 13 anos, vi Garrincha e Pelé jogarem. Acho que foram referências para todos, cada um dentro do seu universo, Garrincha mais descontraído, com seu jeitão de povão e tal; e Pelé, além do grande talento, tinha uma outra linha, muito profissional, de se dedicar em tudo. No Vasco conheci os grandes Ademir, Barbosa, e acho que é por aí. A gente tem a referência, a gente vai olhando e para buscar lá na frente tem que sempre olhar para trás.

Num jogo contra o Botafogo, em 76, estavam na tribuna do Maracanã, Henry Kissinger, secretário de Estado dos Estados Unidos à época, e Mário Henrique Simonsen, ministro da Fazenda. Você entregou a camisa do jogo para ele?

Nesse jogo eu fiz dois gols. Estávamos perdendo por 1 a 0, e fiz o primeiro aos 39 minutos e o segundo aos 44, num  gol de lençol sobre o Osmar, que foi muito bonito. Nesse jogo o Mário Henrique Simonsen estava na tribuna de honra com o Henry Kissinger, e nós, capitães do Vasco e do Botafogo, entregamos as camisas usadas nos primeiros 45 minutos para eles. Isso abrilhantou a vitória, e o gol é considerado um dos mais bonitos do Maracanã.

Você jogou a Copa de 1978, e na de 1982 foi reserva. Acha que poderia ter tido mais oportunidades na Seleção?

Em 78 fiquei no banco nos dois primeiros jogos, no terceiro entrei como titular, fiz o gol contra a Áustria que classificou o Brasil e dali, fiquei até o final da competição, inclusive sendo artilheiro da Seleção Brasileira. Pena que o Peru entregou o jogo para a Argentina, e nós, que tínhamos saldo de cinco gols acabamos fora porque eles conseguiram. Já em 82 eu fui convocado para o lugar do Careca. Perdendo um pouco a humildade, a minha presença poderia contribuir mais.

O seu ‘divórcio’ temporário com o Vasco e a ida para o Barcelona em 1979 até hoje são motivos de discussão entre os torcedores cruzmaltinos. Mas, regressar ao Maracanã sob desconfiança, depois de um ‘flerte’ com o Flamengo e  marcar logo cinco gols na vitória de 5 a 1 do Vasco contra o Corinthians em 1980, foi o ápice?

Foi muito bom. Voltar ao Brasil depois de uma passagem curta no Barcelona e marcar cinco gols contra a equipe do Corinthians, para mim foi motivo de muito orgulho e satisfação. O Timão tinha uma grande equipe e foi uma tarde maravilhosa. Essa é a lembrança que eu tenho. E para coroar a jornada, a torcida do Flamengo torcendo pelo Corinthians, pois eles haviam feito a preliminar contra o Bangu. Então, teve sabor em dose dupla.

Em como foi essa história de você voltar do Barcelona para jogar no Flamengo?

Realmente o Flamengo foi até Barcelona para tentar me contratar. Acabei voltando para o Vasco, numa decisão minha de querer voltar para o Brasil e voltar a vestir a camisa do meu clube de coração. E foi importante, muito importante, mas houve sim esse interesse rubro negro, mas acabei voltando para o Vasco.

Como é ser ídolo de um clube como o Vasco da Gama e ser respeitado por adversários e torcedores de outros times?

Os gols, claro, que para mim, foram importantes na minha carreira. Mas a relação de respeito com as pessoas, desde as categorias de base até o profissional, dos meus adversários, que hoje são meus amigos, sempre foi importante. Então, o que eu pude ver dentro do futebol é que você pode ser um grande adversário, mas pode criar amizades também. Foi o que fiz ao longo da minha carreira e essas foram as grandes conquistas de amizade, respeito e carinho de todos. Isso é muito bom!

Até hoje, não teve Pelé, Zico, Romário, Edmundo, Renato Gaúcho, Túlio, ninguém. O maior artilheiro da história do Campeonato Brasileiro segue sendo Roberto Dinamite, com 190 gols. Acha que um dia esse recorde vai ser batido?

Ser o maior artilheiro do Campeonato Brasileiro é decorrência de ter jogado um número bom de campeonatos, mas também pela qualidade de saber fazer gols. Minha técnica como centroavante ajudou, e só tenho a agradecer. Já tem algum tempo, eu parei de jogar em 92 para 93, e até hoje o recorde não foi batido. Espero e torço para que isso possa motivar essa nova geração. Aliás, o único jogador em evidência é o Fred, que é o mais próximo e está a 40, 50 gols de mim. Para mim, essa marca é muito significativa. Ser o maior artilheiro da história do Campeonato Brasileiro é um orgulho.


Ao lado de Pelé e Rogério Ceni, você jogou mais de mil partidas pelo Vasco (são 1.110 na verdade). Que retrospectiva você faz da sua carreira no clube?

É verdade. Sou um privilegiado, pois lá atrás não tinha ideia de que me tornaria um jogador de futebol, em razão das contusões que tive. Hoje é oficial. Eu, Pelé e Rogério Ceni somos os únicos jogadores no mundo que mais vezes vestiram as camisas de um mesmo clube. Joguei 1.110 partidas com a camisa do Vasco da Gama e para mim é motivo de muito orgulho. Jogar no Vasco, ser seu maior artilheiro e ser um dos ídolos de sua história é um orgulho muito grande.

Qual foi o melhor treinador com quem você trabalhou?

Eu tive grandes treinadores, e meu primeiro grande treinador foi seu Célio de Souza, ainda no juvenil. Mas citar um apenas é difícil. Travaglini do jeito dele; Orlando Fantoni, Joel, Lopes… Foram vários e cada um com sua característica. E sou grato a todos eles.

Como tem enfrentado esses dias de isolamento social devido ao Coronavírus?

Com muita preocupação. Não se sabe como se pega, você tem que usar máscara. É uma série de coisas e todo mundo está sujeito a isso. Já tive isso, mas graças a Deus, foi bem brando. Então, temos que ficar atentos a tudo que está em volta, porque infelizmente é uma coisa nova que pouca gente sabe. E isso é algo que está aí e vai durar por muito tempo. O que eu posso dizer para vocês é isso: “Se cuidem, se preservem, usem máscara, álcool gel, mas acima de tudo, tentem na medida do possível, ter o menor contato com outras pessoas e principalmente as que você não conhece!”.

Defina Roberto Dinamite em uma única palavra?

Artilheiro.

Roberto e Vasco foi coisa do destino?

Acho que sim. Eu acredito muito no destino e que a gente está aí para cumprir uma etapa aqui na Terra. Meu pai e meu irmão, foram muito mais jogadores do que eu, mas não chegaram, não foram profissionais como eu, mas fizeram história no futebol amador. Então, eu acredito muito nisso, que a gente vem aqui para uma missão neste mundo e a gente tem que trabalhar isso, melhorar, evoluir, crescer, para que realmente a gente possa cumprir essa etapa. Fica aí a mensagem, de que quando se tem uma oportunidade, tem que saber aproveitá-la.

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