Escolha uma Página
Generic selectors
Exact matches only
Search in title
Search in content
Post Type Selectors

UMA COISA JOGADA COM MÚSICA – CAPÍTULO 60

2 / maio / 2024

por Eduardo Lamas Neiva

Após a execução de “Carnaval tri-campeão”, a turma no bar Além da Imaginação se dispersou um pouco, esticou as pernas, foi tirar água do joelho, pediu mais uns comes e bebes. Quando deram uma pequena pausa pra respirar, Idiota da Objetividade veio com a informação incômoda.

Idiota da Objetividade: – Só em 1934, na Itália, o Brasil foi pior do que em 66, ficando em 14º lugar. Porém, daquela vez só jogou uma partida e perdeu. O sistema era eliminatório. Na Inglaterra ficou em 11º.

Ceguinho Torcedor: – O time brasileiro não foi derrotado pela Hungria e por Portugal, mas pela burrice da comissão técnica. Em quatro meses de treinos a comissão teve tudo e não revelou um único e escasso momento de lucidez. Com menos dinheiro a Inglaterra fez o seu império.  Quando a gente se lembra do que a comissão técnica fez, chega-se a pensar em insânia. Mas aí é que está: a burrice é a pior forma de loucura.

Garçom: – Vi várias vezes lances daquele jogo contra Portugal, e o Pelé foi caçado em campo.

Ceguinho Torcedor: – Sim, valeu tudo contra o Brasil e, sobretudo, contra Pelé. O crioulo foi caçado contra a Bulgária. Não pôde jogar contra a Hungria e só voltou contra Portugal. Nova caçada. Sofreu um tiro de meta no joelho. Verdadeira tentativa de homicídio. O juiz inglês nem piou. Silva levou um bico nas costelas. Jairzinho foi outra vítima e assim Paraná. O árbitro a tudo assistia com lívido descaro. E nós? Que fizemos nós? Nada. No último jogo, o Brasil apanhou sem revidar.

Garçom: – Como pode isso?

João Sem Medo: – Um time apático, batido antes de entrar em campo. Não havia comando.

Ceguinho Torcedor: – Como se sabe, aquela Copa foi uma selva de pé na cara. E, no entanto, vejam vocês: — o brasileiro lá apareceu com um jogo leve, afetuoso, reverente, cerimonioso. E havia um abismo entre os dois comportamentos: nós, fazendo um futebol diáfano, incorpóreo, de sílfides; os europeus, como centauros truculentos, escouceando em todas as direções. E no fim, a Inglaterra, a dona da casa, ganhou no apito o caneco de ouro.

Músico: – Soube pelo Nelson Motta que após a derrota para Portugal os torcedores brasileiros na Inglaterra improvisaram uma batucada lenta e cantaram, sofridos, o samba “tristeza, por favor vá embora, minha alma que chora”.

Jair Rodrigues aproveita o passe, levanta-se e continua a cantar a música “Tristeza”, de Haroldo Lobo e Niltinho Tristeza, logo seguida por todas as vozes do Além da Imaginação.

Todos aplaudem muito, repletos de alegria, inclusive Zé Ary.

Garçom: – Por Deus, gente! Que maravilha. Aquela tristeza foi mesmo embora e viria toda a imensa alegria do Tri em 70!

Ceguinho Torcedor: – Uma imensa alegria!

Sobrenatural de Almeida: – João, você ficou feliz com a conquista do tri, em 70?

João Sem Medo: – Claro que sim. Fiquei emocionado.

Sobrenatural de Almeida: – Mesmo sem você comandando o time que começou a montar?

João Sem Medo: – Almeida e amigos, aquela vitória extraordinária do Brasil no México foi a vitória do futebol. Do futebol que o Brasil joga, sem copiar ninguém, fazendo da arte de seus jogadores a sua força maior e impondo ao mundo o seu padrão. Não precisou seguir esquemas dos outros, pois tem sua personalidade, a sua filosofia, e jamais deveria sair dela.

Ceguinho Tricolor: – Tudo começou com o João. Quando o chamaram, berrei: “É o técnico ideal”!

João Sem Medo: – Obrigado, meu amigo. O Antônio do Passo foi à minha casa e disse que a cúpula da CBD gostaria que eu fosse o novo técnico da seleção. Perguntei a ele se era uma sondagem ou um convite. Ele confirmou que era um convite. Então respondi: “Eu topo!”.

Ceguinho Tricolor: – João, tenho-lhe um afeto de irmão. Quebrei minhas lanças para que a CBD o escolhesse. Havelange e Antônio do Passo tiveram um momento de lucidez ou mesmo de gênio, um momento digno de um Disraeli, e o chamaram. Sabe, um amigo meu, bem-pensante insuportável, veio me perguntar na época: — “Você acha que o João tem as qualidades necessárias?” Respondi: — “Não sei se tem as qualidades. Mas afirmo que tem os defeitos necessários”. E, realmente, o querido João possui defeitos luminosíssimos. E eu acreditava que com os defeitos de João Sem Medo o Brasil ganharia a Copa.

Garçom: – E ganhou com a ajuda dele, afinal nos classificamos nas eliminatórias só com vitórias. O “seu” João resgatou a autoestima do torcedor brasileiro.

Idiota da Objetividade: – A seleção estava sem credibilidade. Os jogos do Brasil não enchiam mais os estádios depois do fracasso em 66.

Garçom: – Lembro que ouvi pelo rádio a primeira entrevista do “seu” João como técnico da seleção. Ele deu logo a lista de titulares e reservas.

Ceguinho Torcedor: – Eram as feras do João.

Garçom: – Ah, isso dá música. Vamos chamar ao palco a dupla Pedro Bento e Zé da Estrada. Podem vir, por favor.

A dupla vai ao palco aplaudida.

Pedro Bento: – Obrigado. Em homenagem àquela brilhante seleção, especialmente o João Sem Medo que aqui está nos enriquecendo com seus conhecimentos e causos junto com Ceguinho Torcedor e demais componentes da mesa, vamos cantar “As feras do Saldanha”, de Joel Antunes Leme, também conhecido como Pedro Bento, ou seja, eu mesmo (todos riem), e J. G. Barbosa, o Zé da Estrada. Vamos lá, Zé da Estrada!

Pedro Bento e Zé da Estrada são aplaudidos. Agradecem e deixam o palco.

Músico: – Zé Ary e amigos, há ainda outra música, de Jayme Bochner, também chamada “As feras do Saldanha”, que foi gravada em 1969 pelo comediante Paulo Silvino.

Boa parte do povo no bar faz cara de espanto.

Músico: É, ele mesmo cantando.

Garçom: – Pois é, falamos já sobre isso antes, mas ainda não conseguimos a gravação, nem trazer o Silvino aqui pra cantar pra gente. (https://www.museudapelada.com/resenha/uma-coisa-jogada-com-musica-capitulo-20/)

Quer acompanhar a série “Uma coisa jogada com música” desde o início? O link de cada episódio já publicado você encontra aqui (é só clicar).

Saiba mais sobre o projeto Jogada de Música clicando aqui.

“Contos da Bola”, um time tão bom no papel, como no ebook. 

Tire o seu livro da Cartola aqui, adquira aqui na Amazon ou em qualquer das melhores lojas online do Brasil e do mundo.

Um gol desse não se perde!

TAGS:

2 Comentários

  1. Pedro Mayall

    Excelente texto. Só discordo em parte na questão do jogo violento dos europeus na Copa de 66, tendo visto recentemente os vídeos dos jogos completos. Na estreia os búlgaros bateram firme. Pelé ficou fora do segundo jogo por contusão. Neste, aliás, não teve violência. Os húngaros jogaram limpo e ganharam na bola. Foi um grande encontro de parte a parte, mas prevaleceu a melhor organização e forma física dos magiares. No terceiro compromisso, sabendo que Pelé jogava no sacrifício, os portugueses fizeram um rodízio de faltas muito duras no Rei até abatê-lo. Mas os brasileiros não deixaram de graça, ao contrário, revidaram com vontade. O que faltou ao Brasil em 66, como diz o texto, foi um mínimo de estruturação tática, entrosamento e forma física. O material humano era ótimo.

    Responder
  2. Eduardo Lamas Neiva

    Agradeço muito, Pedro, pela sua audiência e o comentário. Muitas das falas opinativas (quase todas do período em que estiveram vivos) dos personagens João Sem Medo e Ceguinho Torcedor foram recolhidas de textos e entrevistas de João Saldanha (1917-1990) e Nelson Rodrigues (1912-1980), portanto, refletem a visão deles, não necessariamente a minha. A série “Uma coisa jogada com música” é uma homenagem aos dois e é o texto (dividido em capítulos posteriormente) que deu origem ao projeto Jogada de Música, fruto de um trabalho de pesquisa que iniciei em 2015, sobre as músicas que contam, cantam e tocam de primeira a História do futebol brasileiro. Volte sempre! Abs.

    Responder

Enviar um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *