Escolha uma Página
Generic selectors
Exact matches only
Search in title
Search in content
Post Type Selectors

UMA COISA JOGADA COM MÚSICA – CAPÍTULO 59

25 / abril / 2024

por Eduardo Lamas Neiva

Fidélis, Zito, Brito, Gilmar, Fontana e Paulo Henrique. Jairzinho, Lima, Alcindo, Pelé e Amarildo.

Depois da agitação, o público se acalmou e o Idiota da Objetividade aproveitou o espaço para avançar com mais detalhes sobre o último lance do Sul-Americano de 59.

Idiota da Objetividade: – O árbitro chileno apitou o fim do jogo no momento em que Garrincha se preparava para driblar o goleiro Negri. O empate garantia o título para a Argentina, o tricampeonato sul-americano. O Brasil terminou a competição invicto. Antes do empate em 1 a 1 com os argentinos, no jogo final, tinha empatado com os peruanos em 2 a 2 na estreia, depois venceu os chilenos, por 3 a 0; os bolivianos, por 4 a 2; os uruguaios, por 3 a 1, e os paraguaios, por 4 a 1.

João Sem Medo: – No fim, não houve confusão e acabamos estranhamente voltando satisfeitos com o vice-campeonato invicto.

Sobrenatural de Almeida: – Os jogadores brasileiros foram recebidos como campeões. Assombroso!

Todos: – Assombroso!

Risada geral. Porém, o curioso fato de os jogadores brasileiros terem sido recebidos como campeões após o vice-campeonato sul-americano em 1959 continuou à mesa e João Sem Medo prosseguiu.

João Sem Medo: – O título na Suécia ainda estava fresco na memória do povo. Depois vencemos no Chile também. Mas aí a coisa desandou.

Sobrenatural de Almeida: – Inventaram de formarem quatro seleções. Nunca tinha visto isso. Assombroso!

João Sem Medo: – Os militares já tinham tomado o poder em 64 e a influência política na preparação da seleção para a Copa de 66 foi grande. No 1º de maio, dia do trabalhador, abriram os portões do Maracanã e fizeram um escarcéu. O estádio recebeu umas 200 mil pessoas para assistirem ao treino das quatro equipes brasileiras contra o Atlético Mineiro e a seleção gaúcha. Uma loucura.

Ceguinho Torcedor: – A seleção principal era grená, mas jogou de branco contra os gaúchos, que estavam de azul.

Garçom: – O senhor viu???

Sobrenatural de Almeida: – Ele tem boa memória, eu contei pra ele.

Garçom: – Assombroso!

Todos riem

João Sem Medo: – Pra piorar a bola era amarela, como seria usada no Mundial da Inglaterra.

Idiota da Objetividade: – Foram ao todo quatro jogos de 45 minutos, dois contra o Atlético Mineiro e dois contra a seleção gaúcha. O time verde venceu o Atlético por 3 a 0, gols de Célio, Tostão e Edu, e a equipe azul derrotou o time mineiro por 2 a 0, com Parada e Ivair fazendo os gols. Mas a torcida não gostou dos azuis e vaiou. Depois, o time branco empatou sem gols com os gaúchos, e o grená venceu, por 2 a 0, com Pelé e Garrincha jogando por pouco tempo. Os gols só saíram depois que Pelé saiu de campo: Servílio e Gerson, com passe de Garrincha, marcaram.

Ceguinho Torcedor: – Amigos, qualquer multidão é triste. Juntem 150 mil pessoas no Maracanã e vejam como imediatamente o estádio começa a exalar tristeza e depressão. Assim foi naquele dia. Primeiro de maio. Dia do trabalho, portões abertos para todo mundo. Aquilo foi tomado de assalto. E quando soou o apito inicial tinha gente até no lustre. Mas o que queria dizer é que como qualquer multidão, aquela massa estava triste, fúnebre, inconsolável. Só Mané Garrincha conseguiu arrancar do Maracanã entupido uma gargalhada generosa total. Lembrou Charles Chaplin, fazendo o número das pulgas amestradas em Luzes da Ribalta.

João Sem Medo: – Garrincha vinha sofrendo com o joelho machucado e já não estava mais na sua melhor forma. Tinha saído do Botafogo no ano anterior e era jogador do Corinthians.

Ceguinho Torcedor: – Naquele dia ele ressuscitou, porque já tinham dado a ele vários atestados de óbito. E ele deu um alto momento chapliniano contra três ou quatro gaúchos que batiam uns nos outros, tropeçavam nas próprias pernas. E a multidão neurótica como toda multidão, ria, finalmente ria. E o som de 150 mil gargalhadas saiu do Maracanã e rolou por toda a cidade.

João Sem Medo: – A desorganização daquela seleção foi completa. Feola chegou a ter quase 50 jogadores convocados, chamou o Ditão errado, queria o do Corinthians, mas deram o nome do irmão, que jogava no Flamengo, e ainda levou 27 pra Europa. Cortou cinco às vésperas da estreia, contra a Bulgária.

Idiota da Objetividade: – Ditão foi sugerido por um dirigente da CBD.

João Sem Medo: – E tome politicagem. O time, ou melhor, os times treinaram em não sei quantas cidades diferentes. A seleção passou por Lambari, Caxambu, Teresópolis, Serra Negra, Niterói, Três Rios. Teve um fim de semana que um time jogou contra o Peru, no sábado, no Morumbi, e o outro contra a Polônia, no domingo, no Mineirão.

Idiota da Objetividade: – O Brasil venceu o Peru por 4 a 0, e a Polônia, por 4 a 1.

Sobrenatural de Almeida: – Apesar disso tudo, a torcida compareceu em massa ao Galeão para se despedir da seleção. O otimismo era grande. E quando o otimismo é grande, a seleção se estrepa. Assombroso!

Garçom: – Com Feola, Pelé e Garrincha, o clima de saudosismo e esperança no tri imperou em 1966. Por isso, vou chamar novamente ao palco Ary Lobo.

Todos aplaudem.

Ary Lobo: – Obrigado. Vamos, então, apresentar agora “Recordando a Copa de 58”, que compus com Luis Boquinha. Esta música foi lançada em 1966, no disco “Quem é o campeão?”. A música-tema do LP, apesar do título, não faz referência ao futebol. Mas a que vamos apresentar agora, sim, claro.   

Todos curtem e alguns dançam. Ary Lobo é aplaudido, agradece e volta à sua mesa. João Sem Medo retoma a pelota e segue sua análise do que ocorreu ainda na preparação da seleção brasileira para a Copa da Inglaterra.

João Sem Medo: – Lá na Europa andou ganhando uns joguinhos amistosos, mas já mostrava que o time não estava bem. Contra a Suécia, por exemplo, vencemos por 3 a 2, mas a vitória foi chinfrim e mostrou um escrete embaralhado, lento, confuso e indefinido. Depois de derrotar a fraca equipe búlgara, por 2 a 0, contra a Hungria a seleção fez um papel ridículo de um amontoado de jogadores, que o mundo chamava de seleção brasileira, mas que não era, por causa da teimosia siderúrgica e empedernida de uma comissão que me recuso a chamar de técnica. Francamente, cheguei até a pensar em recorrer à mandinga quando senti que a vaca estava indo pro brejo.

Idiota da Objetividade: – Em três jogos na Copa, Feola usou 20 dos 22 jogadores. Só Lima e Jairzinho atuaram nas três partidas. E apenas Zito e Edu, então com 16 para 17 anos de idade, não jogaram. Ambos eram do Santos.

João Sem Medo: – Fomos eliminados na primeira fase. Uma vergonha. A palhaçada que começou a 1º de abril, no Brasil, com a apresentação dos jogadores no Rio, e terminou com o desastre contra Portugal, em Liverpool, é o retrato fiel dos crimes que a comissão técnica cometeu contra o futebol brasileiro.

Idiota da Objetividade: – Na estreia a seleção venceu a Bulgária, por 2 a 0, gols de Garrincha e Pelé, ambos de falta. Foi a última vez que jogaram juntos. Depois a equipe brasileira foi derrotada pela Hungria, por 3 a 1, gol de Tostão, e por Portugal, pelo mesmo placar, com gol de Rildo.

João Sem Medo: – Em três meses conseguiram fazer tal mixórdia que ninguém mais se entendia. Quando dissemos que o Ceguinho Torcedor, escalando do goleiro ao ponta-esquerda o time do Fluminense, faria melhor papel do que aquela comissão cheia de empáfia, era porque partíamos do princípio, básico em futebol, de que um time que se conhece, que tem conjunto, que conhece seus próprios erros e acertos, é um time capaz de conquistar êxitos.

Ceguinho Torcedor: – Graças à comissão técnica, fomos, do começo dos treinos até a estreia na Inglaterra, um bando de ciganos a dar botinadas em todas as direções. Até os paralelepípedos da Boca do Mato sabiam que o Brasil precisava de um time. Não se joga futebol sem um time. Pois bem: — nas barbas indignadas de oitenta milhões de brasileiros, não se fez nada. O Brasil entrou num cano deslumbrante e por quê? Porque jamais, em momento nenhum, nem por dois minutos, a Comissão tivera um time. Sim, na Inglaterra, o escrete fora tudo, menos um time. Era um bando, ou melhor dizendo, o próprio caos de calções e chuteiras. Sofremos, por isso, uma humilhação nacional pior do que a de 50. Mal sabia eu que viriam os 7 a 1.

Músico: – No carnaval de 1967, a perda do tricampeonato na Inglaterra já tinha virado folia. E esperança para 70.

Garçom: – É verdade. Vou pôr aqui em nosso sistema de som, a marchinha “Carnaval tri-campeão”, de Oscar Correia e W. Marinho, gravado pela vedete e cantora Célia Mara. Podem curtir, pois era o prenúncio do sucesso após o fracasso.

Todos aplaudem e ouvem com atenção.

Quer acompanhar a série “Uma coisa jogada com música” desde o início? O link de cada episódio já publicado você encontra aqui (é só clicar).

Saiba mais sobre o projeto Jogada de Música clicando aqui.

“Contos da Bola”, um time tão bom no papel, como no ebook. 

Tire o seu livro da Cartola aqui, adquira aqui na Amazon ou em qualquer das melhores lojas online do Brasil e do mundo.
Um gol desse não se perde!

TAGS:

2 Comentários

  1. Ecio Pedro

    Muito bom…😊
    Ainda fico pensando em como você consegue reunir todas essas informações…👏
    Nesse caso, a marchinha “sem-vergonha” do carnaval de 1967!😛

    Responder
  2. Eduardo Lamas Neiva

    Muito obrigado, meu amigo Ecio. Isso é fruto da pesquisa iniciada desde 2015 que deu origem ao projeto Jogada de Música. E continuo fazendo pra toda sexta-feira ter aqui um episódio desta série. Volte sempre. Abs.

    Responder

Enviar um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *