por Eduardo Lamas Neiva
Enquanto Jorge Goulart deixa o palco, depois de cantar o Hino do Bonsucesso, o papo retorna, com o Diamante Negro na berlinda.
Sobrenatural de Almeida: – A bicicleta, lance que ajudou a consagrar o Leônidas, teve a minha contribuição, claro.
Coro: – Claro!
Sobrenatural de Almeida: – Na primeira rodada do Campeonato Carioca de 1932, mais precisamente no dia 24 de abril, resolvi ir ao antigo Campo da Estrada do Norte, hoje Estádio Leônidas da Silva, ex-Teixeira de Castro, que é o nome da rua onde fica o Bonsucesso Futebol Clube.
Ceguinho Torcedor: – Naquele dia eu estava nas Laranjeiras e vi o Fluminense empatar com o Bangu, em 2 a 2.
Sobrenatural de Almeida: – Pois então, naquele mesmo dia, o Bonsuça recebia o Carioca, time que fez muito sucesso no futebol de salão muitos anos depois, mas que no campo era saco de pancadas. Já tinham me falado desse Leônidas e fui lá pra ver se ele era aquilo tudo mesmo. Numa bola alta na área, o craque estava de costas pro gol e de repente deu aquele salto inesperado e chutou, com o corpo paralelo ao chão no ar. Uma coisa estranha daquela merecia o gol e dei aquela ajudinha pra bola ganhar as redes. Foi o primeiro gol de bicicleta da História.
João Sem Medo (rindo muito): – Ainda bem que você achou estranho e não bonito. Se achasse bonito, era capaz de desviar a bola pra fora.
Todos riem muito.
Idiota da Objetividade: – O paulista Petronilho de Brito reivindicava pra ele a invenção da bicicleta no futebol. Chilenos, argentinos e italianos também diziam que compatriotas seus é que teriam inventado a jogada.
Ceguinho Torcedor: – Bobagem, Idiota. Leônidas da Silva mesmo nunca quis se vangloriar como inventor, mas como aquele que difundiu a jogada. Ele, um craque brasileiro, é que mostrou a jogada pro mundo. Eu vi! Ou melhor, eu senti e sei. O mundo todo sabe.
De repente, eis que de repente, entra no Além da Imgainação, ele, o Diamante Negro.
Todos: – Leônidas!
É ovacionado e levado ao palco, com a imagem de um gol de bicicleta seu, feito especialmente para o filme “Suzana e o presidente”, de 1951, no telão.
Todos vibram com o gol como se tivesse ocorrido naquele momento, num jogo de verdade.
Leônidas da Silva: – Obrigado. Esse aí não foi de verdade, foi pra um filme. Mas ficou bonito. O Ceguinho está certo, ouvi o que ele disse. Eu posso me considerar talvez o homem que difundiu a bicicleta, porque fazia com mais constância esses lances e talvez tivesse sido mais feliz, mas não tenho a veleidade de ser o criador, o autor, do lance de bicicleta, não.
Ceguinho Torcedor: – Leônidas, você pode nos contar como foi aquele gol de meião na Copa de 38?
Leônidas da Silva: – No segundo tempo do jogo com a Polônia, o campo pesado, com a chuva que caiu, barro, acabou a chuteira ficando uma boca de jacaré. Descolou a sola da parte superior e eu não podia ficar com aquilo. Então, tirei e joguei fora a chuteira e comuniquei ao técnico pra arrumar outra. Mas eu tenho um pezinho delicado, tamanho 36, então não foi fácil encontrar na Europa um tamanho desse, nem mesmo na minha equipe. Pediram a um dos garotos, gandulas, que apanham a bola fora do campo, uma botina daquelas até que encontrei uma 38. Acabei jogando com ela.
Garçom: – Marcelinho Carioca podia estar lá naquela época.
Leônidas da Silva (rindo): – Verdade, ele calça a mesma coisa, né?
Alguém na plateia: – Marcelinho calça até menos, 35.
Leônidas da Silva: – Ih, então ia ficar apertado. (ri). Ou melhor, mais largo ainda, com a botina que arrumaram pra mim. Mas antes que eu conseguisse uma chuteira, ia ser cobrada uma falta contra a Polônia e eu fiquei “desuniformizado”. Chovia, o juiz não se apercebeu. Nós não tínhamos meia branca, na época jogávamos com meias pretas. Então, com a lama também, o juiz não tenha observado. As chuteiras também tinham a cor escura, e eu fiquei na jogada, a bola bateu na barreira e eu aproveitei o lance e fiz o gol.
Ceguinho Torcedor: – Que maravilha!
Todos aplaudem.
João Sem Medo: – E por que você não pôde jogar contra a Itália, Leônidas?
Leônidas da Silva: – João, houve muita conversa de bastidores e que o Pimenta queria me poupar pro jogo contra a Itália, não sei o quê.
Idiota da Objetividade: – Só pra esclarecer pra quem não sabe: Ademar Pimenta era o técnico da seleção brasileira na Copa de 38.
Leônidas da Silva: – Isso mesmo, “seu” Idiota. Então ele me lançou no jogo contra a Tchecoslováquia, quando me contundi e não pude jogar contra a Itália. Mas não foi nada disso, não. O sistema do campeonato do mundo naquela época era eliminatório desde o início, jogou, perdeu, cai fora. Jogamos contra a Polônia, decidimos na prorrogação, ganhamos de 6 a 5. Jogamos contra a Tchecoslováquia e tivemos que realizar dois jogos, porque nem na prorrogação decidiu. Aí, duas horas de futebol e terminou empatado. Então houve praticamente um terceiro jogo, que foi quarenta e oito horas depois. O Pimenta não tinha centroavante porque o meu reserva não tinha condição de jogo, era o Niginho. Ele estava inscrito pela Federação Italiana, considerado jogador italiano e, equivocadamente, o Brasil levou o Niginho pra Copa do Mundo.
João Sem Medo: – Como sempre a cartolada fazendo bobagens, sem conhecer o mínimo, que é o regulamento da competição.
Leônidas da Silva: – Mas acreditando que eu pudesse jogar todas as partidas. Houve um princípio de lesão na partida em que jogamos duas horas. Aí o Pimenta disse: “Não adianta poupar você, porque se for poupar você pro jogo contra a Itália, na quinta-feira, se nós perdermos na terça-feira, não vamos jogar contra a Itália. Então vamos correr o risco”. Então eu joguei na terça-feira, contra a Tchecoslováquia, e não tive condição de jogar na quinta-feira.
João Sem Medo: – O Pimenta agiu certo, até porque naquela época não havia substituição.
Leônidas da Silva: – É isso. Muito obrigado a todos, foi só uma passada rápida a convite do Zé Ary. Abraços.
Garçom: – Muito obrigado, “seu” Leônidas. Mas antes que o senhor vá embora. Queria chamar ao palco novamente Carmen Miranda para cantar uma música da Copa de 38.
Leônidas recebe Carmen Miranda no palco, a cumprimenta, deixa o palco e se senta ao lado para assistir à apresentação. A plateia aplaude Leônidas e Carmen, de pé.
Carmen Miranda: – Esta música que vou cantar acompanhada deste maravilhoso conjunto, foi composta por Alcyr Pires Vermelho e Alberto Ribeiro. Apesar de não falar no futebol se tornou o tema da seleção brasileira na Copa do Mundo de 1938. Chama-se “Paris”. Em 98, quando foi disputada outra Copa do Mundo na França, a queridíssima Elba Ramalho regravou esta música, com minha “participação”.
É aplaudidíssima novamente.
Fim do capítulo 12
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