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UMA CERTA NOITE DE INVERNO EM PORTO ALEGRE

28 / julho / 2023

por Claudio Lovato Filho

Fazia frio. O frio de uma típica noite de julho em Porto Alegre. A camisa tricolor por cima do casaco do abrigo, a manta no pescoço, o gorro azul, preto e branco. E dá-lhe café e conhaque. (Naquele tempo vendia-se conhaque no estádio, e uísque também.)

As duas maiores rádios do estado brigando na Justiça, até instantes antes do início do jogo, pelo direito de usar o sistema de alto-falantes instalado em torno do campo. Deu a Gaúcha, perdeu a Guaíba.

Os uruguaios irromperam pela boca do túnel com sua autoconfiança aurinegra, uma empáfia que já fora maior e que sofrera um abalo pelo empate em um a um no jogo anterior, no Centenário. Olivera, o zagueiro capitão barbudo, à frente dos companheiros na saída do túnel.

Mas nós tínhamos um time fadado à vitória, destinado a grandes conquistas e que não se intimidava; tínhamos o Olímpico lotado e um capitão que também era zagueiro, também era barbudo, também era uruguaio e vinha do grande rival do Peñarol, o Nacional.

Naquele 28 de julho de 1983 eu tinha 18 anos completados havia pouco e estava na Geral do Olímpico, a “Arquibancada Inferior”, atrás do gol (da goleira!) da Avenida Cascatinha, com meu pai e um dos meus irmãos mais novos. O Olímpico que era, para mim, shelter from the storm, abrigo contra qualquer tempestade.

Então vieram os cartões de visita dos orientales. Tentaram intimidar nosso ponteiro direito, no palavrão, no empurrão e na porrada, e assim foram deixando mais e mais profunda a própria sepultura, que haviam começado a cavar em Montevidéu. Nosso ponteiro direito nunca teve medo de coisa nenhuma.

Caio fez o primeiro, aos 9 minutos de jogo. Nosso centroavante guerreiro aproveitou com muito oportunismo e senso de colocação um cruzamento rasteiro, espetacular de Osvaldo do jeito que um camisa 9 de verdade sabe fazer: invadindo a pequena área por trás da zaga, se esticando no gramado para alcançar a bola com o pé direito, tocando nela com a força suficiente para colocá-la no fundo rede. Como descrever um momento de felicidade como aquele? Bom, eu achei que ia ter um treco ali mesmo e morrer sem sequer ter tirado a carteira de motorista.

No segundo tempo, aos 25 minutos, Morena, o 9 deles, empatou. Os carboneros, claro, não iam perder a peleja sem guerrear. Para eles sempre foi matar ou morrer. Para nós também. Só que com uma pequena variação semântica que mudava o centro da questão: para nós era matar ou matar, porque aquele time não nos deixava pensar diferente.

E foi assim, sendo chutado, xingado, ameaçado, perseguido de todas as formas possíveis dentro de um campo de futebol que o jovem Portaluppi, nosso ponteiro direito, resolveu, lá pelas tantas, acossado por dois marcadores, quase em cima da linha lateral, na direita do ataque, dar uma levantadinha na bola com o pé direito e então mandar um cruzamento para a pequena área, para o entrevero, e foi César, nosso outro centroavante, substituto de Caio, que também fez como os verdadeiros 9 têm que fazer: previu o que ia acontecer e alçou voo ao encontro da bola, meteu a cabeça nela, e aos 32 minutos estava feito o nosso segundo gol, e nessa hora nem eu nem nenhum dos mais de 70 mil gremistas que estavam no Olímpico nem os milhões de outros espalhados (mas sempre unidos) pelo Rio Grande do Sul, pelo Brasil e pelo mundo conseguíamos mais conter uma explosão de alegria completa e transcendente.

Obrigado, Mazarópi, Paulo Roberto, Baidek, De León e Casemiro.

Obrigado, China, Osvaldo e Tita.

Obrigado, Renato e César.

Obrigado, Tarciso, Caio, Valdir Espinosa, Fábio Koff, Antonio Carlos Verardi e Adalberto Preis, que já se foram, mas sempre serão lembrados por aqueles que têm o coração azul, preto e branco.

Obrigado a todos os outros – os reservas, Ithon Fritzen e o pessoal da preparação física, a turma dos bastidores, todos, todos.

Neste dia em que se completam 40 anos da conquista da nossa primeira Libertadores, nosso pensamento está com vocês, nossa gratidão tem a vocês como destinatários.

De minha parte só quero acrescentar que tudo isso aconteceu há quatro décadas, mas parece que foi ontem. Na verdade, na minha cabeça parece que o árbitro apitou o fim do jogo há apenas algumas horas, ou neste exato instante.

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