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UM ADEUS SEM DESPEDIDA

16 / março / 2024

por Marcos Vinicius Cabral

Leandro, nos juvenis do Flamengo, treina contra o ídolo Zico, na Gávea

No mundo real, algumas pessoas não gostam de despedida. Faz parte da personalidade delas. Mas em se tratando de um jogador de futebol, sair do tablado verde sem o gran finale e com a plateia sentada nas cadeiras de concreto das arquibancadas sem prestar o último aplauso, soa como desaforo.

Torcedores, até hoje, vivem se questionando o que leva craques de futebol a não se despedirem quando penduram as chuteiras.

Leandro, ex-lateral-direito do Flamengo e Seleção Brasileira, que neste domingo, 17 de março, celebra 65 anos, é um deles. O craque saiu de cena sem receber o merecido (e bota merecido nisto!) aplauso.

Seria o último. Mas o Peixe-Frito não nos deu esta chance. O camisa 2 rubro-negro que chegou ao Flamengo naquele 1976 como lateral-esquerdo, realizou quatros treinos e, aprovado por Valter Miraglia, se apresentou a Américo Faria com as armas que tinha (chuteira três números acima do que calçava, short apertadíssimo e meiões enlarguecidos) para vencer aquela batalha.

Américo sabia que estava diante de um grande soldado. Não teve jeito. Ele e o cabeça de área Vitor, campeão da Libertadores e do Mundial Interclubes pelo Flamengo, em 1981, foram aprovados e passaram a integrar os juvenis do clube. As guerras, dali por diante, seriam a profissionalização, os títulos, e o reconhecimento.

Receber a toalha de Bolinha, roupeiro à época, para se enxugar do banho após os treinos em que o menino de Cabo Frio fazia no clube de coração, era batalha vencida.

Mas Leandro fechou as cortinas do espetáculo que por muitas vezes foi protagonista. Ator principal. Enredo escrito por um destino que esqueceu de colocar no roteiro uma Copa do Mundo. Nem sempre a melhor história leva a estatueta do Oscar como melhor filme.

No mínimo, Leandro deveria ter feito um jogo de despedida para que a torcida, não apenas a rubro-negra, mas as que apreciam o futebol do craque que foi, pudessem prestar reverências e agradecimentos pelas jogadas espetaculares, dribles sensacionais, golaços inesquecíveis e glórias alcançadas ao longo da carreira.

Pelé teve não só uma, mas várias despedidas. A mais marcante no dia 1º de outubro de 1977, quando vestindo a camisa do NY Cosmos enfrentou justamente o Santos, clube que o projetou. Na plateia de mais de 75 mil espectadores, e nomes importantes como o então presidente americano Jimmy Carter e a lenda do boxe Muhammad Ali.

Cinco anos antes, Garrincha, o Anjo das Pernas Tortas, mesmo que tardiamente, se despediu também quando fez o último jogo como profissional. Foi em um amistoso realizado no dia 7 de setembro de 1972 entre Olaria e Caldense, em Poços de Caldas (MG).

A reboque vieram Zico, no inesquecível 6 de fevereiro de 1990, em pleno Maracanã. Roberto Dinamite, cujo nome virou sinônimo de saudade e nome do troféu para artilheiro do Brasileirão, também disse adeus ao futebol quando conseguiu a façanha de fazer Junior e Zico vestirem a camisa do Vasco, em 1993, contra o La Coruna de Bebeto.

Já Romário contra a Guatemala, em 2005, e Ronaldo Fenômeno contra a Romênia, em 2011, amarraram o cadarço das chuteiras pelo última vez e deixaram o legado de gols. Muitos gols. Diversos, inúmeros, incontáveis.

Mas Leandro foi na contramão deles todos. Deveria ser lei ou cláusula obrigatória no contrato que jogadores representativas e divididos entre o amor ao clube e a paixão irrestrita ao torcedor numa fumaça atmosférica de congraçamento, jogassem, pela última vez, uma partida festiva de futebol.

Um adeus sem despedida, como Leandro fez, é uma bala perdida que atinge o coração do torcedor que muitas das vezes atrasou a prestação da geladeira para comprar ingresso e vê-lo brilhar com o Manto Sagrado nos ‘Maracanãs’ da vida.

Um adeus sem despedida é privar o torcedor de derramar lágrimas pelo desaparecimento físico do jogador que tanto ama.

Um adeus sem despedida é pior do que morder a maçã no Jardim do Éden e cometer o pecado adâmico que o primeiro homem que existiu na face da Terra de nome Adão fez.

Mas Leandro, que assinava contratos em brancos por amor ao Flamengo, que colocava bolsas e mais bolsas de gelo nos joelhos nos intervalos das partidas, que recusou e nem quis saber das propostas de clubes interessados em contratá-lo, surpreendentemente, disse um “adeus” sem despedida.

O Pelé da lateral-direita que vestiu apenas as camisas do Flamengo e Seleção Brasileira não teve tal jogo. Leandro, dono de uma técnica refinada, bailarino em solo verde mundo afora, marcou época defendendo o Flamengo, tornou um clássico como sendo dele – refiro-me ao Fla-Flu do Leandro, em 1985 – e aposentou as chuteiras. Fez isso na escuridão e sem a luz que resplandeceu o futebol lindo que jogou por 14 anos. Catorze este, que foi o número de gols que fez em toda carreira.

Mas o Peixe-Frito, chamado pelos amigos mais chegados, não nos deu a oportunidade em dizer: “Muito obrigado, Leandro!”. Não deu a chance de um jogo festivo pelos relevantes serviços prestados à causa do futebol. Sem um adeus, até a lembrança da última vez em que esteve em campo contra o Bangu, em Moça Bonita, pelo Carioca de 1990, foge da memória e vai se afugentar em meras estatísticas de recortes nos jornais da época e sites atuais.

Com a camisa do Flamengo, o senhor José Leandro De Souza Ferreira, nascido no dia 17 de março de 1959, na Casa de Saúde São José, no Humaitá, Zona Sul do Rio, realizou 414 partidas. Destas, venceu 239, empatou 98 e perdeu 77.

Desde a estreia contra o América, pelo Campeonato Carioca, em 22 de março de 1978, até o nefasto 7 de março de 1990, contra o Bangu, em Moça Bonita, Leandro, o Peixe-Frito, conquistou títulos, honrou o Manto Sagrado e adquiriu o respeito que só quem valoriza o Flamengo merece.

Mas se não quis dizer “adeus” em uma partida de exibição, coube a mim, Marcos Vinicius Cabral, convencê-lo a contar um pouco da história linda que construiu dentro de campo em um livro.

Em breve, eu e Sergio Pugliese estaremos lançando a obra literária que tem como título provisório ‘2 de Ouro da Nação’. O livro conta um pouco da infância do craque que nasceu no Rio e não em Cabo Frio como muitos pensam. Fala também da chegada ao Flamengo, momentos inesquecíveis como os títulos conquistados, a consagração de um dos maiores laterais de todos os tempos do futebol brasileiro, e o melancólico Bangu e Flamengo, em Moça Bonita, em 1990. Mas tem muito mais. Tem a injustiça (e única em toda carreira) expulsão contra o mesmo Bangu, em 1983. O árbitro? Arnaldo César Coelho, responsável pela proeza.

Mas Leandro mereceu joelhos melhores. Quis Deus que os problemas não fossem impeditivo para desfilar elegância e técnica refinada por mais tempo nos campos de futebol.

Uma pena, uma pena mesmo, que isto tudo foi em um adeus sem despedida.

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