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DINAMITE COMOVENTE

10 / janeiro / 2022

por Rubens Lemos


Creia, amigo leitor: ser emocional até a medula me mantém vivo. A herança existencial do meu velho pai foi a prioridade ao sentimento em desprezo à frieza insípida de números e pragmatismos. Então, a notícia veio ao cair da tarde do domingo, o que, para os prisioneiros das oscilações da alma, foi, como sempre, fatal.

Roberto Dinamite, com o destemor dos guerreiros de talento e fibra, abria o peito para dizer que estava com câncer. Tumor diagnosticado, ele magro e abatido na aparência, firme na certeza de que a luta será maior do que vencer zagueiros excepcionais do nível de Edinho e Ricardo Gomes do Fluminense, de Aldair e Mozer do Flamengo, de Gotardo e Mauro Galvão nos idos do Botafogo.

Roberto Dinamite foi a cara e a coragem do Vasco. Hoje, o Vasco é uma caricatura distante da grandeza épica de um artilheiro de sorriso triste e volúpia insaciável. De gols raçudos e magníficos, como o do chapéu em Osmar Guarnelli, zagueiro do Botafogo em 1976. Roberto Dinamite dominou no peito, deu um toque por cima de Osmar, que caiu sentado.

Roberto Dinamite fuzilou de sem-pulo, o arremate letal fulminando o goleiro Wendell antes de a bola tocar no chão. O Vasco vencia o Botafogo, ou melhor, Roberto Dinamite garantia a vitória no segundo final. É o gol mais reprisado da TV brasileira de tão lindo, um cartaz hoje digital da beleza do velho Maracanã do povo, do Maracanã das gerais, de favelados e desdentados, cuja invisibilidade social dava luz aos seus corpos mal vestidos pela luz de um artilheiro imortal.

Imortal. Roberto Dinamite é imortal. É o homem acima da lenda. Sempre afável, sorridente, solícito, é o sujeito tímido que me deu um autógrafo à beira da piscina do hotel Ducal, quando a seleção brasileira de Telê Santana enfrentou a Alemanha Oriental no Estádio Castelão, início de 1982. Ele, acolhedor, eu, trêmulo. A timidez do craque e a alegria infinita do moleque magro e apaixonado. Por Roberto Dinamite.

Saber Roberto Dinamite doente, dói. Vê-lo disposto a enfrentar a quimioterapia, atenua a tristeza. Ler as mensagens de Geovani – que venceu o mesmo problema com fé, obstinação e a força solidária de Roberto Dinamite, de Júnior, tantos companheiros e adversários, sacode o espírito para a guerra desigual.

Um ídolo é, na imaginação do fã, um íntimo, um amigo maior que os outros, uma arma contra as emboscadas da vida. Por isso, que chorar, chorei mesmo quando Zico apareceu e desejou, com sua integridade acima de duelos clubísticos, o apoio renovador de esperanças.

Zico é uma instituição de genialidade similar ao caráter límpido. Rivalizava – em campo -, com Roberto Dinamite nos clássicos que chegaram a 174 mil pagantes no campeonato carioca de 1976, ambos no auge. Fora dos gramados, amigo de Roberto Dinamite. Zico está em campo, na partida mais difícil do camisa 10 do Vasco vitorioso.

A dor de Roberto Dinamite é a dor de minha geração. Estamos envelhecendo, nós, mais novos que ele – tem 67 anos -, padecendo no obituário avassalador de todos os dias.

Minha geração aprendeu que ídolo é aquele herói que não padece, salva o menino em desvantagem no placar, num gol de falta, de cabeça ou de voleio, bem no fim do jogo, que recomeça com Roberto Dinamite amado e o amor é um senhor antídoto contra o calvário da saúde. Roberto Dinamite vai vencer. Com gol narrado por José Carlos Araújo, o Garotinho.

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