NECA, O DESCOBRIDOR DE TALENTOS
por Leandro Costa
Ser jogador de futebol é o sonho de nove entre dez meninos brasileiros. Ter talento não basta. Encontrar alguém que saiba identificar suas qualidades e trabalhá-las é um privilégio. Os garotos que tiveram em seus caminhos Manoel dos Santos Victorino, o Neca, tiraram a sorte grande.
Nascido no Rio de Janeiro, no dia 04 de junho de 1923, Neca foi um dos maiores técnicos de categorias de base do Brasil. Se fosse vivo, completaria 100 anos em 2023. Nada mais emblemático do que relembrarmos sua brilhante carreira no ciclo de seu Centenário Póstumo. A equipe do Museu da Pelada encontrou os filhos do Neca, Carlos Alberto e Lourdinha, para contar esta história.
O conhecimento do mestre Neca foi adquirido na prática, jogando futebol profissionalmente. A carreira de jogador começou e terminou no São Cristóvão. No final da década de 1940, entre 1947 e 1949, foi jogador do São Paulo, onde conquistou o campeonato paulista de 1948. Em 1950, Neca fechou contrato com o Botafogo, seu clube de coração, onde ficou até 1951, jogando 53 partidas e assinalando 12 gols. O meio-campista foi o destaque ofensivo do Glorioso em várias partidas daquela época, conforme matérias do jornal O Globo, que a equipe do Museu presenteou a família. Como jogador, Neca teve ainda passagens por Flamengo, América do Recife e Portuguesa-RJ.
No início da década de 1960, quando já havia encerrado sua carreira de jogador, Neca procurou o Botafogo para propor a criação de uma escolinha de futebol para o clube. A ideia foi prontamente abraçada pelo dirigente alvinegro, Ademar Bebiano, que também era dono da fábrica de tecidos Nova América, em Del Castilho. Bebiano ofereceu o campo do fábrica para que Neca pudesse treinar os garotos. Assim começou a trajetória de Neca como treinador, que rendeu gloriosos frutos para o futebol brasileiro. Pelas suas mãos passaram Carlos Roberto, Nei Conceição, Zélio, Rogério, os irmãos Ferreti, Mendonça, Osmar Guarnelli, Galdino e Luisinho Quintanilha, entre outros.
O treinador conquistou pelo Glorioso o Torneio Início de Infanto-Juvenis de 1963, o Quadrangular de Teresina de 1966 (interino na equipe principal), o Tricampeonato Carioca Infantil, em 1968-69-70, e o Torneio Mundial Oficial Infanto-Juvenil de Croix (França), em 1973, entre outros títulos. Esse último foi, sem dúvidas, o ponto alto da carreira de Neca, afinal, ser Campeão Mundial pelo time de coração é o sonho de infância de todo garoto apaixonado por futebol.

Na nossa resenha, os filhos do Mestre, orgulhosos, ratificaram que muito melhor do que o profissional era a pessoa Manoel Victorino, como devem ser os grandes Professores, referências eternas na vida de muita gente.
NEYMAR NO BANCO? ÓTIMO!
por Marcos Eduardo Neves

Neymar e Danilo estão fora do restante da primeira fase. Uma boa e outra péssima notícia. Ambas, porém, em nada mudam o cenário da seleção brasileira que luta rumo ao hexa na Copa do Mundo do Catar.
Ruim é perder Danilo, visto que seu reserva, Daniel Alves, é, como diz o brilhante comentarista Paulo Cesar Vasconcellos, não passa de um “ex-jogador em atividade”, alguém que só está no grupo para injetar ânimo, experiência e confiança no jovem e talentoso elenco.
Se não contar com Danilo é ruim, bom, aliás, bom demais é saber que Neymar pode ter todo o tempo necessário para se recuperar, até porque não somos mais dependentes dele. Talentos não faltam ao time de Tite. Até no banco.
Danilo vai se recuperar e voltar, talvez já nas oitavas de final, retomando com propriedade a sua posição de titular. Quanto a Neymar tenho minhas dúvidas. Apesar de sua alta capacidade técnica, seria maravilhoso vê-lo no banco. Mostraria a todo o planeta o gigantismo da nossa força. E, vem cá, qual o problema em ser banco? Pelé e Garrincha foram em 1958, até entrarem bem contra a União Soviética. PC Caju ficou na reserva durante a Copa de 70 e mesmo assim foi eleito um dos melhores do Mundial.
Em 1982 Roberto Dinamite e Edinho, só para citar estes dois, sequer entraram em campo. Na Copa seguinte, Zico, à lá Roger Milla, de Camarões, entrava no decorrer do jogo, e nisso, deu passe de calcanhar para Careca marcar, sofreu pênalti diante da Polônia e ainda colocou Branco na cara do gol, contra a França, apenas dois minutos depois de Telê sacá-lo do banco.
Em 1994 Ronaldo, que seria o astro das duas Copas seguintes, nem jogou nos Estados Unidos. Em 1998 Edmundo só entrou nos minutos finais da decisão. Em 2002 Alex sequer foi convocado e o Brasil trouxe o penta. Então, qual o problema de Neymar sentar no banco? Ele é apenas mais um entre os 26 convocados. Mais um dentre os mais de 200 milhões de brasileiros que torcem pelo sucesso da seleção.
Que entre e nos ajude assim que puder. Ou nem entre, como não entraria Daniel Alves não fosse a lesão de Danilo. Com ou sem eles, a verdade é que hoje temos time. Temos Tite. E teremos título.
COPA DE 82
2a parte – “O debacle”
Marcos Fábio Katudjian

A nostalgia é um sentimento humano que tende a idealizar o passado. No futebol isso também acontece na lembrança de grandes equipes. A seleção brasileira que jogou a Copa da Espanha é um desses times, considerada uma espécie de bastião do futebol bonito e do futebol arte diante do pragmatismo e da ranhetice do chamado futebol moderno.
Eu adorava aquele time, e depois da nossa eliminação – e durante um bom tempo – gostava muito de ouvir elogios àquela seleção e mais ainda, de ouvir lamentos por não sido campeã do mundo. Eu me sentia amparado em minha desilusão, como um luto em que os parentes próximos ao falecido transmitissem suas condolências uns aos outros.
Ao longo dos anos, essa reverência foi ganhando cada vez mais espaço na mídia, de forma que quanto mais nos afastamos no tempo daquela Copa, mais aquele time é idealizado. Idealizado, eu diria, com certa falta de escrúpulos da imprensa especializada.
Por isso, eu gostaria nesse pequeno espaço, a partir de uma reflexão mais distanciada, de oferecer um contraponto à nostalgia que eu mesmo alimentei por tanto tempo.
Então, permitam-se dar um alerta de gatilho para os mais românticos ou ainda reféns daquele trauma: esse vídeo pode provocar reações adversas, como lágrimas, ranger de dentes e urticárias.
Já entenderam, né? Então vamos lá.
Em primeiro lugar, deve estar no topo de qualquer comentário, algo que os brasileiros têm muita resistência para fazer: reconhecer os méritos do adversário. E eu já posso ouvir alguém aí dizendo: “mas eu acho que a seleção brasileira era a melhor seleção daquela Copa”. E eu respondo: “e daí?” O Brasil podia até ter o melhor time, mas isso não garante nada no futebol. Não éramos um time perfeito, simplesmente porque isso não existe. Nem os times de Pelé eram perfeitos porque havia outros dez que não eram Pelé.
O fato é que a Itália tinha um grande time, possivelmente a melhor Azzurra de todos os tempos, e mereceu amplamente ganhar a Copa apesar de uma primeira fase medíocre.
Outra coisa difícil de admitir é que o Brasil tinha falhas, especialmente na defesa. Falhas que estavam claras desde o início. Se na primeira fase a Itália percorria um caminho doloroso de olhar para os próprios erros, a primeira fase do Brasil nos colocou no posto de queridinhos da imprensa e da torcida internacionais. E isso foi a nossa ruína, como acontece via de regra quando o sucesso nos coloca antolhos, viseiras que impedem que os erros sejam observados.
E aqui eu gostaria de chamar os românticos mais exaltados a colocarem os seus pezinhos no chão por um momento. Notem, o Brasil fez apenas cinco jogos naquela Copa. Foi eliminado numa fase equivalente às quartas de final. Daí eu pergunto: como se referir com tamanha devoção a um time que sequer passou pelas quartas de final? Só para citar outras duas seleções que marcaram época sem ter vencido a Copa, a Hungria de 54 e a Holanda de 74, ambas chegaram às finais e têm sido menos lembradas que a nossa seleção de 82.
E independente da fase em que foi eliminada, vamos dar uma olhada nessa campanha. Foram quatro vitórias e uma derrota. As vitórias foram contra a União Soviética, Escócia, Nova Zelândia e Argentina. E perdemos da Itália. Essa foi a campanha do Brasil em 82.
Pois eu pergunto: o que representavam esses adversários na ordem das coisas? Bem, a União Soviética era um bom time, liderados pelo meia Blokhin, com uma defesa sólida e um ataque e meio campo competentes, mas ainda assim, uma seleção europeia de segunda linha. Pois bem, o Brasil suou sangue para ganhar da União Soviética. E uma coisa que ninguém diz: o Brasil não teria vencido aquele jogo sem a ajuda da arbitragem, que deixou de marcar um pênalti escandaloso para os soviéticos aos 36 do segundo tempo quando o jogo estava empatado, um toque de mão intencional absurdamente claro do qual ninguém, absolutamente ninguém fala ou falou. O fato que ficou para a posteridade, na onda do pachequismo reinante foram os dois golaços do Brasil, na verdade, duas obras de arte que ofuscaram os enormes riscos aos quais o Brasil se submeteu durante todo o jogo. Uma análise fria daquela partida, um olhar mais competente do técnico, faria ver que naquele primeiro jogo estava o embrião do que aconteceu no Sarriá três semanas depois.
Depois da União Soviética, o Brasil enfrentou a Escócia. O que dizer da Escócia na ordem das coisas do futebol? A Escócia é um futebol com o nível parecido com o da… Escócia, entendem? Se existe algum time mediano no futebol é a Escócia. A Escócia é uma seleção radicalmente mediana. E o Brasil ainda conseguiu tomar o primeiro gol daqueles cinturas duras. E por falar em bichos de goiaba, o Brasil terminou a primeira fase enfrentando um time semiprofissional, a Nova Zelândia, composto de padeiros, carteiros, marceneiros e jogadores de rúgbi, e o Brasil meteu quatro a zero.
No primeiro jogo da fase seguinte, sim, pode-se dizer que o Brasil foi testado. Jogou contra um gigante do futebol mundial e foi muito bem, ainda que se possa dizer que aquela Argentina era um time meio requentado, sem o mesmo viço da Copa anterior, o fato é que o Brasil fez três a um fora o baile.
Depois veio o jogo contra a Itália. Partida em que a defesa voltou a falhar bisonhamente repetidas vezes. Muita gente fala do pênalti do Gentile no Zico, e foi pênalti mesmo, mas ninguém se refere ao gol legal do Antognioni anulado pelo árbitro, o que seria o quarto gol da Itália.
Mas além dos aspectos técnicos e táticos há outro que me interessa ainda mais. Diz respeito à atitude da seleção ao longo da Copa e especialmente naquele jogo fatídico.
O fato é que o Brasil jogou sem demonstrar nenhum respeito ao acaso. E jogar sem respeitar o acaso no futebol é o mesmo que jogar sem respeitar os deuses. Eu me refiro aos deuses do futebol. Sim, porque eu não sei se Deus existe. Tem horas que eu acho que sim, horas que eu acho que não. Deus pode não existir, mas os deuses do futebol existem, quanto a isso não há sombra de dúvida. E só não conhece os caprichos desses deuses quem nunca foi vitima deles.
Contra a Itália, o Brasil não entrou para se classificar para a semifinal. O Brasil dava isso como certo. A classificação era apenas um objetivo burocrático a ser cumprido, algo como assinar a súmula. O objetivo era outro, o objetivo era dar espetáculo. E se vocês acham isso uma virtude, bem… os italianos também devem ter achado.
O Brasil jogou como se a vaga numa semifinal de Copa do mundo fosse algo menor, algo banal. O que importava era o virtuosismo de seu jogo. Ir para a semifinal era um objetivo reles, que estava aquém das suas possibilidades. Vocês tem um adjetivo para determinar esse tipo de comportamento? Eu tenho pelo menos dois: arrogância e soberba. E se você tem dúvidas a esse respeito, sugiro que assistam novamente pelo menos os minutos que sucederam o gol de empate do Falcão. O que se vê é gritante: um preciosismo egocêntrico raramente visto na história desse esporte.
E do outro lado, o que se via? Uma Itália execrada pela torcida e imprensa, com quem estava rompida. Um time que lambia as próprias feridas de uma primeira fase sofrível. Um time que exatamente por tudo isso, deixou tudo em campo naquele jogo, colocando o coração na ponta da chuteira em cada lance, em cada palmo do gramado, um time heroico, de muita entrega e valentia. Um David que não hesitou em comer grama diante de um Golias sobranceiro, impávido, colosso. E nesses mais de quarenta anos acompanhando o jogo, eu lhes digo: não há mitologia que mais deleite os deuses do futebol do que essa de David e Golias.
Enfim, é bom que se entenda de uma vez por todas: Jogar bem, jogar melhor nunca foi determinante de nada no futebol. Jogar com determinação, raça e profundo empenho muitas vezes está mais próximo da bem aventurança.
Volto a dizer, a seleção de 82 talvez tenha sido minha maior paixão adolescente. E me dói ter que desdizê-la. Se faço isso, é por perplexidade diante do culto exagerado àquele time. Um time que não teve a sabedoria e a humildade suficientes para transformar seu talento excepcional em resultado, coisa que a aborrecida seleção de 94 fez com muito menos potencial. Minha perplexidade é ver a forma condescendente e sentimentalóide com que a imprensa ainda hoje trata nossa participação naquela Copa.
E aqui entre nós, para mim isso diz respeito a vários outros aspectos do caráter nacional, onde – entre tantas outras mazelas – aprender com os erros do passado é tão raro e improvável.
COLAR ESPANHOL
por Rubens Lemos

Quando o técnico Luiz Enrique dispensou o talentoso meia Thiago Alcântara, filho do brasileiro tetracampeão Mazinho, reagi boquiaberto. Um raríssimo espécime criativo era excluído do desmotivado baile da Copa do Qatar.
Do espanto ao encanto. A Espanha demonstrou contra a Costa Rica o futebol digno da maior competição esportiva do planeta. Um jogo envolvente, de toques debochados e progressivos, de craques sem medo de devastar o adversário com repertório sinfônico.
Estava decretada a volta do Tik-Taka, o estilo que contagiou o mundo, nascido da poesia idealista do técnico Pep Guardiola. O futebol mostrado pela Espanha, em que pese a fragilidade do oponente, encheu os olhos de quem aprecia a técnica assumindo ares calientes de exuberância, como na música, nas artes plásticas e na literatura.
A Inglaterra e a França golearam seus rivais. Parabéns. A Espanha liquidou a primeira rodada com anos-luz de arrebatamento em meio ao equilíbrio apático do restante das equipes.
O time envolve o adversário, controla a peleja em colar de passes cheios de veneno e sempre em busca do gol. A marcação se perde em roda de bobo enquanto os jovens furiosos partem para cima querendo marcar e querendo mais. A Espanha pode até enganar, mas sua avant-première recebe, com louvor, o sinônimo da sedução.
GABIGOL É CAMISA 10!
por Elso Venâncio

Gabriel Barbosa, o Gabigol, tornou-se o grande ídolo do Flamengo. Figura popular, carismática, parece um torcedor no meio dos craques em campo. Isso mesmo, há uma espécie de elo entre os dois. A torcida joga com ele e Gabigol torce com a galera. Lembrando as conquistas, a importância e o peso que tem, superou gigantes – como Romário e Bebeto, citando apenas dois – e caminha para se aproximar dos maiores.
O goleador tem somente 26 anos, joga no clube há apenas quatro temporadas e vem quebrando recordes. Artilheiro dos dois últimos Brasileiros e da recente edição da Libertadores, o homem não para!
Ele se supera em jogos importantes, sendo absolutamente decisivo nas finais. Contra o Corinthians, adversário que na final da Copa do Brasil esteve perto de vencer no tempo normal, houve uma cena histórica no Maracanã. Decisão nos pênaltis, o centroavante caminha lentamente para fazer a cobrança, mira a arquibancada nervosa, ameaça erguer os braços e, então, seus olhos suplicam:
– Calma, galera! Vamos chegar lá!
Gabigol não gosta de ser poupado. Sem essa de entrar na conversa dos técnicos, que alegam o lado científico tentando demonstrar que são professores. O Santos de Pelé serve de exemplo: apresentava-se mundo afora a cada três dias numa época em que o futebol era muito violento e sequer havia cartões.
Na festa pelo título, no Centro do Rio, Gabi provocou os adversários ao vibrar como um torcedor apaixonado:
– Tite, eu já jogo numa seleção…
Outra dele:
– Enquanto uns comemoram por sair da série B, outros vibram com o tri da Libertadores…
Merecidamente, Gabigol herdou a mítica camisa 10 de Zico. Aliás, quando voltou da Europa, aos 21 anos, vestiu no Santos a 10 de Pelé. Arrascaeta ou Everton Ribeiro poderiam vestir essa camisa até porque, anteriormente, ao goleador cabia honrar a 9 – segundo Waldir Amaral, “camisa que tem cheiro de gol”. Naquela época, o craque do time, se jogasse do meio para a frente, usava a 10.
Hoje em dia vestir de 1 a 11 não indica mais quem é titular ou não. Cada jogador tem seu número de preferência, que vai do 1 e passa do 40, 50, um negócio sem pé nem cabeça. Mas Gabigol foi o escolhido para usar a 10 porque é alguém que se posiciona, se comunica, ao contrário da estrela uruguaia e de Everton, que são tímidos.
Antes da homenagem, Gabi avisou:
– Vou pedir autorização ao Zico.
Mesmo tendo limitações (perna direita, dribles e cabeçadas), como não sentir essa energia que ele passa em campo, além das festas que comanda no gramado após as vitórias e títulos, regendo e empolgando a ‘Nação’ no Maracanã?
Um paulista que virou carioca da gema. E rubro-negro de coração!