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OS PELICANOS

6 / janeiro / 2017

por Sergio Pugliese

A rapaziada buscava uma luz no fim do túnel, uma benção divina. Conheceram-se no grupo jovem da Igreja do Santo Cristo dos Milagres, no Fonseca, em Niterói, e aprofundaram os laços de amizade num retiro em Maricá. Ali, durante uma caminhada, entre “pais nossos” e “ave marias”, tiveram uma visão celestial: um campinho de futebol!!! Dividiram-se irmamente, seis para cada lado, e lavaram a alma!!! O único problema — Deus perdoe esses cordeiros!!! — foi a secura por uma “estupidamente gelada” após a pelada.

— Beber num retiro não dava, né. Seria pagar pecado pelo resto da vida — brincou Bruno, um dos fundadores do time, em divertido encontro, no Itajubar, na Tijuca.

Depois dessa peladinha, a galera resolveu carregar Jesus no coração, sem a obrigatoriedade de frequentar as missas dominicais. Pelo nome do time, batizado no retiro de “Danados”, percebia-se que os anjinhos ainda necessitariam de um intensivão religioso. Mas eles só queriam compromisso com a bola. Para não ficar tão mal na fita com o Altíssimo, resolveram rebatizar o time. Na resenha, surgiu de tudo até que Moacir, mais “pra lá do que pra cá”, levantou-se, exibiu os cambitinhos, fez a posição do quatro e disparou: “Já sei!!!! Pelicanos!!!!”.


A cabeça da turma deu um nó. Pelicano tem pernas compridas e finas, matutou Gabriel Figueiredo, famoso pela lentidão no pensamento e, principalmente, nos campos. No jogo de mímica, chutariam garça, flamingo, nunca pelicano. Mas ficou Pelicanos. Pelicanos Azuis! O azul era para homenagear o inglês Chelsea e intimidar os adversários.

— O Pelicanos caiu bem porque éramos todos magrinhos, na época, em dezembro de 2004 — explicou Diogo Jambo, o Sandro Silva, alguns quilinhos a mais.

Hoje, corpinho pelicano, só Dedé, o torcedor que virou jogador numa emergência e nunca mais saiu do time. Não é fácil manter a medida certa com as resenhas fartas de churrasco e geladas em sequência. E as rodadas etílicas aumentaram consideravelmente, em 2006, quando iniciaram-se os amistosos e as inscrições para os torneios de Fut 7. A galera come a bola, mas tem uma atração especial pelos botecos. Perdendo ou ganhando, os “irmãos” passam horas e horas num deles jogando conversa fora e cantando os sambas incendiários de Jorginho Cara de Cavalo, o zagueiro que bate e depois canta.

— Queremos estar juntos, o resto é o resto — resumiu Renatinho Família Dez e Faixa.

Entenderam o apelido acima? Nem desenhando entendi, mas deve fazer algum sentido. Também não captei porque o Luquinha foi afastado por falta de massa muscular. Deixa pra lá! Mas integram o grupo Oirthon, Márcio Beckerman, que só chuta de trivela, Robinho, Thiago Zamorano, Tiago Guimarães, Matheus Careca, o goleiro peso-pesado Daniel Dogão, Thiago Falcão, Bruno, Moacir, João Canário “do A Praça é Nossa”, Gabriel “Burocrático” Figueiredo, Dedé, Anderson, Matheus Geléia, Michel Mezinho, Paulinho e João Gun, que imita todas as trapalhadas do zagueiro tricolor. Também tem o maior incentivador do time, Marcio Soares Figueiredo, pai de Gabriel e lenda nos campos de Santa Teresa.

— Ele nos incentiva a tomar mais uma — esculhambou Dentinho.


E tomam uma, duas três, dezenas!!! Figurinhas carimbadas do Candongueiro, reduto de samba niteroiense, celebram a vida e amizade a cada encontro. O clima é família, e as amadas também prestigiam as rodinhas. Dedé leva Daiane e Dentinho, Marcela. Bruno não desgruda de Juliana e Gun é um amor só com Carla. Renatinho Família Dez e Faixa, olha ele aí de novo!!!, derrete-se por Bruna Gatinha e Gabriel “Burocrático” Figueiredo festeja suas lentas atuações com a doce Gláucia. Oirthon preferiu omitir o nome da deusa que povoa os seus sonhos.

— Meu coração está em paz — declamou.

Os Pelicanos trocaram a missa dominical pela bola, é verdade, mas o espírito de paz vivido no retiro permanece embalando as resenhas. Os craques, hoje, só se benzem quando entram em campo, mas a cada vitória agradecem aos céus. Deus continua pertinho. Na verdade, eles não abandonaram a igreja, foram liberados pelo Senhor, receberam alta, afinal essa galera já nasceu abençoada.


Texto originalmente publicado no Jornal O Globo em 9 de julho de 2015.

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