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O TRATOR

28 / junho / 2016

por Sergio Pugliese


Zé Neto posa ao lado de Sergio Pugliese no Clube dos 30, em São Conrado (Foto: Reyes de Sá Viana do Castelo

Zé Neto sempre foi determinado, tinhoso, cabeça dura e aos 16 anos cismou de transformar um terreno baldio de Santa Teresa num campinho de pelada. Pediu uma força ao administrador regional do bairro, que deu ok na liberação do espaço, mas esquivou-se da limpeza e terraplanagem. Mão de obra não faltava, afinal peladeiros unidos são capazes de tudo!!! Mas só um trator seria capaz de remover tanto entulho. Onde conseguir um trator? Zé Neto lembrou-se que sempre via vários nas obras de demolição do Morro de Santo Antônio, onde hoje é a Avenida Chile, Petrobras e Catedral Metropolitana.

– Um dia parei ao lado de um tratorista e perguntei quanto custaria uma fugidinha em Santa Teresa – divertiu-se, em nossa resenha, no Bar do Gomes, em Santa Teresa.

E teve um maluco que topou! Durante 15 dias, ele e Zé Neto, de carona, subiam as ladeiras estreitas do bairro até o futuro campinho. A cena divertia os moradores, mas o terreno foi limpo e a arena de terra batida inaugurada meses depois!!! Óbvio que, após tanto esforço, conseguir autorização para jogar no campo era uma árdua tarefa. E a fila era grande!!!! Como só o time de Zé Neto tinha regalias, mandava e desmandava nos horários, ele e os parceiros de panela, Albino e Otávio Carneiro, Briguilim e Aloísio Ribeiro Aguiar, foram batizados de Política Futebol Clube. Mas a ideia era agregar e logo iniciaram-se memoráveis campeonatos envolvendo Morro dos Prazeres, de Robô e Ancelmo, Morro da Coroa, de Macumba, Largo do Guimarães, de Tutuca e Wanderley, Paula Mattos, de Jaburu, Áurea, de Erivan, e Beco Ocidental, de Almir e Taba.  

– Aquele campo marcou época! – suspirou Zé Neto.

Tempo bom!!!! O campinho virou a Praça Odylo Costa Neto, com área de lazer e uma quadra de salão, de cimento. Zé Neto, hoje com 65 anos, foi meu primeiro vizinho e, da porta de casa, na Rua Constante Jardim, sempre via o fominha correndo para as peladas ou praticando “cooper”. Disposição de touro e fama de odiar derrotas. Após me mudar para vários endereços do bairro, perdi o seu contato e fui reencontrá-lo, carequinha da Silva, na pelada dos 80 anos de Armando Pittigliani, o Pitti, no Clube dos Trinta, em São Conrado. Esbaforido, suado, saía do campo com passos rápidos, como se não tivesse jogado. “Não acredito que seja o Zé Neto?”, brinquei. Carinhoso, me levou a um a um dos convidados de Pitti para dizer que me vira molequinho. E bastaram alguns minutos para eu descobrir que a cabeça raspada, além de herança familiar, era fruto do tratamento para frear o câncer de próstata. Dois meses antes enfrentara a décima operação e já estava em campo novamente.  Monstro!

– Sempre fui maratonista e por conta disso superei grandes dificuldades – revelou.

Não pude ficar muito tempo na festa do Pitti e marcamos um encontro para a semana seguinte, em Santa Teresa, onde ele mora até hoje. Papo ótimo, mas seriam necessárias várias colunas para registrar o histórico de peladeiro do engenheiro José Alves Ferreira Neto, que começou aos 11 anos na seleção do colégio São Bento, passou pelo Lagoinha, de Giba e Alexandre, Capri, de Hugo Aloy, Nelsinho, Nilo, Cláudio Bocão, Augusto, José Santoro e Xanduca, e Santa Teresa F.C., do Seu Miguel, que lotava de torcedores o campo 8 do Aterro, nas manhãs de domingo. E ainda teve o timaço da Serpro, com Luiz Mário Griner, Sergio Guerreiro e Alair, campeão de um torneio empresarial em cima do IBGE. E a seleção da Faculdade Santa Úrsula, campeã carioca universitária, e o Petropolitano, do goleiro Ricardo Bronze, mais ASBAC, PUC, Monte Líbano, Piraquê, Clube dos Trinta, de Jayme Lima, e Caiçaras, de Joca, Gilberto Dentista, Jean Jaques, Sérgio Aquino e o saudoso Vitinho.

– A morte de Vitinho, meu grande amigo, me quebrou, me desestruturou emocionalmente – recordou, emocionado.

Mas Zé Neto reergueu-se. Desde os 51 anos, quando o câncer foi descoberto, ele vem se reerguendo. Mas a primeira operação foi devastadora. Emagreceu 30 quilos e amigos preconceituosos afastaram-se imaginando tratar-se de Aids. Começou a beber e decidiu separar-se de Celina, após 21 anos de casamento, mais os oito de namoro, com quem teve os filhos Patrícia e José Alves. Tinha certeza de que morreria, delirava, sofria. O oncologista Emílio Karan acompanhava de perto e participou de quase todas as cirurgias.

– Minha família sempre manteve-se perto, mas minha cabeça estava horrível – comentou.

Mas um dia, Zé Neto recorreu aos momentos de glória da infância e resgatou o trator, a máquina que afastou escombros, limpou o terreno e o ajudou a realizar seu sonho juvenil. Então, assumiu a direção e buscou uma força sobrenatural para animar-se, levantar-se da cama, sacudir a poeira e dar a volta por cima. As dores na coluna eram insuportáveis e incontáveis vezes caiu no chão, fraco. Mas Zé Neto nunca gostou de perder, se curvar aos adversários, e não seria no momento mais crítico da vida que entregaria os pontos. Na rua, encontrou o parceiro Xanduca, que o intimou a voltar a jogar. Zé Neto animou-se e foi rever a pelada dos amigos do Capri. Revigorante! Os parceiros!!! A bola!!! Alguns meses depois, o furacão Zé Neto estava de volta! Nunca mais deixou os campos. Apaixonou-se pela cuidadora Tiana, com quem está casado há quatro anos, recuperou a auto estima, o amor no coração, o prazer de viver. A próxima operação está marcada, a próxima pelada também.

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