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Ô, PESSOAL!! É O PELÉ!!

23 / fevereiro / 2023

por Luciano Teles

Nasci em 1970. Em 29 de dezembro. Sem chance de ver Pelé jogar em seu auge, nem sua última Copa do Mundo. Desta, talvez tenha ouvido uma narração ou outra, se minha mãe acompanhou algum jogo, comigo ainda em seu ventre. Também não acompanhei tanto a carreira do Rei nos anos 70. Era um misto de imagens dele com a camisa do Santos, do Cosmos… nada muito claro.

Filho e irmão de vascaínos, tinha apenas 3 anos, no Brasileiro de 1974. Não acompanhei, portanto. Comecei a ter noção do que era torcer quando me vi verdadeiramente vascaíno, no título do Carioca de 1977, com 6 anos. Do mesmo ano, me lembro da decisão do Brasileiro, com o São Paulo campeão. Ambas as decisões foram nos pênaltis, o que pode ter influenciado nessa forte lembrança das imagens. Eu já gostava de ver futebol na TV.

Mas eu não via Pelé. O Rei estava nos distantes Estados Unidos. Sem TV transmitindo suas partidas, sua carreira acabou sem que eu tivesse acompanhado uma pequena parte que fosse. Entretanto, Pelé permeou minha infância e adolescência. Como? Simples: por publicidade, filmes (fiquei acordado até tarde da noite, para assistir “Fuga para a vitória”, na TV) e participações em programas televisivos. Por essa intensa atividade, a imagem de Pelé estava sempre presente no nosso dia a dia.

Me lembro dos brinquedos com seu nome, claro. Brinquei com alguns, todos ligados ao futebol. A única coisa que nunca me atraiu, foi o Pelezinho. Apesar de ser fã da Turma da Mônica (ainda me lembro do Feliz Natal Pra Todos, dos anos 70) e considerar Maurício de Sousa um gênio. Não sei a razão. Pensei muito nisso, quando fiz minha monografia de graduação em Jornalismo, exatamente sobre história em quadrinhos. Acho que personagens que retratam ídolos adultos como crianças não fazem parte do meu gosto. Pelezinho, Senninha etc.

Voltando ao Rei, sempre ficou aquela espécie de lacuna na minha cabeça: quem era Pelé? Quem era o cara com uma das fisionomias mais marcantes do planeta Terra? Com timbre vocal e fala, que parecia soletrar cada palavra, ainda que monossilábica, igualmente reconhecíveis? As imagens dele na Suécia, no Chile, no México, no Santos e nos EUA se misturavam, mas não eram organizadas na minha mente, confesso. Era algo quase que etéreo. O maior jogador da história, que encerrou a carreira, mas ainda se mantinha presente no cotidiano, das mais diversas maneiras.

Mesmo com os prêmios, as participações e matérias na TV, eu ainda não tinha noção do que o maior jogador de todos os tempos representava. Nem para o Brasil, nem para o mundo. Até que a exposição “Pelé, a arte do Rei” chegou ao Rio. Ficou sediada na Casa França-Brasil, de 24 de abril a 23 de junho de 2002. Não foi um ano exatamente fácil, para mim. Terminava minha formação, agora em Odontologia, mas eu tinha de ir. E fui. Ainda bem que eu fui.

Não me lembro de tudo que vi. Nem poderia. Eram quase 600 itens. Ainda guardo o programa da exposição comigo. Só ele já dá uma mostra do quão grande era aquela exposição. Foram 20 espaços – entre salas e corredores, alguns bem amplos – utilizados para o evento. Entrávamos por um túnel, como se saíssemos do vestiário para o gramado, para uma partida que, para mim, e muitos ali, seria única. Literalmente. Dificilmente uma exposição desse porte percorrerá o Brasil novamente. Agora, só em Santos, no Museu Pelé.

Peças recolhidas no Brasil e em todo o mundo. Caí em mim: “Caramba… a gente casa e tenta arranjar um cantinho na casa dos pais, para guardar nossas quinquilharias de infância e adolescência… Pelé precisa de quase um prédio todo para expor só 600 de seus itens… que vêm do mundo todo!!” Ainda: tinha a certeza de que muita coisa tinha ficado de fora.

Como eu sempre tive a mania de pegar algo no macro e reduzir ao micro, decidi refletir sobre o máximo possível de itens. Até para entender a amplitude de tudo aquilo frente à humanidade. Afinal, era tudo de um jogador de futebol. Não é desmerecer, claro. Como se diz por aí, “nunca foi só futebol”. Na verdade, me veio a pergunta: o que esse jogador fez, para merecer tantas menções honrosas e homenagens mil? O que o fez dele um atleta tão, mas tão diferenciado, com tanta arte, que acabou por ser retratado por Portinari, Djanira e Andy Warhol, para ficarmos em alguns? Quantos jogadores o foram?

Pensei: quem foi esse cara? Porque a questão vai um pouco além do que vimos. É mais profundo do que admirar a tela ou obra pronta. Passa pela compreensão do processo da decisão de um artista dessa grandeza parar, pensar e decidir retratar Pelé. Passar horas, dias, semanas em frente a uma tela, retratando, não apenas um jogador de futebol. Mas o maior jogador de futebol de todos os tempos. O que passava pela cabeça deles? E nas mentes de todos os artesãos que confeccionaram medalhas, placas, troféus… “Estou fazendo algo para… Pelé…” Definitivamente: não é pouca responsabilidade.

Admirei medalhas, troféus e certificados recebidos em diversos países. Fotos com estadistas. Fotos com diversos líderes religiosos. Fotos com artistas. Fotos com outros jogadores. Fotos com técnicos. Fotos com dirigentes. Fotos com pessoas comuns… até que pensei: “Ele não tirou foto com ninguém. Foram todos os outros que tiraram, cada qual, a sua foto com Pelé”.

De todos os itens, os que mais me chamaram a atenção foram: a bola de meia, a caixa de engraxate, a réplica da Taça Jules Rimet, a bola, as chuteiras e a rede do milésimo gol e a foto dele, jogando pela seleção, com o suor fazendo o contorno de um coração.

Por quê? Porque retratam momentos singulares. A bola de meia e a caixa, jogando e sonhando, em meio a trocados ganhos no dia e a incerteza da infância, ainda que despreocupada, com toda a vida pela frente. A taça… na boa… quem se imagina ganhando uma Copa do Mundo e indo pegar a Jules Rimet pela terceira vez? Já deviam ser íntimos: “Oi, Jules, tudo bem? / Como vai, Pelé? E a família?” Os itens do milésimo gol, pela obviedade da marca. Quem pensa em chegar a mil gols, quando começa? Ainda mais quando não se tinha tantas competições? A foto “O Coração do Rei”, merece um destaque.

A foto é de autoria do fotógrafo Luiz Paulo Machado, num jogo amistoso entre a Seleção Brasileira e o Flamengo, em 06 de outubro de 1976, em memória do jogador Geraldo, então recém falecido, por intercorrência cirúrgica. Ilustrou a matéria da revista Placar sobre aquele jogo. Sempre se fala da imagem do coração, no tórax do Rei, formada por seu suor. Meio que característica dele. Outras imagens mostram a mesma formação, mas não com tanta nitidez (ver aqui). Eu vejo algo além do coração: a pose de quem está orientando o time, e com o semblante não tão leve, mesmo se tratando de um amistoso. Era um jogo. Um jogo do Brasil. A seriedade era a mesma. Ainda que já no final da carreira.

Passava tudo isso por minha cabeça, quando vi as pessoas simplesmente passando pela exposição. Pensei: “Ô, pessoal!! Por que a pressa?? É o Pelé!! Sabe Pelé? Então: Pelé!!” Devo até ter falado baixinho. Pessoas mais velhas falavam para os mais novos que tinham visto o Pelé jogar e tal. Só que a frase começava perto de mim e era terminada já dois, três passos adiante. As pessoas passavam. Simplesmente passavam. E repito, mais uma vez: simplesmente passavam. Quase me desesperei! Nunca vou entender aquele comportamento. Enquanto eu estava lá, poucos foram os que realmente observaram os itens e leram as descrições. Definitivamente, a iconografia de nossos ídolos precisa ser melhor trabalhada.

Pelé se foi em 2022. Em 29 de dezembro. No meu aniversário. A lembrança da exposição me veio imediatamente à mente. Via os diversos especiais e matérias sobre o triste acontecimento e me lembrava de ter visto pessoalmente vários daqueles itens mostrados. Sabe… isso dá uma sensação de ter estado em algum lugar importante, em termos de tempo e espaço. Nesses momentos, me veio uma sensação de que, de uma forma ou outra, honrei sua memória. E, sim: vendo as imagens relativas aos itens que destaquei, me emocionei. Porque eu pude entender quem foi aquele cara. Agradecido por tudo o que foi e fez. Muito obrigado, Rei. Muito obrigado, Pelé.

TAGS: Pelé

6 Comentários

  1. Guilherme Guedes de Almeida

    Excelente texto!

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    • Luciano Teles

      Muito obrigado, meu caro!

      Responder
  2. Raphael Bernard

    Incrível texto e emocionante Luciano, Pelé é eterno mesmo! Figura máxima do esporte mais popular do mundo e orgulho nacional! Infelizmente seu reconhecimento será póstumo, muitos de nós brasileiros demos pouco valor ou importância a está figura tão emblemática!

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    • Tonin Ferreira

      Que volta em espiral, meu parceiro!!! Texto que me levou pela infância, adolescência e fase adulta e me trouxe a salvo neste dia sem graça, sem o Rei. Que prazer ser seu amigo e saber que, entre poesias e matérias de jornal, um abraço e uma cerveja salvou a tarde e sonho do esquecimento dos olhos. Um brinde ao Rei! Um brinde a você!

      Responder

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